“Hallelujah” é o quarto álbum do multi-instrumentista francês Gautier Serre, mais conhecido pelo seu nome artístico IGORRR. Lançado em 2012, o disco chega ao Brasil via Shinigami Records.
Posso dizer que esse disco é nada menos do que instigante e se faz necessária uma contextualização para tentar explicar e discutir o que ouvimos nessas oito músicas.
De saída, posso dizer que “Hallelujah” é um disco desafiador, tanto para o compositor quanto para o ouvinte, pois a pluralidade de estilos costurados impressiona, principalmente pela impressão deles serem tão distantes uns dos outros.
Do black metal, Gautier vai para a música barroca e o jazz, seguindo em direção às texturas modernas do trip hop e breakcore enquanto esbarra no rock alternativo sem cerimônias, gerando uma musicalidade muito particular e provocativa.
A faixa de abertura, “Tout petit moineau”, por exemplo, mistura a melancolia orgânica do violino com o caos sintético das batidas eletrônicas, a beleza angelical do vocal soprano com a timbragem degenerada das guitarras do black metal, gerando um atrito de contrastes tão artístico quanto dissonante.
E a proposta de chocar texturas, timbres, eras musicais e estilos permanece ao longo das demais composições que são basicamente sobreposições de caos breakcore e a harmonia musical nas suas mais diversas formas.
Não existem regras a serem seguidas, padrões a serem respeitados, nem mesmo cânones a serem reverenciados. A palavra aqui é desconstruir e reconstruir como um rebelde dentro da própria revolução musical esquizofrênica.
Claro que isso gera perigos pelo caminho, pois esse amálgama pode gerar uma quimera musicalmente amorfa, onde a fusão de estilos pode significar qualquer coisa ou nada, ou então frutificar num exercício de pura arte musical moderna.
Ou seja, Gautier (ou Igorrr) não teme em buscar o ingrime caminho da ousadia musical tendo às suas costas os perigos do precipício do fracasso que acompanha a arte pretensiosa.
Até por isso, tudo por aqui não soa milimetricamente calculado ou friamente planejado. As composições possuem uma alma artística, um sentido, uma fluidez e, principalmente, as misturas de texturas e estilos tem um motivo no contexto musical.
Existe muita coisa ocorrendo nessas músicas, sendo certo que você vai pensar em Mayhem, Cannibal Corpse, Bach, Chopin, Miles Davis, Mr. Bungle, Massive Attack e Portishead enquanto elas se desenrolam, às vezes tudo mesmo tempo, como em “Lullaby For a Fat Jellyfish” e “Corpus Tristis” que o faz de formas diferentes.
Nesse sentido, palmas para a produção que conseguiu, num trabalho em estúdio primoroso, imprimir toda essa sopa de frequências sonoras de forma bem definida e imersiva.
“Hallelujah” contou com as colaborações do guitarrista do Mayhem, Teloch, e da cantora clássica Laure Le Prunenec, reforçando a diversidade e a imprevisibilidade da música que traz.
Não obstante, Serre mostra que possui senso de humor não só para criar os títulos, mas também na hora de compor e coloca Patrick, seu frango de estimação, para “tocar” o piano (ele colocava ração nas teclas que o Patrick precisava “tocar”) em “Vegetable Soup”, uma das melhores músicas do disco.
“Hallelujah” é experimental, estranho e vanguardista, mas ao mesmo tempo é acessível e palatável para quem gosta de música que tire o ouvinte da zona de conforto.
Por fim, destaques para a insanidade de “Absolute Psalm”, o flamenco psicótico de “Cicadidae”, o desesperado trip hop de “Grosse Barbe” e o epílogo feito em “Infinite Loop”.
Ou seja, é um monstro musical de atributos lovecraftianos, que assusta e cativa ao mesmo tempo!
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