Seu Juvenal – Resenha de “Brincando com Ódio” (2020)

 

“Brincando com Ódio” é o quarto disco de estúdio da banda mineira Seu Juvenal.

Segundo Oscar Wilde, “a vantagem de brincar com fogo é que se aprende a não se queimar”. 

Partindo dessa premissa, quando li o título do mais novo trabalho do Seu Juvenal, “Brincando com Ódio”me perguntei o quanto existe de paralelo deste título com a advertência popular de que não se deve brincar com fogo.

Seu Juvenal - Brincando com Ódio (2020)
Seu Juvenal – Brincando com Ódio (2020)

Logo, minha mente divagava e eu concluía que muito provavelmente, o Seu Juvenal criava um paralelo com o ódio pandêmico que se alastra (como o tal fogo com que não se brinca) pelos povos do mundo atualmente.

Como toda boa reflexão, ela terminou com uma questão parafraseando o genial Wilde: seria a vantagem de brincar com o ódio simplesmente aprender a não odiar?

Toda essa digressão e eu nem tinha colocado as músicas para rolar!

Provando mais vez que assim como no disco anterior, “Rock Errado”, eles são muito bons para criar títulos perspicazes e questionadores para seus discos.

Aliás, “Brincando com Ódio” só reforçou aquilo que escrevi na resenha de “Rock Errado”, seis anos atrás: “o Seu Juvenal, ao contrário de muitos outros, pratica duas das premissas básicas do Rock N’ Roll: a liberdade e a contestação!”

Agora essa liberdade e essa contestação parecem vir aliadas de maturidade e ainda mais engajamento na crítica às diversas formas de ódio (racial, social, religioso, político, emocional…).

“Chamem as Crianças Pra Brincar” é uma abertura incisiva, guiada por guitarras pesadas, vocais determinados e refrão nervoso, e adornada com linhas de baixo precisas de Fabiano Minimin, enquanto a letra clama por “amor numa tarde tranquila”.

Uma abertura mostrando que algumas coisas estarão diferentes de antes, com o Seu Juvenal explorando mais sua faceta punk rock, que agora os deixa ainda mais punk, não só “para ser metal”, principalmente por soar um tanto iracunda na timbragem crua dos instrumentos.

Por falar em punk rock, “Depois do Ódio”, um dos destaques do trabalho, impressiona pela pegada rústica do gênero usada para catalisar uma ode ao rock de guitarras barulhentas (Sonic Youth mandou lembranças) e rústicas, que potencializam as verdades atiradas em nossos ouvidos (por exemplo: “cartas pretas ou brancas num baralho marcado, é a intolerância num esquema furado“).

Essas duas composições de cara nos trazem a impressão de que o ódio do título está injetado nas timbragens, sustentado na postura da banda, e extravasado no discurso. Não da forma beligerante que degradada, mas da maneira contestadora que provoca reflexão.

Mesmo nos quarenta e quatro segundos de “Hino Nacional”, onde o metal (o riff de abertura é puro crossover) e o hardcore (o final me lembrou do Ratos de Porão) são inseridos na fórmula musical da banda, e o vocalista Bruno Bastos se esgoela no lema “desordem e regresso” com todo o sentimento que tem pelo “homem de bem alienado”, soam mais revoltos do que belicosos.

E por falar em letra, eu aconselho uma audição atenta aos versos de “O Pior Cego” (parafraseando ditados populares de forma muito inteligente),  “Em Seu Sorriso Cabe o Carnaval” (a melhor do disco e mostrando que ainda são um tanto indie para serem apenas punk) e “Bloco da Vergonha” (confirmando sua parcela vintage num rock crú e bebendo na fonte dos Stones e do Ramones).

Todas as nove composições são rápidas e certeiras como um soco infligido por um pugilista determinado e que luta por uma verdade maior que simplesmente o combate. Soa exagerado, mas essa é exatamente a impressão que esse Brincando com Ódio” me passa.

Certamente o fato do disco ter sido gravado com a banda tocando ao vivo no renomado estúdio Sonastério, em Nova Lima/MG, despindo a produção dos artifícios inorgânicos que existem num estúdio, amplificou a vibe honesta, a energia, a coesão e o direcionamento das músicas. Com isso, criaram uma musicalidade própria e diversificada, sem amarras a conceitos estílicos ou padrão pré-definido.

O disco foi financiado com recursos do Funcult, edital de fomento à produção artística e cultural do Fundo Municipal de Cultura de Ouro Preto/MG, do qual o Seu Juvenal foi vencedor.

No repertório ainda temos “Fogo na Própria Carne” (um rock à moda brasileira com ritmo envolvente e mais uma letra sagaz), “Igreja” (faixa multifacetada e imprevisível, com um “q” de grunge na primeira parte, mezzo Nirvana mezzo Bush) e “Montanhas”, todas com a marca de uma banda que sabe explorar o melhor de suas potencialidades.

Cabe aqui um elogio ao trabalho do guitarrista Edson Zacca que mescla referências e estilos de uma forma muito própria e inteligente. Claro que a banda como um todo funciona como uma máquina bem azeitada (o baterista Renato Zaca é o coração da banda), mas o trabalho do guitarrista se destaca pela pluralidade de abordagens e timbragens (às vezes numa mesma música como em “Em Seu Sorriso Cabe o Carnaval”).

Se em “Rock Errado” nos ofereceram o paradoxo de que “o Rock N’ Roll, só é Rock N’ Roll, se desobedecer até mesmo as suas próprias regras”, agora, com “Brincado com Ódio”, o Seu Juvenal reforça que o rock precisa ser engajado, contestador e consciente do tempo e espaço em que produz sua música enquanto desobedece suas próprias regras!

Mais um disco excelente de uma banda que definitivamente tem algo de relevante a oferecer ao rock brasileiro!

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