Digam o que disserem, “Seven Churches”, primeiro disco do Possessed, foi o responsável por abrir as portas do inferno e trazer de lá a união das premissas básicas do death metal.
Pode até não ser o primeiro disco de death metal como muitos dizem, mas chegou bem perto!
Desde as letras satânicas, até as fotos da contra capa com muito sangue, cruzes invertidas, estes caras despejaram uma muralha sonora cujo extremismo ia além do thrash metal, causando impacto na cena norte americana.
Como registramos nesse texto em que estudamos a “influência do Diabo” na música ocidental, o Possessed, até mais do que o Slayer, trazia o que havia de mais concreto no satanismo dentro do heavy metal naqueles dias, principalmente nos Estados Unidos, mesmo que hoje muitas daquelas letras soem tão ingênuas quanto os poemas que você escrevia nos cadernos da escola na sua adolescência.
No âmbito musical, o Possessed foi o nome responsável por avançar as fronteiras do thrash metal, implementando vocais mais agressivos e tempos acelerados ao máximo, mostrando como a banda poderia ser mais rápida e mais satânica que o Venom e o Slayer juntos.
Isso, em 1985, era um feito impressionante, e o próprio vocalista Jeff Becerra é assertivo quando diz que “nós éramos muito satânicos e muito pesados para ser uma banda de thrash”.
Infelizmente, em 1987, a banda que havia começado com Mike Torrao (guitarra) e Mike Sus (bateria) numa das garagens da famosa Bay Area de San Francisco já havia terminado, pois todos os integrantes, exceto o vocalista Jeff Becerra e o próprio Torrao, haviam abandonado o barco após o registro do EP “The Eyes of Horror” (1987).
Porém, a retomada da banda por Jeff Becerra sofreu um infortúnio ainda maior quando ele ficou paraplégico, em 1989, após ser baleado em um assalto.
Mesmo assim, Torrao tentou reativar a banda no início dos anos 1990, mas o Possessed só ganhou novamente um sopro de vida quando a banda Saditic Intent convidou Becerra para registrar “The Exorcist” para um tributo ao Possessed, lançado em 2004.
Isso acendeu novamente a chama da música em Jeff que pouco tempo depois colocava o Possessed na estrada novamente, amparado pelo Sadistic Intent, pois seus ex-companheiros de banda já haviam rumado para carreiras e projetos bem diferentes.
Após algum tempo de retomada a história nos palcos, agora é a hora de enfim, mais de três décadas depois, conferirmos um novo trabalho de estúdio do Possessed.
E este preâmbulo todo é só para você se certificar da carga emocional, temporal e histórica que envolve “Revelations of Oblivion”, o tardio e não menos excelente terceiro full lenght do Possessed.
“Revelations of Oblivion” é um disco construído, ao longo de doze faixas, com a identidade do Possessed encaixada ao presente, onde são perceptíveis todos os elementos que fizeram de sua música relevante desde a macabra abertura com “Chant of Oblivion”.
Até a produção traz a crueza e a sujeira inerente aos primórdios do death metal, algo que salta aos ouvidos já na agressividade insana de “No More Room in Hell”, seja nas guitarras rápidas e cortantes, nos vocais vomitados ou na timbragem da bateria.
Mas isso soa mais do mesmo! E é! Mas é o mais do mesmo feito por quem o criou!
Você não vai pedir para quem já inventou a roda, reinventá-la, certo? Quando muito pede-se a atualização de velhos truques realizados com a roda a girar!
E é exatamente isso que o Possessed nos entrega após trinta anos!
Não há como negar que “Revelations of Oblivion” é uma declaração de amor ao death metal dos anos 1980, ignorando modernidades como climas e ambientações, atonalidades, e breakdows, se dedicando apenas a riffs violentos e acelerados, solos vertiginosos e cozinha reta, mas insana.
E por falar em insanidade, “Shadowcult” é capaz de separar sua carne dos ossos dependendo do volume em que você dispará-la aos ouvidos! Que pedrada! Um dos destaques, junto a “Graven” (com uma passagem thrash old school de arrepiar)
Uma questão que surge então é: seria “Revelations of Oblivion” uma continuidade de “Seven Churches”?
Não sei ao certo se esse seria o caso pelo espaço de tempo entre os dois, mas ouvindo faixas com “Omem” (outra que empolga), e “Ritual”, por exemplo, fica a sensação de déjà–vu do thrash/death metal que ouvíamos no passado, mesclando o death metal de “Seven Chruches” com algo de “Beyond the Gates” na criatividade das estruturas.
Um déjà–vu amplificado até mesmo pela simplicidade vintage da proposta, que se perde pontos pelo reflexo do passado, ganha outros, contraditoriamente, por simplesmente ser algo que não ouvimos nos dias de hoje com tamanho frescor!
Ou seja, esta reverência ao passado e ao próprio legado está longe de ser um problema, principalmente aos ouvidos que se comprazem com a destruição inconsequente e incansável da velha guarda. Aqui não existem alívios melódicos ou climáticos e isso pode incomodar os ouvidos que precisam de certa dinâmica nos arranjos para curtir o metal extremo.
Também não há como negar que em “Revelations of Oblivion” temos uma banda coesa, com a faca nos dentes.
Resultado?
O potencial melhor disco de death metal de 2019!
Devo, antes de terminar, exaltar o trabalho dos vocais de Jeff Becerra, que com personalidade oferece uma variação interessante de sua voz, em linhas primorosas que ajudam a dar vida a um conceito apocalíptico e complexo nas letras.
O que ele faz em “Demon”, principalmente no seu refrão, um dos grandes destaques de “Revelations of Oblivion”, mais do que corrobora essa observação.
Aliás, observação que pode ser feita já no início do disco, com a passagem de “No More Room in Hell” para “Dominion”, outro rolo compressor impiedoso e brutal que abre espaço para “Damned”, a faixa mais cadenciada da primeira metade do disco, com sua parede sonora compacta e de alta densidade.
Por vezes, Becerra soa como um Steve “Zetro” Souza (Exodus e Hatriot) dos círculos infernais de Dante, ainda mais quando a banda pisa no terreno mais melódico do thrash metal, como em “The Word”.
“Revelations of Oblivion” é o Possessed passado à limpo, sem nenhum traço de modernidade, trazendo sua proposta incisiva e extrema diretamente dos anos 1980 para o presente, sem escalas!
Ao fim do disco, eu só tinha a agradecer à entidade sobrenatural competente no caso do Possessed, por ter a banda de volta, com novas músicas! Acho que você deveria fazer o mesmo!
TRACK LIST
1 Chant Of Oblivion
2 No More Room In Hell
3 Dominion
4 Damned
5 Demon
6 Abandoned
7 Shadowcult
8 Omen
9 Ritual
10 The Word
11 Graven
12 Temple Of Samael
FORMAÇÃO
Jeff Becerra (vocais)
Emilio Marquez (bateria)
Daniel Gonzalez (guitarra)
Robert Cardenas (baixo e backing vocals)
Claudeous Creamer (guitarra)
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