O Vulcano é uma lenda!
Formada no ano de 1981 em Santos/SP, a banda é uma pioneira na cena nacional do metal extremo.
Detentora do poder advindo do vanguardismo desenvolveu ao longo da carreira um verdadeiro amálgama do que havia de mais extremo em termos de heavy metal naquele período, diluindo influências e moldando-as a seu modo, com personalidade, rispidez e solidez.
Desta forma, influenciou outras cenas pelo mundo. O “faça-você-mesmo” de seus primeiros discos e sua produção crua influenciaram de modo inegável a cena escandinava do black metal.
Agora, quase quatro décadas depois, O Vulcano ainda está ativo, produtivo e relevante, como bem nos mostrou o ótimo “Eye in Hell”, seu décimo sétimo lançamento que certamente será um dos discos do ano, além reafirmar suas tradições e a fidelidade ao metal oitentista.
Conversamos com o lendário guitarrista Zhema Rodero sobre esse legado, o novo disco e tudo o que cercou a banda nos últimos anos. E é justamente esse longo papo que você confere na entrevista abaixo.
Antes de tudo, quero registrar a honra de entrevistar uma banda com a importância do Vulcano para o metal mundial. Para começar, poderia nos dizer como está sendo a repercussão de “Eye in Hell”? Qual a resposta vocês estão obtendo de público e crítica?
Zhema Rodero: Bem, primeiro eu agradeço essa oportunidade que você e “Gaveta de Bagunças” está me proporcionando para levar um pouco das idéias por traz do VULCANO.
“Eye in Hell”, diferentemente dos álbuns anteriores, teve uma distribuição imensa por todos os continentes e alcançou mídias, revistas, blogs, fanzines, web rádios, canais amplamente dedicados ao Rock, desde os menores até os mais conhecidos e famosos.
Então, de março até agora, meados de maio, foram inúmeras matérias, noticias, reviews, resenhas e plays em rádios que eu mesmo fiquei de boca aberta! Então, estamos falando de uma ampla diversidade de listeners e readers que tem se manifestado ao álbum de muito bom à ótimo!
Claro que tem aqueles que não gostaram também, e sempre existirão, mas são muito poucos.
Agora falando dos fãs, aqueles que são ouvintes, fãs praticantes, headbangers, e não estão nada preocupados com opiniões ou notas, estes colocam esse álbum como um dos melhores lançamentos deste ano de 2020. Eu costumo dizer, sabe, que eu ficaria extremamente decepcionado se minha música fosse consagrada pela crítica e desprezada pelos fãs.
Particularmente eu acredito que “Eye in Hell” será aclamado como um clássico daqui alguns anos. E você, qual avaliação faz de “Eye in Hell” dentro da sua discografia?
Zhema: Todos os álbuns que lanço eu tenho um sentimento de “criação/criador”, que é uma sensação de euforia do tipo: “Poxa! Que legal, eu fiz isso”! Porque eu fiz algo que eu gostei, não fiz nada para cumprir tabela ou obrigação, fiz porque eu quis! Com o tempo essa coisa vai se estabilizando e vem a sensação de querer criar novamente mais um álbum, que então toma o lugar do anterior.
É assim com “Eye in Hell”. Ele é o décimo sétimo lançamento do VULCANO, e é aqui que ele esta! Confesso que repenso sempre que ouço ou leio que este álbum é um dos melhores de nossa carreira, então fico pensando: “será que é mesmo?” Bem, isso só saberemos daqui uns dez anos, creio eu.
Quatro anos separam “Eye in Hell” de “XIV” (2016). Conte-nos um pouco sobre o que ocorreu com a banda nesse ínterim e a saída de Arthur Von Barbarian.
Zhema: Na verdade quatro anos porque ficamos na fila de lançamentos da Mighty Music, eu escrevi esse álbum no primeiro semestre de 2019. E foi justamente no inicio daquele ano que Arthur deixou a banda. Começamos o ano de 2019 praticamente sem o Arthur. Ele tinha um projeto chamado Zeppers e que depois se tornou uma banda com lançamentos, shows, etc. e isso começou a interferir nas agendas das duas bandas até o ponto em que foi preciso escolher uma. Então foi isso que aconteceu!
Ainda sobre a mudança na formação, registrei na minha resenha do álbum que o baterista Bruno Conrado executou um trabalho destacável em “Eye in Hell”. Comente um pouco sobre a contribuição dele para as novas músicas.
Zhema: Eu tenho pouco contato com músicos da Baixada Santista e então minhas opções de escolha para o lugar do Arthur estava a cargo dos próprios caras da banda que me deram três nomes e o Bruno foi o que encarou de frente o desafio.
Qual não foi minha surpresa de já no primeiro ensaio o cara chegar com um terço do repertório pronto! Tivemos poucas semanas até o primeiro show dele e quando aquilo aconteceu, eu disse: “caramba! O cara é bom mesmo! Levei sorte na escolha”.
A partir daí, eu e ele em especial, começamos a desenvolver uma “linguagem” que nos levou à outro ciclo de performance e então eu pensei: “é hora de escrever um novo álbum”!
Eu escrevia as músicas e apresentava para o Bruno, geralmente com sugestões de arranjo da bateria e ele colocava o talento dele. Eu então perguntava “posso fazer esse riff em 180bpm”? Ele respondia: “claro”! “E essa base em 232bpm?”… Ele: “manda bala !!!!!!!!!!!!” Então depois de tudo gravado o resultado foi ótimo!
Eu já decidi! No próximo álbum não darei nenhum palpite, os arranjos serão todos dele. O cara é ótimo!
Poderia dividir conosco como funcionou o processo de composição deste novo trabalho?
Zhema: Como em quase todos os álbuns muitas vezes me vem na mente um riff que eu acho interessante e então eu procuro executá-lo e gravo no Q3, em seguida eu guardo na minha “gaveta de riffs”. Muitas vezes vem a música inteira e eu procedo da mesma forma.
Depois de um tempo eu escuto e se me atrair eu desenvolvo uma música começo, meio e fim. Por fim pegos essas músicas e escrevo no guitar pro e daí em diante começa o processo.
O mais interessante nisso tudo é que aquele riff, que me veio lá atrás, foi gravado “todo torto” sem metrônomo nem acompanhamento de bateria, e quando eu pego para mexer nele tempos depois, eu perco horas em cima dele, mudando um pouquinho aqui, outro pouquinho ali, até chegar em algo que realmente gostei.
Um exemplo, o riff que aparece lá pelo 1’10” na música “Sirens of Destruction” é um dos que mais gosto do álbum. Eu perdi horas para chegar nele, e mesmo assim ele esta “milesimalmente” diferente do que eu realmente criei, porque quando da gravação final foi preciso uma leve adaptação para poder ser executado por dois guitarristas ao mesmo tempo.
Em diversos momentos de “Eye In Hell” tive a impressão de que o Vulcano olhou um pouco para o passado, capturando a essência de discos como “Bloody Vengeance” (1986) e “Anthropophagy” (1987). Estou certo?
Zhema: Talvez porque tenha algumas músicas que foram compostas por mim e pelo Zé Flávio, guitarrista que esteve no “Bloody Vengeance” e quanto ao “Anthropophagy”, pelos velozes “blastbeats” do Bruno Conrado.
Até por essa minha impressão senti em “Eye in Hell” um espírito oitentista bem marcado. Foi algo planejado ou surgiu instintivamente?
Zhema: Essa “coisa 80tona” é natural, porque é minha escola. Foi lá que me formei, naquela aura, ouvindo aquelas bandas naquela atmosfera e então não tem como fugir disso. Se eu fizer algo moderno não estarei sendo eu mesmo, mesmo porque eu não saberia fazer.
Queria falar sobre algumas músicas específicas. Faixas como “Evil Empire”, “Sirens of Destruction” e “CyberneticBeast” me lembraram de bandas como Slayer, Bathory, Hellhammer e Exciter. Esse speed metal oitentista dos pioneiros do metal extremo ainda os influência de alguma forma?
Zhema: Eu creio que sim pelo fato dito anteriormente, foi nessa escola que aprendi e nesse contexto que eu cresci, então é algo intrínseco à minha maneira de tocar e por isso mesmo há muitos anos tomei as rédeas de composição no VULCANO justamente para que a influência dos demais não modifique aquele estilo de Metal que eu gosto.
Já “Mysteries of the Black Book” nos remete, pelo título, ao excelente disco de 2004, “Tales fromthe Black Book”. Existe alguma ligação entre essa música e aquele disco?
Zhema: Com certeza existe. Esse tema caberia perfeitamente naquele álbum e o fato motivador da passagem daquele Ancião das Trevas ao Conhecimento é o “Livro Negro” no papel da “Pedra Filosofal” dos Alquimistas.
A faixa-título é uma das melhores de “Eye in Hell”. Achei que ela traz um dos grandes momentos do Louzada nos vocais do Vulcano além de uma pegada doom/death metal. Poderia comentar um pouco sobre ela?
Zhema: Na maioria dos lançamentos do VULCANO existe uma música arrastada e lenta, porém nos três últimos álbuns isso não aconteceu. Eu tinha na minha gaveta aquele riff que aparece lá por volta de 2”20” já há bastante tempo e então eu decidi fazer algo com ele, e desenvolvi aquela seqüência de acordes que aparece em 1’40”, coloquei um de cada lado e criei o restante da harmonia. Eu já sabia como seria a impostação de voz do Luiz Carlos Louzada porque nesse estilo de música ele veio da escola do Angel que fazia isso extremamente bem.
Em 2021 o Vulcano atingirá a marca de 40 anos de fundação. Já existem planos para o futuro da banda? Algum projeto em mente para comemorar essa marca histórica?
Zhema: Não! Não tenho nada em mente sobre a chegada dessa data. Sei lá talvez um novo álbum, mas acho quase impossível porque agora temos um contrato a cumprir e eu não posso sair por aí lançando novos álbuns, salvo se a própria Mighty Music nos pedir isso.
Recentemente o Slayer anunciou sua aposentadoria. Olhando em retrospecto, o Vulcano nasceu no mesmo ano que a banda norte-americana, mas soa renovado e vívido em “Eye in Hell”. Como manter a paixão e a vontade após todos esses anos?
Zhema: Para o Slayer e muitas bandas da mesma época a arte e o prazer tornaram-se obrigação e aborrecimento e a necessidade do dinheiro. Não existe aposentadoria e vida tranquila para essas bandas, salvo se algum deles foi inteligente o suficiente para prover-se disso, então é desgastante para eles.
Para mim não! Eu ainda posso desfrutar dos prazeres da arte da música e como o fiz em minha adolescência, assim nada mais apaixonante que criar, gravar, tocar ao vivo e fazer o que eu mais gosto!
Obrigado pela entrevista, reforço a honra de poder conversar com uma banda emblemática como o Vulcano. Fique à vontade para dizer algo que não foi contemplado nas perguntas e dar uma mensagem final aos fãs.
Zhema: Eu novamente agradeço a oportunidade e também agradeço ao leitor que chegou até aqui nesta entrevista dizendo que o VULCANO é uma banda original da década de 1980, e então não esperem de nós coisas modernas, virtuosas, carregadas de experiências inovadoras tanto musicais como cênicas, e etc. Somos assim, uma banda nascida nos anos oitenta. Então com essa visão se quiserem conhecer mais sobre nós vão ate nosso Bandcamp. Tem dezessete lançamentos lá para se divertirem! Keep Banging!
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