O Possessed, com seu “Seven Churches” (1985), teria sido a primeira banda de death metal da história?
Existem argumentos à favor e outros contrários, mas a verdade é que esse disco era pesado, rápido e blasfemo demais para o thrash metal, mas ainda não era definidor em todas as suas bases para o que viria a ser o death metal, como ouvimos nos primeiros discos de bandas como Master e Death, por exemplo.
Nesse artigo queremos partir desta questão e narrar uma breve biografia da banda que impactou o metal norte-americano ao abrir as portas do inferno e trazer de lá a união das premissas básicas do que seria o death metal.
Possessed: O Início de Tudo
Quando Jeff Becerra escreveu “death metal” em seu caderno durante uma aula de inglês no colegial, apenas havia colocado no papel uma ideia que lhe viera.
O termo foi registrado como título de uma fita demo, em 1984, que teve apenas 90 cópias e é objeto de culto até hoje. O material trazia três músicas: “Death Metal”, “Evil Warriors” e “Burning In Hell”.
A proposta era elevar o tom da brutalidade do thrash metal, e apenas isso, como bem revelou Jeff Becerra anos mais tarde:
“Meu único objetivo era fazer um som que jogasse sua cabeça para o alto, mais brutal e insano que o Slayer, Exodus, Mercyful Fate, Venom e outras bandas que adoro.”
E isso era exatamente o que se ouvia naquela fita demo, ainda como um protótipo, é fato, mas o thrash metal que a li apresentavam já era mais agressivo que o usual do estilo.
Porém, Jeff Becerra tinha essas intenções mesmo antes de entrar no Possessed, quando ainda era membro do Blizzard.
O Possessed foi formado pelo guitarrista Mike Torrao e o baterista Mike Sus, e Jeff Becerra entrou na banda após uma tragédia envolvendo o primeiro vocalista, Barry Fisk:
“Quando entrei no Possessed, a convite de Mike Sus e Mike Torrao, eles ainda estavam chocados com o suicídio de Barry Fisk. Nada funcionava para nós. Passamos sérias dificuldades e não conseguíamos encontrar um vocalista. Foi por isso que comecei a cantar.”
Após o suicídio de Fisk o Possessed quase não saiu da garagem.
Junto com o baixista Jeff Becerra o Possessed recrutou um segundo guitarrista, Brian Montana e com essa formação eles gravaram a demo tape de 1984 e a música “Swing of the Axe”, que integraria a coletânea “Metal Massacre VI”.
Logo em seguida, Larry Lalonde entraria para o lugar de Brian Montana, que tinha deficiências técnicas para a música que queriam conjurar.
Enfim, a formação clássica do Possessed estava reunida.
O quarteto formado por Mike Sus (bateria), Mike Torrao e Larry Lalonde (guitarras), e Jeff Becerra (baixo e vocal), em questão de meses, mudaria os rumos do metal extremo com o lançamento de “Seven Churches”.
Porém, seis meses antes, em junho de 1985, o Possessed era destaque na sexta edição da histórica coletânea “Metal Massacre”, da Metal Blade Records, ao lado de outras bandas icônicas como o Nasty Savage, o Hirax e o Dark Angel.
Jeff Becerra relembra a importância do lendário Brian Slagel, líder da Metal Blade, nesse momento na carreira do Possessed:
“Brian Slagel é um cara visionário. Além de curtir e entender de metal, ele sabia as bandas nas quais investir. Nós fazíamos algo que nenhum outro grupo ousava na época, e por isso ‘Swing of the Axe’ ganhou destaque naquela compilação”.
É importante lembrar que “Swing Of The Axe” só sairia em um material oficial da banda anos mais tarde, no EP “The Eyes of Horror”, após ser regravada com o quarteto da formação clássica.
Kerry King no Possessed?
Existe uma lenda de que o guitarrista do Slayer, Kerry King, teria passado rapidamente pelo Possessed em seus primórdios.
Mas o próprio Jeff Becerra já jogou luz sobre esse boato:
“Nós chegamos a ter alguma proximidade no início da carreira, porém, não passou disso. Kerry King jamais foi cogitado para ser guitarrista do Possessed. Teria sido muito legal, eu gostaria que isso houvesse acontecido, mas não é a verdade.”
Possessed – “Seven Churches” (1985)
Após a entrada de Larry LaLonde no Possessed, eles realizaram alguns shows com o Exodus, o que lhes rendeu um contrato com a Combat Records, para a gravação de seu primeiro álbum.
“Seven Churches” foi lançado em 15 de outubro de 1985 e foi o primeiro disco dentro do heavy metal responsável por avançar as fronteiras do thrash metal.
Nesse disco, o Possessed implementou vocais mais agressivos, acelerou ao máximo as suas canções e influenciou todas as bandas da primeira geração do estilo do death metal.
Canções como “The Exorcist” (onde temos um prenúncio dos “blast beats”), a assustadora “Pentagram”, “Twisted Minds” e a violenta “Death Metal” mostravam que o Possessed poderia ser mais rápido que o Slayer e mais satânico que o Venom.
Esse pode até não ser o primeiro disco de death metal, que seria definido mais propriamente em “Scream Bloody Gore”, do Death, e o auto-intitulado primeiro disco do Master, mas é o ponto de bifurcação entre o thrash e o death metal.
O álbum não dividiu opiniões apenas quanto ao seu pioneirismo no death metal, mas também dos críticos de sua época e dos fãs.
Era complicado descreve-lo e encaixa-lo nos rótulos da época, como bem lembrou Jeff Becerra:
“Apesar de muitas pessoas terem entendido o disco, e passado a acompanhar nossos shows espalhando o nome Possessed por aí, havia gente demais nos chamando de punks, criticando nossas letras, e detonando a banda. Nós ríamos daquilo. Era engraçado ver o desespero dos puristas e até de alguns fãs de hard setentista”.
Àqueles que alegam que o Possessed só fazia barulho, Becerra rebate dizendo que “‘Seven Churches’ é arte.”
“O Possessed era extremo demais”, como bem disse Becerra, e a verdade é que poucos entenderam o disco num primeiro momento, mas o tempo se encarregou de mostrar o tamanho da influência que aquele disco teria no mundo do heavy metal.
Na época, as críticas sobraram até para o produtor Randy Burns, que foi defendido por Jeff Becerra: “acredito que ele realmente teve grande parte naquilo, pois compreendeu a proposta do grupo, e era um produtor disposto a encarar desafios”.
Possessed – “Beyond the Gates” (1986)
Após o lançamento de “Seven Churches”, o Possessed entrou em turnê nos Estados Unidos ao lado do Slayer e do Venom, e a quantidade de shows lapidou a técnica dos músicos e influenciou nas composições do próximo trabalho.
Após “Seven Churches”, o Possessed lançou o álbum “Beyond the Gates”, em 31 de outubro de 1986.
Este disco também não chegou a ser unanimidade e trazia uma estrutura mais trabalhada e conservadora dentro dos trâmites do thrash metal, principalmente se comparado ao disco anterior.
“Nós tocamos muito ao vivo após ‘Seven Churches’. Com isso, o tempo para o álbum seguinte não foi tão longo, e o fizemos na correria. Enfrentávamos problemas com Carl Cannedy, o produtor que a Combat Records havia nos arrumado”, relembrou Jeff Becerra, que arrematou afirmando que o Possessed “era uma banda mais técnica naquela época”.
“Beyond the Gates” foi levado aos palcos da Europa ao lado do Voivod e dos alemães do Deathrow, e a uma lendária turnê nos Estados Unidos, batizada de Gates of Darkness, ao lado de outra banda icônica quanto a velocidade e agressividade naquele período: o Dark Angel, que estava divulgando o clássico “Darkness Descends”.
Possessed – The Eyes of Horror (1987)
O Possessed ainda lançou o EP “The Eyes of Horror”, em sua meteórica e influente trajetória.
Este material foi produzido por Joe Satriani, que era professor do guitarrista Larry LaLonde e ainda não havia se tornado o músico renomado de hoje.
“Chegamos a Joe por meio de Larry LaLonde, aluno e amigo dele na época. Satriani ainda não havia conquistado a fama e o reconhecimento que tem hoje. Porém, todos o conheciam como grande professor e músico.”, relembrou Jeff Becerra.
Ainda nas palavras do baixista e vocalista:
“Como produtor, acho que ‘Satch’ captou a essência do Possessed. Enquanto ensaiávamos e gravávamos, ele cuidava do posicionamento de cada equipamento e móvel. É um profissional acima de qualquer suspeita e foi essencial para ‘The Eyes of Horror’.”
Nas cinco faixas de “The Eyes of Horror” o Possessed seguiu ainda mais em direção aos cânones do thrash metal e isso fica claro na regravação de “Swing Of The Axe”. Isso é algo que Jeff Becerra corroborou:
“Quando Joe Satriani concordou em produzir nosso EP, achei que seria interessante regravá-la, pois criaria certo contraste devido ao direcionamento musical das demais faixas. Aquela música é mais crua e as de ‘The Eyes of Horror’ bem pensadas e tocadas. Desta maneira, havia ali duas fortes características do Possessed”.
Além disso, podemos perceber que os músicos estavam querendo coisas diferentes nas músicas desse EP. Isso fica ainda mais explícito nas linhas desenhadas pelo guitarrista Larry LaLonde, que estava cada vez mais influenciado pela estética virtuosa de Satriani.
Não demoraram a surgir as tensões entre os músicos e após dois shows ao lado do Megadeth, Mike Torrao colocou o Possessed em um hiato que iria até 1990.
Duas Décadas de Silêncio
Após a suspensão das atividades do Possessed Larry LaLonde se juntou ao Blind Illusion e chegou a gravar seu primeiro álbum, “The Sane Asylum”.
Logo em seguida o guitarrista fundaria o renomado Primus com o baixista Les Claypool e passou a renegar seu passado no Possessed, se tornando um músico influente, gravando ao lado de Tom Waits e Serj Tankian.
Já Jeff Becerra foi baleado em um assalto e ficou paraplégico, mas se manteve ativo no mundo musical, sendo quem leva a bandeira do Possessed até os dias atuais.
Em 1991, Mike Torrao até tentou reativar a banda, recrutou novos integrantes, gravou uma demo tape, mas fez apenas três shows antes das mudanças na formação recomeçarem. Após gravar outra demo-tape ele finalizou as atividades novamente em 1993.
Somente em 2007 o Possessed foi reformado pelo vocalista Jeff Becerra ao lado dos integrantes da banda Sadistic Intent.
Possessed – “Revelations of Oblivion” (2019)
O Possessed só ganhou novamente um sopro de vida quando a banda Sadistic Intent convidou Becerra para registrar a música “The Exorcist” para um tributo ao Possessed, lançado em 2004.
Isso acendeu novamente a chama da música em Jeff que pouco tempo depois colocava o Possessed na estrada novamente, amparado pelo próprio Sadistic Intent, pois seus ex-companheiros de banda já haviam rumado para carreiras e projetos bem diferentes.
Mesmo assim, somente mais de três décadas depois de “The Eyes of Horror”, vimos um novo trabalho de estúdio do Possessed, “Revelations of Oblivion”, o tardio e não menos excelente terceiro full lenght da banda.
Não há como negar que “Revelations of Oblivion” é uma declaração de amor ao death metal dos anos 1980, ignorando modernidades como climas e ambientações, atonalidades, e breakdows, se dedicando apenas a riffs violentos e acelerados, solos vertiginosos e cozinha reta, mas insana.
“Revelations of Oblivion” é o Possessed passado à limpo, sem nenhum traço de modernidade, trazendo sua proposta incisiva e extrema diretamente dos anos 1980 para o presente, sem escalas!
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