Às Minhas Escritoras, Com Carinho!

 

Por Laira Arvelos

Neste texto foi me dada a oportunidade maravilhosa de falar sobre as minhas super-heroínas das letras, as escritoras e seus livros que fizeram parte da minha vida.

Mas como diria o tio Ben “Com grandes poderes vem grandes responsabilidades”, junto a essa tarefa veio também o medo de não conseguir falar de todas elas, e honra-las da maneira devida.

Por isso não me atrevo a falar sobre suas vastas obras, mas de pontos especiais que se entrelaçaram ao meu universo de vida e leitura.

Escritoras - Dia Internacional da Mulher

No início deparei me com a realidade que já tinha percebido nestes últimos anos e que tenho procurado estar mais consciente que foi o de perceber minha humilde estante abarrotada de autores homens.

E veio o questionamento que ainda persiste, aonde estão estas mulheres?

E disso veio então o meu compromisso, de já que EXISTEM muitas destas mulheres que escrevem, devo lê- las, e divulgar sempre seu trabalho, pois sei a grande dificuldade que elas tem na vida e no mercado para se fazerem ouvidas ou lidas.

A todas escritoras que li, que ainda não li, a todas as mulheres que escrevem, meu agradecimento e admiração.

Olho para o passado, para o presente e para o futuro sempre com a intenção de não esquecer a luta e a perspectiva histórica pois muitas mulheres que estiveram aqui me permitiram o acesso à leitura e o de poder escrever essas linhas e manifestar a minha voz

 “Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.”

A minha memória mais doce da infância vem de uma querida poeta, (como ela mesmo defendia que gostaria de ser chamada), contista, cronista, professora, jornalista e pintora Cecília Benevides de Carvalho Meireles, ou só, Cecília Meireles é uma voz de grande expressão na literatura com mais de 50 obras publicadas, que inclusive recebeu aos nove anos uma medalha por ter feito o curso com louvor das mãos de Olavo Bilac  e conta se também que teve um encontro frustrado com Fernando Pessoa (azar o dele).

Cecília que não pertence a uma escola literária definida, é reflexiva, intuitiva, mística, espiritualista, simbolista e histórica, entra na minha vida com seus poemas infantis, em Ou isto ou aquilo ela que defendia a escola pública, fez com este livro lido e relido e lido e relido quando pequenina um portal de Magia, as rimas das tintas, dos mosquito, do Chico Bolacha e da flor amarela, ainda estão marcados num cantinho aqui do meu coração e suas cores nunca desaparecerão, porque este livro é a minha primeira viagem no mundo das letras.

“O meu amigo me disse

que quanto mais a gente prestava

 atenção numa cor,

mais coisa saía de dentro dela.”

Por falar em cores, um pouco depois da infância a cor amarela novamente veio a minha vida literária através da Bolsa Amarela de Lygia Bojunga, este livro que foi seu terceiro, teve tradução para diversos idiomas, amplamente premiado como a primeira autora fora do eixo Estados Unidos – Europa a receber o Prêmio Hans Christian Anderson, o mais importante prêmio literário da literatura infanto-juvenil.

Nele, com Raquel, ouve identificação instantânea, deslocada da família, inquieta com seu crescimento – porque isso é coisa de menina?

Porque menina não pode se expressar?

Dentro da sua bolsa ela guardava suas três vontades, das quais eu tinha duas: a de não crescer, a de ser um menino e a de virar escritora.

Além das vontades, Raquel também esconde na bolsa os seus amigos secretos: o galo Afonso, um guarda-chuva e um alfinete de fralda, um livro curto que me marcou com seus questionamentos e aventura.

Como não consigo imaginar cenários e personagens na minha cabeça, nunca fui muito fã de literatura de fantasia, essas criações que se pareciam mais com o “real” me era fácil de cativar.

“… a dor deixa de ser triste quando

 nos aproximamos dela para suavizá-la”

E por falar em criatividade e imaginação, Lúcia Machado de Almeida, Integrante de uma família de talentosos nomes, como Aníbal Machado e Maria Clara Machado (por sinal outra grande escritora), nasceu em 1910, na região metropolitana de Belo Horizonte, foi jornalista, filosofa, professora e tradutora e é considerada umas das autoras mais lidas pelo público infanto juvenil nos anos 80.

Passou a infância no interior de Minas, e acho que muito disso influencia na sua literatura, exímia contadora de histórias com um texto natural onde me identifiquei muito, quando fala dessa solidão, pássaros, borboletas e casulos sempre presentes no interior.

Como não se apaixonar e viajar com as obras da belíssima Coleção Vaga lume como O caso da Borboleta Atira, O Escaravelho do Diabo, Xisto e Shapion?

“As coisas que a gente não conhece

são sempre melhores do

que as que a gente conhece.

 É como a grama do vizinho,

que é sempre mais verde que a nossa…”

Pausei para um café e na volta um livro lindo que vi na estante não poderia ficar fora dessa lista: Pollyana de Eleanor Hodgman Porter, que pra felicidade de muitas pessoas abandonou o canto pela literatura e trouxe vida a esta história que encantou gerações, minha mãe mesmo, teve brilho nos olhos quando viu que eu tinha ganhado um exemplar.

A órfã, que agora me peguei pensando tem muitas semelhanças com Anne com e com seu “ jogo do contente” me fascinava ao ver o bem nas pequenas coisas, sempre otimista com seu olhar cativante e inocente.

“Recordação valem mais do que vestidos”

.

“VALIUM.

ESTRELAS.

SEXTA-FEIRA.

ÁLCOOL.

SERINGAS.”

Já ia me esquecendo e uma música que rolava no aleatório me fez lembrar de dois importantes livros de histórias reais que não mostravam bem um lado belo da vida.

Que serviram para me mostrar uma parte podre da história, uma realidade tão suja e cruel que muitas meninas viveram, a violência, a coragem e os relatos de Anne Frank e Christiane F.

“A gordura criou um corpo novo, um corpo

 que me envergonhava, mas que fazia com que eu me sentisse segura e,

 mais do que qualquer coisa, eu precisava me sentir segura.

Eu precisava me sentir como uma fortaleza, impenetrável.

Eu não queria que nada ou ninguém me tocasse.”

.

“Poderia ser mais fácil. Mas não seria melhor.”

Já na fase adulta duas outras mulheres escancararam suas vidas nas linhas, Roxane Gay com o livro Fome e Jenny Lawson com Alucinadamente feliz em momentos oportunos de crise vi minhas feridas misturadas a delas e esta força diante de fardos tão pesados da vida com leveza e sarcasmo, em busca de sanidade e um lugar seu no mundo fez com estes livros ficassem marcados em mim.

“O óbvio é a verdade mais difícil de enxergar.”

Ah! Meu caro leitor, nem mesmo todos os memes de internet e todas as falsas atribuições dadas a autoria desta genia das palavras, é capaz de não me fazer gritar em plenos pulmões o meu fascínio por Clarice Linspector.

Quase uma torcedora fanática Linspectoriana acredito que esta mulher é um dos maiores nomes da literatura Brasileira, vide a vasta carga de prêmios recebidos, e devia ser apreciada da forma como merece, literatura altamente poética, inovadora e existencialista.

Ela que aprendeu a ler e a escrever muito cedo, é considerada uma “pessoa difícil”, (sou capaz de defender até isso) escreve de forma não linear e me arrebata, Perto do Coração Selvagem, A Hora da Estrela, Laços de Família, Felicidade de Clandestina, entre todos os outros.

Clarice com sua linguagem da alma fala sobre o social, psicológico e filosófico de uma maneira que só ela consegue.

“Se te pareço noturna e imperfeita/ Olha-me de novo”,

E se Clarice me encanta o que dizer de Hilda Hilst, autora de livros de prosa, teatro e crônicas me deixa de queixo caído e me dá uma força e poder descomunal quando leio suas poesias transgressoras, eróticas e escancaradas.

“Sou talvez a visão de alguém que sonhou

Alguém que veio ao mundo para me ver

E que nunca na minha vida me encontrou”

Ao contrário, Florbela Espanca que teve um final trágico pois morreu prematuramente ao se suicidar usando barbitúricos fala ao meu coração até hoje quando em suas poesias leio sobre o amor.

“Uso o ingrediente mais fácil e mais acessível para a cura: as histórias. ”

Clarice Pinkolas Estés é uma grata surpresa dos últimos meses. Em Mulheres que correm com os lobos e A ciranda das mulheres sábias meus olhos foram abertos para muitas das representações do arquétipo mulher e a nossa busca diária por identidade, são livros que vejo que devem ser lidos e relidos em épocas diferentes da vida, sem uma busca por respostas e significados imediatos, para que em cada nova leitura seja descoberto e ampliado um mundo novo de possibilidade, liberdade ancestralidade e sabedoria,

“A tontura da fome é pior do que a do álcool.

A tontura do álcool nos impele a cantar.

Mas a da fome nos faz tremer.

Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago. ”

E se eu não falasse de Maria Carolina de Jesus, e se eu não tivesse tido a oportunidade de ser arrebatada pela obra dessa brasileira, de que valia esse texto?

A realidade dura da favela aberta no livro-diário Quarto do despejo é um soco no estômago tão grande ao retratar a fome e as desigualdades desse nosso país.

Mas, para além do sofrimento toda a superação, capacidade de expressão e potência dessa mulher, negra, mãe, moradora de favela, mas que via e defendia a importância dos livros na vida de uma pessoa é indescritível.

“Existe alguma coisa mais assustadora do que pessoas? ”

“Dentro do Hospital, apesar de ninguém ter apertado o gatilho,

todos carregam mortes nas costas. ”

Duas outras leituras que marcaram muito minha vida, pela capacidade transgressora e de denúncia foram as de A guerra não tem rosto de mulher, que deu o prêmio Nobel a Svletana, e Holocausto Brasileiro que foi escolhido como finalista do Prêmio Jabuti em sua 56ª edição, em 2014, e depois, em outubro do mesmo ano classificado em segundo lugar da Câmara Brasileira do Livro, na categoria reportagem de Daniela Arbex.

Eu que me vejo muito covarde em muitas situações e posicionamentos, vejo essas mulheres denunciando sistemas tão vis, e colocando histórias esquecidas pra que alcançasse pessoas como eu. É incrível o trabalho árduo de cada uma, a guerra e a guerra (Antimanicomial), escancaradas contra um sistema, escritoras que me dão coragem em suas palavras.

“Tudo passa, você vai ver, tudo passa. Ela tinha razão. A vida dá um jeito de manter a gente vivo mesmo quando a gente morre de dor.”

.

“… uma flor brota no peito e sai pelo leite da mãe, é assim que os bebês crescem se alimentando dessa flor invisível algumas pessoas chamam ela de amor…”

Recentemente eu tive duas surpresas quando de maneira natural dois livros de autoras brasileiras ‘iniciantes’ caíram em meu colo.

Um, foi Tudo é rio de Carla Madeira e, o outro, foi O peso do pássaro morto de Aline Bei.

Carla é jornalista, publicitária, diretora de criação e sócia da agência de comunicação Lápis Raro, e deixou seu livro guardado por quatorze anos após escrever uma cena forte, (o que é totalmente compreensível), porque eu fiquei literalmente com o estômago doendo a tarde toda depois de Lê-la,  escreve de forma tão fluida, forte e poética, que não consigo encontrar defeitos em sua obra. Daqueles livros que você tem vontade de esquecer a história só para poder absorver a experiência de novo.

De mesma forma intensa, Aline Bei que nasceu em São Paulo, em 1987, e é formada em Letras e em Artes me tirou o chão com “O peso do pássaro morto”, porque me identifiquei em tantos campos e sofri com tanta poesia, crueza e realidade.

“Se eu pudesse te dar um conselho hoje…

Chora”

Como os Slans tem sido parte da minha vida recentemente não poderia deixar de falar do livro que recebi numa premiação. Mania, da Mariana Félix, que é escritora, slammer, militante e apresentadora.

Mariana consegue escrever poesia sobre diversas óticas, e com diversos ritmos, mas tem uma força transbordante que fala do feminino e que desperta na gente o nosso melhor.

Enfim, quantas memórias e significados e ressignificados essas mulheres trouxeram na minha vida.

Quanto do que vivo e escrevo tem delas em mim, seja da poesia, da inocência, dos traumas, do sarcasmo e do deboche (rsrs).

Mulheres que transgridem e que não aceitaram ou aceitam que não podiam escrever, e escrever bem.

Espero poder lê las e relê las e ampliar sempre meu campo de leituras.

Leituras de Escritoras.

Aliás estou lendo Maryse Condé e Conceição Evaristo, mas isso fica pra outra conversa, pois como o termo que ela própria usa, há muitas “escrevivências” ainda para serem lidas.

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