Formada em 2012 na cidade de Campinas/SP, a banda Threesome traz influências de rock dos anos 60 e 70, com toques de blues, acid jazz e o indie, emoldurando letras maliciosas, que narram experiências amorosas e sexuais, monogâmicas ou não.
O primeiro álbum “Get Naked” foi lançado em 2014, com onze faixas instigantes que explicitavam uma inquietude além dos clichês inerentes ao conceito e da provocação gratuita.
É fato que existe, em sua postura artística, uma urgência para romper barreiras impostas pelo preconceito e por setores opressores da sociedade, promovendo a livre reflexão sobre um dos temas centrais dos estudos de Sigmund Freud.
Isso fica claro nesta entrevista sincera e contundente, quase acadêmica, onde a vocalista Juh Leidl debate abertamente sobre liberdade artística, conservadorismo, censura, sexo, e, claro, música.
Chegou a hora de falarmos abertamente sobre sexo dentro do rock. As recentes polêmicas envolvendo a performance do projeto “La Bête” no MAM em São Paulo trouxeram o assunto sobre liberdade artística a tona novamente, isso em meio a um furação de opiniões conservadoras e de extrema direita por todo o mundo. A banda chama-se Threesome (sexo a três) e todo seu conteúdo tem conotação erótica. Vocês temem uma possível censura?
Juh Leidl – Em primeiro lugar agradeço ao Gaveta de Bagunças pela abertura para uma discussão inteligente sobre o tema. Precisamos de mais espaços para o debate e menos arenas de guerra.
Sobre a pergunta, eu particularmente, que além de vocal na banda também atuo como artista plástica, tenho um medo mais latente sim sobre para que direção a sociedade brasileira tem caminhado. Não só falando da polarização e radicalização de efeito pêndulo, na qual uma hora estamos com radicais de esquerda, hora de direita, como um fanatismo religioso digno da idade média e dentro desse contexto que estamos vivendo não é tão difícil imaginar sofrermos censura.
Os conteúdos das músicas em grande maioria não são explícitos como uma letra de funk por exemplo, e sim eróticos, maliciosos, dúbios, são mais ideias sobre posturas, comportamentos e escolhas sexuais ou de relacionamento do que necessariamente algo de linguagem imprópria.
Talvez para uma sociedade que se fecha cada vez mais, as ideias que jogamos em discussão, essas sim, sejam um problema. Na grande maioria quem não tem a “biblioteca da malícia” pode nem entender o conteúdo das letras mas como hoje até uma homenagem da Polenguinho para o Pink Floyd tem quem associe com apoio LGBT, na verdade poderíamos falar de gatos e sorvetes e mesmo assim alguém achar que somos pervertidos que promovem a zoofilia… então sim existe um medo de sermos censurados ou boicotados, no Brasil de 2017, fato.
De fato, no Threesome os temas são erotizados, ao contrário da nudez não sexualizada que é explorada por muitos artistas sob diferentes linguagens. Vocês conseguem conceber, distintamente, nudez de sexo? E o que move as opiniões contrárias a nudez sexualizada?
Juh – Nudez diferente de sexo, claro que pode existir! A nudez pode ou não estar relacionada ao sexo. Ela pode acontecer como simples percepção estética da forma humana, livre de contextos sexuais. Quando vemos esculturas do classicismo grego, o auge da exploração das formas humanas como medida do universo, como busca da virtude, ética e estética primorosos, me parece quase impossível pensar em sexo, as poses, os temas, bem como em outras escolas posteriores.
Na arte de performance, fazendo uma referência a manifestação artística no MAM, surgiu uma nova busca da utilização do corpo como objeto para provocação de percepções e diálogos permitindo interação do público muito mais para que ele pudesse a partir dali SE entender.
A nudez por si só pode ser altamente trivial, até “invisível” e a maneira como lidamos com ela depende de nossa criação, nossos costumes e cultura e ainda varia muito de tempos em tempos.
Sobre a ideia do sexo é totalmente possível mencioná-lo, insinuá-lo, instigá-lo sem mostrar nenhuma nudez, NENHUMA! Um exemplo interessante, uma obra de Lucio Fontana, “ConcettoSpaziale (Rosso)” de 1968, que consiste em uma tela, vermelhíssima com um corte vertical centralizado no tecido, é quase que instintivo ver sexo nesse trabalho, que não passa de um pano talhado, mas a cor, a maneira como é feita a incisão, a posição da mesma tudo nos leva a associar a imagem diretamente ao sexo e é um trabalho abstrato.
Agora trazendo esse raciocínio para a nudez sexualizada, acredito que podemos ver o sexo mesmo sem mostrá-lo porque ele é presente em nossa própria existência, nós nascemos porque existe sexo, nós usamos o sexo como ferramenta para alívio das nossas tensões.
Lucio consegue com tão pouco recurso acessar o nosso lado mais primitivo e nosso ID, como descrito na teoria de Freud. A nudez sexualizada tem muito mais a ver com os signos e o contexto em que você a coloca. Uma vez que a consciência sobre o sexo é um conceito sobre algo em nosso instinto mais animal, é possível aplicá-lo em qualquer coisa.
Partindo dessa lógica, relacionar o sexo a algo tem muito mais a ver com uma manifestação pessoal do que necessariamente de um estímulo exterior. Claro que um artista pode explorar a sexualidade objetivamente em um trabalho, mas quando há consciência dessa existência e natureza humana mas há conflito, há a negação, há uma associação direta do sexo com o impróprio, o sujo ou errado, por qual o motivo seja, a tendência é você ver aquilo que nega mesmo onde não existe.
Não sei também se muito desse novo moralismo que estamos vendo aflorar não é um efeito direto da hiper exposição e sexualização nas mídias de massa, mas sem cultura e educação adequados para se conviver com isso de forma mais consciente e sem choques.
Tivemos uma revolução nas questões sexuais nos anos 60 e 70, mas em 80/90 tivemos que lidar com a AIDS, lembro de ver vários ídolos definhando e morrendo em rede nacional, sou de uma geração super preocupada com doenças venéreas encabeçada justamente pela AIDS e o pânico a respeito dela.
Ao mesmo tempo vivemos o boom da internet, uma revolução nos meios de comunicação, volume monstro de informação em vários pontos e claro que o sexo também veio junto. Aí temos pais desesperados porque não tem como controlar o que os filhos acessam de conteúdos, aí do medo surge a repressão, por sua vez temos menos consciência sobre questões sexuais hoje do que anos atrás e como resultado dessa falta, atualmente estamos convivendo com uma epidemia de Sífilis e indícios de aumento de casos de AIDS que estavam sob controle há anos.
Não adianta tentar negar o assunto, o sexo deve ser falado e discutido para que as pessoas possam agir com maturidade, responsabilidade e respeito.
No mesmo raciocínio da questão anterior, vocês conseguem conceber, distintamente, erotismo de pornografia? Existe mesmo diferença ou seriam essas classificações criadas pela sociedade e por nós mesmos para lidarmos de forma menos constrangida com o tabu do sexo?
Juh – “…classificações criadas pela sociedade e por nós mesmos para lidarmos de forma menos constrangida com o tabu do sexo…” Excelente definição! Está sendo um deleite responder suas perguntas.
Se partimos da etimologia, e claro, entender um pouco a semântica das palavras, podemos identificar alguns pontos interessantes. Erotismo… usamos a definição em geral quando o sexo ou sexualidade não está tão explícito, gera o desejo e cria fascínio principalmente ao deixar o conteúdo subentendido, insinuado, não revelar de cara ou de maneira óbvia.
No erótico cabe espaço para a imaginação e essa pode ser infinita, é uma palavra que usamos pra romantizar um pouco o sexo, em sua origem grega carrega o sentido de amor, paixão e desse desejo, afinal, podemos ter o nu erótico, aparentemente revelado, mas a abordagem passeia entre a preocupação com a estética e o que chamamos de pornografia, e esta, por sua vez, não tem a menor pretensão de insinuar, você não precisa imaginar nada porque tudo já está ali, ela é escancarada e “exposta” e pegando pela origem da palavra, fica mais fácil de entender o contexto.
No grego existiam as palavras pórne, pórnos e pornographos, ou seja, prostituta, quem se prostitui ou ainda quem escreve sobre a prostituição, depois no latim clássico a palavra prostituta foi atribuída literalmente a “mercadoria exposta”, ou seja, o sentido de pornografia é ligado ao mercado do sexo, compra e venda do mesmo, acabamos associando a vulgaridade, o obsceno, o impróprio justamente por essa origem de “mercado do sexo” e como lidamos com ele em nossa cultura. Mas não deixa de ser algo que nós classificamos assim. A linha entre o erótico e pornográfico é absolutamente tênue e muitas vezes eu acredito que se misturem.
Agora trazendo o debate mais para o que acontece com o indivíduo, sexo e a sexualidade na verdade é um processo não tão simples, apesar de ser algo tão básico, exige tempo, paciência, dedicação, se você realmente quiser se entender, se aceitar, se respeitar dentro de suas descobertas e autoconhecimento, tudo dentro de um contexto de sua cultura e do que ela diz sobre isso.
Ter um amadurecimento no campo sexual não é da noite para o dia, temos que lidar com os impulsos, com fluidos, com cheiros, hormônios, com tantas reações que fazem parte de nossa natureza, que é primitivo, que fica por vezes desconfortável ainda mais quando em muitos casos não existe nenhuma orientação e diálogo sobre o assunto. Aí fica fácil perceber porque o sexo em algumas sociedades é um tabu enorme.
O nu e mesmo o sexo são temas recorrentes nas artes, desde a arte pré-histórica. De forma que forma vocês da Threesome se valem do tema no que se refere a expressão artística? Há um sentido subjetivo ou mesmo social ou vocês não se preocupam em recorrer aos clichês do tema sexo no contexto rock n roll?
Juh – Acho que você tocou no ponto “G” da questão (risos). O sexo e toda a curiosidade sobre ele está presente em nossa história humana desde os primórdios, logo é natural termos vontade de falar sobre ele.
As artes por sua vez têm como princípio básico ser manifestação da expressão humana e sua visão e busca da compreensão sobre tudo ao nosso redor. Logo, arte mais sexo faz todo o sentido. O clichê sexo e rock n roll pode parecer batido mas continua sendo verdadeiro, o rock tem seu caráter muitas vezes rebelde, marginal, incontrolável e como o sexo ainda hoje continua sendo tabu, por mais absurdo que pareça, mais uma vez falar sobre ele no rock é quase que inevitável.
Quando escrevemos as letras das músicas não partimos de um ponto tão racionalizado, por exemplo, “…vamos fazer uma letra sobre uma personagem diante da opressão e objetificação da mulher na sociedade contemporânea…”, simplesmente escrevemos uma letra sobre uma mulher forte, bissexual, que toma a iniciativa, que faz o que gosta sem ligar pra julgamentos, que lida com o sexo de maneira livre e por isso é motivo de admiração e desejo simplesmente porque é assim que a vemos e como queremos mostra-lá.
Acredito que de alguma forma isso contribui para trazer outro ponto de vista para as pessoas. Falar sobre bissexuais nas músicas é uma forma de lidar com questões de orientação sexual, por exemplo.
Temos músicas para falar sobre relacionamento aberto, outro tabu monstro em nossa cultura, e acho que o mais importante é a busca por respeito da individualidade e opção de cada um de nós.
Queremos levantar o assunto, pois ele existe e não tem nada de errado nisso, temos sim uma preocupação em falar sobre Liberdade e Respeito, em vários sentidos, você pode achar que aquilo não cabe para a sua vida, para as suas verdades, mas deve respeitar quem acha sem preconceito.
Criamos músicas com temas eróticos, mas temos material para pelo menos mais três álbuns já compostos entre letras, só bases e outras letra e base, e não ficamos presos só em sexo, mas aconteceu de deixarmos no primeiro álbum, o Get Naked, e no novo EP Keep On Naked, músicas do gênero.
Falar sobre temas eróticos é uma maneira de explorar a liberdade de pensamento, de normas, e a banda tem tanto isso em comum, essa busca pela liberdade, que nos possibilita fazermos músicas com temas fora do nosso padrão, com estilos fora do nosso, como “Crawling” que é um jazz. E nos permitimos inclusive mexer em músicas já gravadas ao invés de só lançar novas.
Vocês não acham que o tema Sexo pode, merece e deve ter uma atenção especial das artes no que se refere a sua condição social? Prevenção de doenças, controle de natalidade, questões de gênero, violência sexual, condicionamentos psicológicos diversos, vocês não acham que artistas poderiam e deveriam estar mais engajados em questões de interesse coletivo do que em suas próprias experiências subjetivas?
Juh – Essas questões podem e devem ser trabalhadas nas artes ou pelos artistas, mas o engajamento e a preocupação com assuntos sociais ou políticos pertinentes, que os artistas queiram abordar, não precisam ser panfletárias o tempo todo ou maiores até do que a preocupação com o conteúdo artístico em si.
A arte funciona como abertura, tocar em temas tabu nas músicas pode ser uma boa provocação para, a exemplo, uma entrevista como esta, em que a partir do conteúdo musical que produzimos coube a discussão sobre nudez, erotismo, pornografia, censura e até mesmo questões de gênero. O trabalho em si não precisa ser tão “pornográfico”, ele pode ser mais “erótico”, como diria o Fred Leidl.
Claro que, as vezes, o artista sente a necessidade de falar sobre algo escancaradamente para que chame a atenção sobre determinada tema, mas existe a forma e o momento certos para tudo. Como artista me sinto na obrigação de entrar em certas causas, mas não necessariamente elas aparecem em absolutamente todo trabalho que faço.
Eu, Juh, sou muito preocupada com questões LGBT, faço parte dessa comunidade e tenho quadros com temas sobre esse assunto, mas minha abordagem é sempre para mostrar a beleza e naturalidade e não a violência.
E também não pinto ou desenho só esse tema. Já na época do desastre de Mariana, senti tanta dor e tristeza além de uma enorme empatia com todos que sofreram ali que depois de quatro dias tentando pintar, e sempre começando a chorar sem parar cada vez que sentava na frente do cavalete, percebi que precisava fazer algo para falar sobre o desastre e aí surgiu um trabalho intitulado “Takeanotherpieceofmyheart” e “Brazilian Gold Fish”, que foi exibido em exposição coletiva chamada “InterInvenções” no Atelier Mauro Soares.
Enfim, a arte deve ser sempre verdadeira para que consiga tocar o outro antes de mais nada e parte muito dos anseios e vivência do artista do que qualquer outra coisa.
De que forma o tema sexo explorado através da música do Threesome, em seu sentido subjetivo, reflete a natureza da vida sexual de seus integrantes? Quero dizer…. Uma banda como Slayer, por exemplo, que dialoga abertamente sobre temas violentos e anticristãos, tem um vocalista/baixista que é católico assumido (Tom Araya). A arte do Threesome é de natureza ambígua?
Juh – O ponto em uníssono entre os integrantes da banda em relação as questões sexuais é a preocupação com a liberdade e o respeito em relação as escolhas de cada um. Não temos preconceitos, entendemos o sexo como algo natural e que não deve existir fórmulas ou formatos de amor condicionados como certo e errado.
E em geral muito do que produzimos em termos musicais carrega esse posicionamento. Então posso dizer que não somos ambíguos, uma vez que buscamos antes de mais nada essa liberdade e respeito. Cada um tem sua individualidade e privacidade dentro do que acha que funciona para sua vida, suas escolhas e parceiros.
Apesar do nome da banda, e de muitas de nossas letras, não temos intenção de pregar ou doutrinar as pessoas para que vivam relacionamentos a três, ou casamentos abertos, ou homo ou bissexualismo, nossa preocupação é fazer com que exista antes de mais nada o RESPEITO pela LIBERDADE de cada um SEM PRECONCEITO.
Vocês vão lançar em breve um novo EP, “Keep On Naked”. Inicialmente ele foi anunciado como sendo um EP com regravações de duas músicas, “Every Real Woman” e “Why Are You So Angry”, além da inédita “My Eyes”. Verifiquei uma nova postagem nas mídias sociais e o tracklist mudou. O que poderia nos esclarecer sobre isso?
Juh – Realmente temos duas músicas no EP que fizeram parte do primeiro álbum “Get Naked”, mas depois de muitos shows sentimos a necessidade de uma nova roupagem para “Why Are You So Angry”, incluindo pequenas modificações na letra. Adorávamos a música e achamos que valeria a pena dar essa nova cara. A princípio ela permanece muito parecida na letra, mas em termos de levada e arranjo mudou totalmente, acredito que tenha sido até um reflexo do nosso amadurecimento como banda, digo conjunto mesmo, conseguimos colocar mais ideias de cada integrante para ela.
Na hora de fechar a arte da capa pensamos muito a respeito e decidimos que o nome deveria mudar, apesar da pequena modificação na letra, mas a música ser outra. No caso de “Every Real Woman”, a mudança principal foi a troca do vocal que era masculino para um vocal feminino, além de alguns detalhes de arranjo, então decidimos chama-la apenas pela abreviação, “ERW”.
Para finalizar, porque sexo a três e não tradicionalmente a dois? E Por que rock contemporâneo, feito pela Threesome, e não o clássico?
Juh – Como dito anteriormente, buscamos incessantemente a liberdade, logo por que não a três ao invés de dois? E por que fazer rock clássico se podemos misturar tendências e abordagens mais modernas e contemporâneas para o rock?
(*) Entrevista publicada em novembro de 2017 na antiga versão do Gaveta de Bagunças, em parceria com a Som do Darma.
Confira um pouco do trabalho de Juh Leidl
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