“Maravilhoso… Ele põe para fora todas suas queixas da América e as faz parecer novas, engraçadas, ousadas, odiosas e adoráveis”. Era assim que o New York Times, o mesmo periódico que o destacou como “insubstituível na história literária norte-americana do pós-guerra”, referenciava o trabalho de Kurt Vonnegut em seu clássico “Café da Manhã dos Campeões”, lançado em 1973.
Nascido na cidade de Indianapolis, no estado norte-americano de Indiana, em 1922, Kurt Vonnegut tem em “Matadouro 5” – que comentamos aqui -o ápice de popularidade em sua obra marcado por estudos de bioquímica, antropologia e as experiências na Segunda Guerra Mundial.
“Café da Manhã dos Campeões” também apresenta um Kurt Vonnegut mais autobiográfico, mas agora em termos mais psicológicos do que o apresentado no seu livro anterior, justamente “Matadouro 5”.
Segundo o próprio Vonnegut os dois livros seriam um só! Porém, eles se separaram completamente com o desenvolvimento do trabalho e como água e óleo eram simplesmente insociáveis.
“Café da Manhã dos Campeões” é justamente o que sobrou da decantação de “Matadouro 5″. E como prometido no prefácio de “Matadouro 5” este novo livro não era explicitamente tão denso.
Implicitamente, pois no centro do livro existe um tema denso deixado de forma subjetiva: o suicídio!
Muitos dos personagens do livro se deparam com situações de desespero e desconforto que não conseguem se livrar e cogitam o suicídio.
Essa é uma das armas afiadas que Vonnegut usa para demonstrar e argumentar inteligentemente sua insatisfação com a cultura da América em que viveu em seus cinquenta anos de vida.
Quando perguntado sobre o que ele estava tentando dizer com “Café da Manhã dos Campeões” sua resposta foi:
“A medida que fico mais velho, me torno mais didático. Eu digo o que eu realmente penso. Não escondo ideias como easter eggs para que as pessoas os encontrem. Agora, seu eu tenho alguma ideia, quando algo se torna claro para mim, eu não diluo isso num romance; eu simplesmente escrevo um ensaio da forma mais objetiva que eu posso. O que eu disse didaticamente na introdução de “Cafe da Manhã dos Campeões” é que eu não posso viver sem uma cultura, que eu descobri que não tenho uma. O que passa pela minha cabeça como cultura é um monte de comerciais e intolerância. Talvez seja impossível viver sem uma cultura”.
O título do livro vem justamente deste comentário (“O que passa pela minha cabeça como cultura é um monte de comerciais”), afinal “café da manhã dos campeões” é o slogan de uma marca de cereais matinais nos Estados Unidos que acabou se tornando uma expressão difundida pelo mundo, representando uma herança cultural norte-americana.
E se você pensar friamente, a magnífica pop art que nasceu do caldeirão de niilismo, humor e liberdade criativa do pós-modernismo norte americano nada mais era do que um digressão da sociedade do espetáculo: Andy Warholl e Roy Lichtenstein lideravam o movimento que trouxe a publicidade para a arte.
Pensando por essa lógica entendemos o que Vonnegut quer nos trazer quando diz que não tem uma cultura!
Ao contrário do que se possa pensar (principalmente pela frase “eu não posso viver sem uma cultura, que eu descobri que não tenho uma”) essa obra nunca foi uma ameaça de suicídio de um escritor que afirmava serem seus livros uma forma de terapia, mas sim uma afirmação de um ser humano que se sente diferente, alguém que descobriu o segredo alquímico da transmutação.
Afinal este é mais um livro de Vonnegut a abraçar a tarefa de descrever o valor do espírito humano, assim como em “Matadouro 5”.
Essa mensagem fica ainda mais clara no trecho mais confessional do livro, uma espécia de epifania registrada que vou transcrever:
“À medida que me aproximava do meu quinquagésimo aniversário, fui ficando cada vez mais irritado e perplexo com as decisões imbecis tomadas por meus compatriotas. Depois disso, repentinamente, comecei a sentir pena, pois entendi o quão natural e inocente era para eles se comportarem de forma tão abominável, obtendo os mesmo resultados abomináveis: eles só estavam fazendo o melhor que podiam para viver como as pessoas inventadas nos livros de ficção. Era por isso que os americanos atiravam uns nos outros com tanta frequência: atirar era um artifício literário muito conveniente para encerrar contos e livros.
“Por que havia tantos americanos sendo tratados pelo governo como se suas vidas fossem tão descartáveis quanto lenços de papel descartáveis? Porque era desse jeito que os autores costumavam tratar os coadjuvantes em suas histórias de faz de conta.
“E assim por diante.
“Depois que entendi o que estava transformando os Estados Unidos numa nação tão perigosa e infeliz, e repleta de gente que não tinha nada a ver com a vida real, resolvi parar de escrever ficção. Agora, eu escreveria sobre a vida. Toda pessoa seria tratada exatamente com a mesma importância de qualquer outra. Todos os fatos também seriam avaliados como pesos iguais. Nada ficaria de fora. Deixe que os outros levem ordem ao caos. Eu queria fazer o contrário: levar o caos à ordem. E acho que foi isso que eu fiz.
“Se todos os escritores fizessem isso, talvez os cidadãos que não fazem parte do mercado editorial entendessem que não existe ordem no mundo que nos cerca, e que precisamos nos adaptar às exigências do caos em vez disso.
“É difícil se adaptar ao caos, mas dá pra fazer. Eu sou a prova viva disso: dá pra fazer.”
Essa mensagem de elevação também é resumida no subtítulo do livro: “Adeus, segunda-feira triste”. Uma outra ironia carregada de sua insatisfação com a cultura norte-americana.
O termo blue monday (segunda-feira triste) refere-se à terceira segunda-feira do ano, onde o misto de despesas contraídas nas festas de final de ano, a volta ao trabalho e a perspectiva de mudanças para o ano que chega, cujo primeiro mês está prestes a terminar, causa uma tristeza que o transforma no dia mais melancólico do ano.
Ao menos é o que afirmou o psicólogo Cliff Arnall, professor da Universidade de Cardiff, em 2005. Até mesmo a música pop já usou essa expressão, ou você não se lembra do clássico “Blue Monday”, do New Order?
O personagem (não necessariamente principal) Kilgore Trout um alter ego de Vonnegut com dentes tortos e cabelos brancos emaranhados, que por acaso já havia aparecido em outros livros (como no próprio “Matadouro 5”), está inserido numa sátira sobre guerra, sexo, racismo, sucesso e política nos Estados Unidos, enquanto o autor mergulha nessa pseudo-cultura norte-americana para exorcizar seus demônios ou ser enfim vencido por eles.
Kilgore Trout, o narrador da história, é um escritor de ficção científica underground, cuja obra quase toda foi publicada em revistas pornográficas e ilustrada com imagens sem sentido.
Com uma carreira fracassada, ele é um personagem paradoxal pela determinação com que vive uma vive que, segundo ele mesmo, não vale a pena ser vivida.
Essa biografia de um escritor que quase ninguém conhece, desperta curiosidade em Kilgore quando recebe um convite para ser homenageado por sua obra no primeiro Festival de Artes da cidade de Midland.
Justamente onde mora Dwayne Hoover, um vendedor de carros americano aparentemente normal, mas que está perdendo o juízo e levará a ficção Kilgore Trout ao pé da letra.
“A loucura incipiente era sobretudo uma questão química”, nos informa Vonnegut com o intuito de justificar o comportamento que Dwayne Hoover tomaria no decorrer do livro: “O corpo de Dwayne Hoover produzia certos elementos químicos que desequilibravam sua mente”.
O golpe final no fulcro da mente de Dwayne se dará no momento “místico” em que conhecerá Kilgore Trout e será apresentado a uma história de ficção científica onde todos no universo são robôs e o único com livre arbítrio seria ele.
Ao contrário de Trout, Dwayne é um homem bem sucedido e desde o início sabemos que o clímax do livro se dará quando os dois se encontrarem e a catástrofe anunciada se dará.
Porém, Vonnegut valoriza cada etapa do caminho que levará o escritor à cidade de Midland, movimentando a loucura de Dwayne durante esse processo, levando a metalinguagem aos seus limites.
Tanto que confundimos em certos momentos se o narrador é o autor ou seu alter ego. Até mesmo a epifania de Vonnegut é central para a história que é contada e o desfecho abusa do deus ex machina, como as antigas dramatizações gregas faziam.
Acho “Café da Manhã dos Campeões” um livro imprescindível para entender a forma como Vonnegut influenciou a cultura moderna norte-americana, desde escritores como Tomas Pynchon e Chuck Palahniuk, passando por quadrinistas como Charles Burns e Chester Brown, até programas de televisão como “Os Simpsons”.
Um clássico!
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