A banda paulista Warshipper vem chamando a atenção com seu mais recente trabalho de estúdio, “Barren…”, um disco sufocante, ousado, desolador e pesado, tanto em música quanto em letras.
Lançado no fim de agosto, este terceiro passo discográfico tem potencial para colocar a banda na vanguarda do metal nacional, simplesmente por dar ao metal extremo um vasto horizonte de possibilidades.
Por essa e outras razões “Barren…” representa um salto de maturidade para estes músicos, se mostrando um disco singular neste calamitoso ano de 2020, e por isso era obrigatório conversar (pela segunda vez esse ano) com o guitarrista e vocalista Renan Roveran, sobre tudo o que orbita esse lançamento, inclusive aprofundando em seu rico conceito.
É justamente esse longo papo que você confere à seguir!
WARSHIPPER – ENTREVISTA COM RENAN ROVERAN
por Marcelo Lopes Vieira
Primeiramente, agradeço o tempo cedido para essa entrevista e atenção com o site Gaveta de Bagunças.
Apesar de jovem, a banda conta com músicos experientes na cena e se torna um nome cada vez mais forte no metal nacional. Mesmo assim, o ano de 2020 tornou a batalha para se manter vivo no underground ainda mais difícil?
Renan Roveran: Grande Marcelo!!
Eu que agradeço a oportunidade de poder mais vez uma trocar ideia com vocês e falar do nosso trabalho para a galera que acompanha o Gaveta de Bagunças. Baita honra!
Sem dúvida alguma este ano está sendo muito desafiador para todos e, para nós artistas das mais diversas modalidades, isso não é diferente também.
A impossibilidade de realizar apresentações com público compromete muito do funcionamento profissional das bandas, produtores, equipes técnicas, e muitos outros que compõem o Underground.
Apesar disto, tivemos que montar uma estratégia para nos adequarmos a este momento e, juntamente com o pessoal do Som do Darma, pudemos traçar metas um pouco diferentes no tocante a lançamento do nosso álbum e vídeo clipes que já estavam prontos.
Tivemos que nos adaptar e explorar ainda mais os recursos audiovisual, eventos online, cover-collab, dentre outras ferramentas para manter a banda ativa, mesmo sem a possibilidade de turnê.
Está sendo diferente e complicado, mas ainda assim creio que temos conseguido gerenciar bem este novo modelo e, inclusive, considerar como uma provável constante mesmo após haver vacina e os eventos com a galera voltar a rolar.
Como está sendo a recepção de “Barren…” entre o público e a crítica?
Renan – Absolutamente fantástica!
A sensação de ter válido muito a pena toda a dedicação e empenho de todos os envolvidos na composição, gravação e produção deste álbum, é bastante latente.
Todas as resenhas, críticas, pontuações e comentários sobre o álbum são nada menos do que excelentes.
E o mais importante disso tudo é a capacidade de conexão com os ouvintes, que muitas vezes nos dão feedbacks voltados a sua interpretação e identificação com as músicas, atmosfera e letras do álbum. Isso é muito inspirador e motivador.
Antes de falarmos mais profundamente sobre o disco novo queria abordar a primeira turnê da banda pela Europa. Como foi essa experiência?
Renan – Cara!!! Toda vez que tenho que falar sobre a turnê rola uma sensação muito boa!
Foi uma das experiências mais memoráveis de nossas vidas, sem dúvida.
Era um sonho de infância para mim e poder “materializar” isto e compartilhar com esses meus irmãos de longa data, foi muito massa.
Foram vários dias convivendo o tempo todo juntos, conhecendo pessoas excelentes, passando por belas cidades e paisagens, participando de eventos com ótima estrutura, bebendo muita cerveja e nos divertindo. Tudo isso, além de fazermos o que mais gostamos: TOCAR!
Como foi a recepção dos europeus? Pergunto isso, pois também enxergo muitos aspectos do metal extremo europeu na sonoridade versátil do Warshipper.
Renan – Sempre que me perguntam sobre a receptividade do público europeu eu enfatizo que eles “piram” nas bandas brasileiras.
A paixão e fúria que levamos com nossa música nas turnês é muito marcante, tanto que muitos comentaram sobre outras bandas brasileiras as quais eles já haviam visto por lá.
Citaram várias bandas de Metal, Punk e Hardcore, e sempre enfatizando a energia que carregamos para os palcos.
Nossas músicas foram muito bem aceitas também e pudemos vender bastante material para os bangers de todas os países e cidades pelos quais passamos.
E o mais importante: fizemos muitos novos amigos por lá!
Precisamos retornar para reencontrá-los!!! Assim que possível. (risos)
Vocês registraram algum material ao vivo desta turnê europeia para futuros lançamentos?
Renan – Alguns dos registros que fizemos foram utilizados no video clipe da música “Barren Black”, primeira faixa do nosso novo álbum “Barren…”. Temos outros materiais sim e talvez possamos lançar algo com isso no futuro.
Acha que de alguma forma essa experiência na Europa refletiu no que ouvimos no novo disco?
Renan – As músicas já estavam preparadas para entrarmos em estúdio antes de irmos para a Europa.
Porém, decidimos preparar um novo álbum e planejar uma turnê ao mesmo tempo.
Isso foi muito desafiador e de certa forma desgastante, porém, toda essa expectativa para com a experiência nova (a turnê) certamente influenciou bastante no processo de composição das músicas.
Além disso, entramos em estúdio logo após voltarmos da turnê, portanto, toda aquela energia e lembranças estavam muito recentes e certamente o álbum captou este “feeling” todo.
Pensando desta forma, a resposta é sim.
A experiência toda da turnê tem sua parcela de contribuição para muito do que é apresentado em “Barren…”.
Entrando agora em “Barren…”, achei muito interessante o conceito abordado no álbum: a definição da esterilidade sob uma perspectiva social. Poderia aprofundar e detalhar um pouco mais sobre esse conceito?
Renan – Considero a expressão “esteril” muito pesada. É algo muito forte. Por isso a escolhemos.
Um solo ou ambiente estéreis não propiciam os recursos mínimos para a sobrevivência da maior parte das espécies.
Imagina trazer este contexto de limitação do mínimo necessário para a sobrevivência, para dentro do funcionamento das sociedades, desde que passamos a funcionar como civilização.
De forma superficial, pode não parecer ter grande conexão, porém, se imaginarmos um pouco mais e imaginarmos um(a) personagem, que não tem poder de voz e não é escutado, não pode exercer direitos mínimos de expressão, de qualquer tipo que seja, ou sequer ter o direito de decisão sobre seus anseios, aí podemos criar a ponte entre a esterilidade e a perspectiva social:
- Você ser julgado ou taxado como “pecador” pelo simples fato de você ter uma orientação sexual diferente do que é determinado como “correto” pelos líderes religiosos que se dizem representar algo que ninguém nunca nem viu;
- Uma mulher não poder andar livremente pelas ruas sem o tempo todo haver olhos de julgamento, opressão ou posse por parte dos homens que se consideram “superiores”, por uma questão de construção social;
- Alguém que possui um tipo de crença ou crença nenhuma em um meio onde há uma predominância judaico-cristã (considerando o contexto ocidental), e isso a torna “melhor ou pior” do que quem passa o tempo todo julgando e se considerando melhor porque pratica a “redenção e submissão”;
- um(a) indivíduo com algum tipo de dificuldade ou transtorno (do ponto de vista psicológico), ter o tempo todo que se adequar ao que regras pré-concebidas determinam como “normal”;
- ou mesmo o bullying na escola, que é, sem dúvida alguma, um desencadeador imenso de traumas que serão carregados para sempre por este(a) indivíduo, por sofrer diariamente e ter que se provar “forte” o tempo todo;
Tudo isso e muitas outras questões caracterizam a esterilidade sob perspectiva social, em “Barren…”.
Destaquei algumas palavras propositalmente: correto, superior, melhor ou pior, redenção e submissão, normal e forte. São conceitos que remetem à esterilidade sobre a qual falamos.
Essa determinação de condutas e atos que são o tempo todo impostos para nós, causam traumas inúmeros, variando sua intensidade de acordo com alguns fatores, que costumam
ser relativos a gênero, orientação sexual, cor da pele, classe social, dentre inúmeros outros.
Para eu, homem branco, ter consciência disso, houve todo um processo, que envolveu e ainda envolve desconstrução constante de valores estruturados, seja por proveniência de educação familiar, ou mesmo do meio como um todo.
Mas eu sou ateu, e cada vez mais foi fazendo sentido perceber que muito do que eu apresentava, nada mais era que reprodução do que aprendi e que era na verdade regra proveniente de conceitos religiosos ou padrões pré-impostos.
Cara, eu tenho uma filha. E somente porque as instituições religiosas pregam que a mulher é inferior eu tenho que criar minha filha sob esta perspectiva? Por exemplo? De forma alguma.
Não faz o menor sentido e temos que falar sobre estas questões.
E a melhor forma que achei para expressar tudo isso foi através do que para mim é o mais importante: a música.
Como o título do álbum e a capa dialogam com esse conceito? Aliás, fiquei curioso sobre o sentido das reticências no título. Elas estão omitindo ou refletindo alguma conclusão filosófica?
Renan – A capacidade artística da Brenda Cassimiro (tatuadora criadora da arte) em absorver o conteúdo conceitual do álbum e sintetizar tudo isso em uma arte visual foi perfeita.
Quando olho para a capa do álbum consigo sentir toda o desespero agonizante que um(a)
individuo com sua voz, pensamentos, desejos ou perspectivas anulados pela sociedade, possui.
Ela foi capaz de transmitir isso através de seu trabalho.
Interessante como alguns detalhes que compõem o todo da arte acerca de “Barren…” têm sido observados e despertam interesse em algumas pessoas.
As reticências são um exemplo disso.
Foi proposital e sim, propõe uma leitura filosófica.
Além do fato de não querermos ter novamente um álbum com o nome de uma faixa, como ocorre em “Black Sun”, a expressão que mais conecta a atmosfera do álbum é a palavra “estéril”, por isso quisemos utilizar a palavra, porém, considerando o ponto anteriormente exposto.
Assim sendo, pensamos também que não queríamos que o conceito de esterilidade fosse pragmático ao ponto de ser determinante e imutável. Até porque o intuito do álbum e suas letras é promover identificação, sensibilização e mudança, independente da escala ou abrangência.
As reticências figuram e simbolizam a ideia de: “OK! É estéril, podemos identificar e reconhecer. Mão não vamos ficar calado(a)s. Vamos refletir sobre, nos manifestar e falar sobre tudo o que o modelo em que estamos inseridos nos inibe, e mudar tudo isso.”
Por ser um disco conceitual o processo de composição de “Barren…” foi diferente do usual?
Renan – Sim. Na verdade experimentamos formas diferentes em cada um dos álbuns de nossa carreira.
No “Worshippers of Doom” estávamos criando a identidade da banda, mesmo sendo tudo muito aberto a várias possibilidades.
Eu apresentava a maior parte das composições já bem estruturadas e trabalhávamos juntos nos arranjos.
Já no “Black Sun” e no single “Atheist”, o trabalho acerca dos arranjos se tornou mais intenso, o que tornou este processo fundamental para resultado final.
Em “Barren…” isso se intensificou, pois há composições inteiras que foram desenvolvidas à partir da criatividade de arranjos de cada um de nós quatro e, muitas vezes, de nós quatro ao mesmo tempo. Ou seja, o desenvolvimento de arranjo deixou de ser uma etapa complementar, para se tornar meio que base fundamental para nossa musicalidade. E cada vez mais aberto às diferentes inspirações e influências de cada um de nós.
Porém, o grande desafio de “Barren…” foi consolidar tudo isso em uma atmosfera que representasse o conceito do álbum, mesmo que “passeando” por diferentes ambiências e sensações. Além, é claro, de criar as conexões não somente musical como lírica também.
Eu acabei “orquestrando” tudo isso, mas sempre promovendo o máximo de participação de todos, para que tudo fizesse sentido para todos nós, trazendo também inspirações de todos para dentro do conteúdo escrito.
Uma das minhas faixas favoritas do disco é “Anagrams of Sorrow”, cuja letra sombria e depressiva foi inspirada por um poema. Poderia comentar um pouco sobre essa música e nos dizer qual é esse poema e sua relação com o conceito do disco?
Renan – Esta também é uma de minhas favoritas. (risos)
Ela é, de fato, densa, pesada e triste.
Tentamos apresentar através desta música toda a angústia e sensação de desorientação emocional que a depressão causa.
A ideia de você olhar seu reflexo no espelho e não mais se enxergar, e nada mais fazer sentido permeia a atmosfera desta faixa.
É um problema social muito sério que afeta todas as camadas das sociedades.
O que torna óbvio a ideia de que temos que mudar a forma como encaremos e muitas vezes romantizamos este assunto.
Isso tudo se conecta com a ideia da esterilidade à partir de uma perspectiva de quem se vê nesta condição. “Barren…”.
O poema que inspirou a composição lírica desta música foi escrita pela minha namorada, Letícia Grégio, que é atua na área da psicologia.
Assim como eu faço com o Rodolfo (baixista da banda) que é psicólogo especialista em autismo, eu converso muito e absorvo muito do ponto de vista e conhecimentos da Letícia.
Sempre me inspirando para compor, juntamente com minhas próprias experiências e emoções.
Esta letra foi escrita por mim em conjunto com o Rafael (guitarrista da banda).
Estamos, inclusive, finalizando um lyric video para este som que vai transmitir muito bem todas essas sensações e emoções mencionadas.
“Barren…” ainda conta com a participação de Fernanda Lira (Nervosa, Crypta) em “Respect!”, outro grande destaque do trabalho. Como essa parceria contribuiu para o conceito e musicalidade do disco, e como foi o contato com ela?
Renan – A “Respect!” é uma das faixas mais fortes do álbum.
Não somente pela sua musicalidade de “presença” e poder das suas melodias, mas também pelo contexto lírico acerca dela, e pela participação de uma das maiores representantes da arte e underground do nosso país na atualidade.
Este foi o motivo pelo qual decidimos fazer um vídeo clipe para a música.
Quando a compusemos ficou claro para mim que ao falar sobre equalização de direitos entre gênero, precisávamos de uma artista mulher para poder dar voz ao tema.
É importante que nós quatro, como homens, tenhamos esta percepção e levantemos esta bandeira, porém, não possuímos a propriedade de causa para poder não somente expressar nossa indignação, mas também dar vida ao que é dito.
Em conversa com o Roger (baterista da banda), rapidamente ele sugeriu a Fernanda.
Já a havíamos conhecido quando tocamos juntos anos antes, e somos fã da sua carreira.
Ele mesmo entrou em contato com ela que gostou da ideia e depois foi fácil!
Ela já chegou no estúdio mostrando porque é respeitada no mundo todo, com todo seu profissionalismo, carisma e competência.
Aumentou ainda mais nossa admiração por ela.
De forma geral, “Barren…” é um disco sufocante, ousado, desolador e pesado, tanto em música quanto em letras. Em sua opinião, qual o grande mérito do disco que o fará se destacar no universo de lançamentos que temos atualmente?
Renan – Marcelo, eu acredito que você mesmo respondeu a essa pergunta (risos).
Estas expressões das quais você utilizou para descrever a sua leitura sobre “Barren…”, além de muito certeiras, corroboram com a ideia de que este trabalho não é somente um trabalho de metal extremo, mas traz outros elementos, tanto musical como sentimentalmente falando.
E este era o objetivo.
Mexer com diferentes sentimentos, fazer sentido para algumas ou muitas pessoas de formas variadas, fazer a diferença de alguma forma que não seja somente através de riffs de guitarra e música extrema.
Isso não significa que não goste de música mais direta e que tenha uma proposta voltada a algo mais tradicional do ponto de vista do metal. Na verdade gosto bastante.
Mas nós queríamos fazer diferente, de forma original.
Musicalmente, existe uma abordagem metálica muito plural em “Barren…”. Parece que vocês quiseram levar o atrito de contrastes ao máximo. Como ser tão musicalmente versátil sem perder o foco e acabar soando como uma harpa eólica do metal?
Renan – Muito boa essa!
Se eu tivesse que descrever a fórmula para isso, eu diria que não tem.
Ao menos não para nós.
Nós simplesmente deixamos fluir. Mesmo!
Nunca traçamos uma meta sobre onde gostaríamos de chegar com nosso experimentalismo, nós só sabíamos que queríamos experimentar de diversos elementos.
Nunca houve a preocupação com o que poderiam achar disso.
A cada música que compúnhamos, ficávamos ainda mais empolgados com o resultado.
Mas nem tudo era novo ou mesmo proveniente deste momentum da banda.
Exemplo disso é que há faixas no álbum que precedem às composições dos dois primeiros álbuns. Como é o caso de “Barren Black”.
Há uma, inclusive, que é mais antiga que a própria banda (risos). A música “Numb – Pleasures of Possession” teve sua composição musical criada por mim quando o Rodolfo, Roger e eu montamos um projeto chamado “Pleasures of Possession” com o Nuno (R.I.P), irmão do Rodolfo, antes mesmo de montarmos o WARSHIPPER.
Eu sempre misturo composições antigas com material novo e gosto desta experiência.
Para finalizar, agradeço novamente a oportunidade da entrevista, e fique à vontade para pontuar algo que queira mencionar fora das perguntas acima.
Renan – Eu que agradeço novamente.
Para nós é muito importante ter espaço para falarmos sobre tantas particularidades relativas a banda e ao “Barren…”.
Agradeço também a todos os leitores e acompanhadores do Gaveta de Bagunças, assim como a todos os headbangers e apoiadores do nosso underground.
O suporte de vocês, feedback e incentivo têm sido fundamental para nós.
Grande abraço para todos e sintam-se a vontade para buscar contato conosco.
Hail!
Mais Informações:
www.facebook.com/warshipper
www.instagram.com/warshippermetal
www.youtube.com/warshipperband
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