O Hellish War já é um nome tradicional dentro do heavy metal nacional que recentemente comemorou a marca de vinte e cinco anos de história.
A imagética e a sonoridade da banda oriunda de Campinas/SP é construída sobre a tradição do puro heavy metal europeu, forjado por fogo e aço, com maturidade, empolgação, empenho e energia.
Todo esse legado dentro do metal nacional foi construído não só da força emanada do palco, mas também por álbuns icônicos como “Defender of Metal” (2001), “Heroes Of Tomorrow” (2008), “Keep It Hellish” (2013) e “Wine Of Gods” (2019), além do ao vivo “Live In Germany” (2010)
Sobre essa história longeva e relevante dentro do heavy metal, conversamos por e-mail com o baixista JR, que nos guia por uma viagem pela biografia da banda e revela alguns detalhes de bastidores do Hellish War.
Antes de tudo, agradeço pela atenção e pelo tempo cedido a esta entrevista. Para começar, poderia dividir conosco como está sendo esse período da banda frente à pandemia que ainda vivemos?
JR – Tem sido um período difícil para todos. Felizmente estamos todos bem, nos cuidando e nos preparando para o retorno aos shows, quando possível. Temos feitos vídeos para nosso canal, estamos aproveitando para criar novas músicas também. Estamos nos adaptando a situação e tentando tirar o melhor disto.
Em 2020, o Hellish War atingiu uma marca importante na carreira. São vinte e cinco anos praticando o heavy metal à moda tradicional no Brasil. Qual sua opinião sobre a cena atual do metal nacional? Qual o papel do Hellish War nesse contexto?
JR – A cena atual é virtual, o que tem possibilitado o acesso a apresentações de diversas bandas. Vários festivais online ocorreram e estão ocorrendo. Este tem sido um momento de união. Estou muito contente com o rumo que as coisas tomaram.
O que ainda me incomoda é o fato de que mesmo no virtual, o cover ainda tem maior procura, maior visibilidade. Por exemplo, casas de shows estão fazendo suas lives como banda cover.
Enfim, de qualquer forma o formato de live veio como uma alternativa para o cenário e está colocando diversas novas bandas no mapa.
Quanto ao Hellish, estamos em cidades diferentes, impossibilitando de fazermos uma live com todos juntos, então estamos apostando nos collabs. Cada um grava da sua casa, entende.
Em dezembro começamos a lançar uma série de depoimentos sobre nossos melhores momentos nesses 25 anos, está em nosso canal no Youtube. Queremos ter uma maior proximidade com o fã que busca este tipo de interação.
Estendendo a pergunta anterior, qual é a chave para se valer de todo o tradicionalismo do heavy metal intacto na sonoridade ao longo de todos esses anos sem soar datado?
JR – Isso é natural para nós. Não tem um segredo. O que fazemos é escolher entre os riffs mais pesados e melódicos, os que mais representam o que é a banda. Nós temos uma identidade, temos nossas características. Se fazemos uma música que foge do que é o Hellish ela não entra no disco, ponto final.
Indo um pouco mais além, como atingir o público num cenário cada vez mais viciado dentro do ciclo “circulação-legitimação-consumo”, onde a exposição de massa, mesmo nas mídias digitais outrora mais democráticas, está cada vez mais atrelada aos investimentos financeiros e não à qualidade musical?
JR – O investimento sempre existiu e sempre vai existir. Antigamente este investimento vinha das gravadoras, que quando se tornaram obsoletas passaram a bola direto pras bandas. Eu ainda acredito na qualidade, e nessa qualidade nós sempre buscamos parcerias.
Nosso último disco foi gravado através de um investimento financeiro do PROAC Editais, o relançamento do Heroes também veio do aporte de um investidor e fã do metal nacional.
Enfim, o investimento é essencial para você aparecer, o que uma banda precisa é saber o que realmente vale a pena ou não.
Gostaria de passear pela história e pelos discos da banda. O que se lembram do período antes de lançarem o primeiro disco, “Defender of Metal”?
JR – Esta é uma pergunta que precisaria ser respondida pelo Vulcano. Mas pelos relatos dele era uma época mais metal (risos). As coisas eram diferentes mesmo, as bandas autorais tinham muito mais espaço.
A estrutura era improvisada em muitas das vezes, como por exemplo uma máquina de fumaça feita com um ferro de passar roupas (risos).
E as pessoas realmente iam aos shows de bandas underground com maior frequência, era o ponto de encontro da galera. Enfim, tinha uma aura que o tempo apagou, era da época mesmo.
Fora a tecnologia e as várias possibilidades de divulgar a trabalho da banda, quais as principais diferenças que a cena atual tem com aquela da segunda metade dos anos 1990?
JR – Como disse na resposta anterior, a maior diferença é a frequência do público. Tinha pessoas que sempre estavam lá, todos os shows, de diversas bandas. Você não tinha acesso a internet. Então era preciso sair para conhecer e ponto final.
A estrutura dos shows também era diferente, tinha bastante gambiarra. E uma das coisas que mais sinto falta de certa forma é gravar de forma analógica.
Mas por outro lado, dava muito trabalho para conseguir o timbre ideal, o que com a tecnologia de hoje você faz no conforto de sua casa em um software.
“Defender of Metal” completa vinte anos agora em 2021. Olhando hoje, como você avalia a passagem deste disco pelo teste do tempo?
JR – Ele sobreviveu ao teste do tempo. As faixas “Defender Of Metal” e “We’re living”, nunca saíram de nosso repertório. É um disco muito bem aceito hoje em dia.
Eu particularmente gosto da sonoridade dele, para mim a dinâmica dele soa quadrado demais mas essa é a característica principal dele.
A falta de técnica do Jayr (baterista na época) na gravação dele rendeu essa dinâmica, que para mim é única e não será refeito nunca.
A propósito, existe algo planejado para comemorar essa marca? Pergunto isso, pois acho que esse disco merecia um relançamento de luxo, talvez até com a demo “The Sign” como bônus. Seria algo possível?
JR – Infelizmente isto não irá ocorrer, ao menos não em um futuro próximo. Já fizemos dois relançamentos dele no passado. Mas a ideia da demo como bônus está anotado.
Foram sete anos entre “Defender of Metal” e “Heroes of Tomorrow”. Os longos períodos entre os discos do Hellish War parecem ser norma. Isso é pensando e executado para deixar o disco ressoar e ganhar terreno com calma, ou é apenas consequência de como as circunstâncias se apresentam?
JR – Não é pensado, simplesmente acontece. Na época do Defender para o Heroes estávamos presos em um contrato. Nós gravamos o Heroes três vezes e eles nunca lançaram. Então tivemos que esperar vencer o contrato para podermos lançar o disco de forma independente.
Com relação ao Keep It, teve a troca de vocalista. E o Wine Of Gods esbarrou na nossa vida atual, na correria que cada um tem hoje em dia com sua vida profissional.
Não vivemos da banda, então arranjar tempo é algo que não está fácil. Mas o disco mesmo fizemos bem rápido, em questão de quatros meses ele estava composto e gravado. Acredito que o próximo disco virá logo, não irá levar mais cinco anos para sair.
Em setembro de 2009 o Hellish War tocou no Razorblade Festival, que inclusive gerou o disco ao vivo “Live in Germany”, lançado via Hellion Records no ano seguinte. Quais a lembranças daqueles shows na Europa?
JR – As lembranças são as melhores possíveis. Essa tour foi muito bem planejada, então não tivemos problemas ou perrengues. Tocamos para um público avido por metal, foi muito interessante sentir este choque cultural. Ver o profissionalismo do europeu, a forma como as coisas funcionam como um relógio, foi demais. Aprendemos muito nessa tour. Os shows foram incríveis, diversos after-parties também (risos). Muitas histórias para contarmos um dia, quem sabe.
Na sequência, vocês apresentaram o disco “Keep It Hellish”, já em 2013. Concorda que esse disco talvez seja o melhor que vocês já lançaram, considerando a maturidade e o equilíbrio de composição e produção?
JR – Sim, até esta altura ele foi nosso melhor disco, ao menos pra mim. Ele é um misto do que foi o Defender musicalmente e do que foi o Heroes em termos de produção e arranjos. A entrada do Bil contribui e muito na parte vocal, não desmereço o trabalho do Roger, nunca. Mas o Bil veio com outra energia e conhecimento vocal, isto foi essencial. Ele compôs apenas a linha vocal da Phantom Ship, mas a execução dela nas demais foi fundamental para esse resultado.
E chegamos a “Wine of Gods”, lançado em 2019. Na minha resenha registrei que esse disco se valia do espectro musical que ia do hard rock até o thrash metal. Esse balanço, tendo o metal tradicional como fulcro é natural ou vocês controlam o processo de composição para dar dinâmica no disco como um todo?
JR – É extremamente natural. As ideias já vêm desta forma. O único controle que temos é se este material faz jus ao Hellish, apenas isto. Tanto que você vê um Hellish mais hard rock e também mais thrash, porem com a veia tradicional pulsando em todas as canções.
E o que liga tudo isto é realmente acharmos que apesar de estas canções terem nuances diferentes, todas elas têm características da identidade Hellish War. Este é nosso drive, não importa se ela será mais hard, mais thrash, mais balada, etc.
Esse disco teve a participação de Chris Boltendahl, do Grave Digger. Como se deu o contato com ele e como foi a escolha da música em que ele participa?
JR – Devido a distância o contato foi via e-mail apenas. Tínhamos alguns outros vocalistas em mente e chegamos a mandar o material para eles, informando do nosso interesse em ter um deles trabalhando conosco neste disco. Para cada um que entramos em contato, enviamos a canção que achávamos que melhor se encaixaria na voz dele.
“Warbringer” tem uma veia Grave Digger, foi muito fácil. Enfim, enviamos, ele curtiu e gravou. Foi sensacional ter ele em nosso disco. Ele foi muito simpático e atencioso, quando o disco saiu nos mandou mensagem nos felicitando.
Uma das músicas que encaminhamos foi a “Falcon”, mas esse vocalista não pode participar por problemas de agenda. Tentem adivinhar quem foi. Uma dica, é banda inglesa e foi formada em 1977.
Já estamos caminhando para o fim, mas queria fazer algumas perguntas mais gerais. Vivemos uma das épocas onde mais se consome música e menos se vendem discos. Vocês acham que a música, mesmo num estilo historicamente mais apegado ao formato físico como o Heavy Metal, atingiu um maior caráter abstrato dentro da era digital? Ou seja, o formato físico para este tipo de arte já não se faz mais necessária?
JR – Acredito que ainda se faz necessário, mas mais para quem é colecionador. O digital está aí, derrubou as vendas e as bandas estão apostando em outras formas de ganhar dinheiro. O futuro será cada vez mais digital e muitos discos passarão a serem lançados apenas neste formato.
O vinil teve um revival oportunista e a galera não comprou totalmente esta ideia, visto os preços. E cada vez mais está mais caro confeccionar um CD, pois você tem que fazer menos cópias. Enfim, é hora de começarmos a dizer adeus a mídia física como formato popular.
Para finalizar, toda banda com uma história longeva como a do Hellish War possui um disco clássico. Olhando em retrospecto, qual seria o disco clássico de vocês?
JR – Difícil, mas tenho que escolher o “Keep It Hellish”.
Novamente, muito obrigado pela entrevista, e fique à vontade para fazer suas considerações finais.
JR – Agradeço pelo espaço cedido. Acompanhem nosso trabalho, se inscrevam em nossas redes sociais. Estamos disponibilizando diversos vídeos no Youtube e temos materiais interessantes para venda também, além dos nossos discos. Se cuidem, e continuem a curtir o bom e velho Rock’n Roll (obs: é dele que vem tudo o mais que você escuta, Heavy, Hard, Thrash, etc).
Keep It Metal!!
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