“Fronteiras do Além” | Resgatando a Obra do Mestre Jayme Cortez

 

Indiscutivelmente, Jayme Cortez tem um lugar de destaque entre os mais importantes e representativos ilustradores do Brasil. Outra verdade indiscutível é que durante muito tempo seu nome ficou esquecido quando pensávamos nos grandes quadrinistas de nosso país, apesar de seu trabalho brilhante neste segmento, tanto em técnicas quanto abordagens.

Uma injustiça que tende a ser encerrada com o lançamento de “Fronteiras do Além”, pela editora paulista Pipoca e Nanquim, uma luxuosa e completa compilação dos trabalho de Jayme Cortez nos quadrinhos de terror, mas não somente.

Mestre com domínio plural de ferramentas artísticas (lápis, aquarela, e diferentes tipos de tinta), Jayme construiu um estilo diversificado em referências e influências (Alex Raymond, Gustave Doré e Edgar Alan Poe eram algumas delas), diversas vezes sobrepondo-as como oximoros.

Seu método de trabalho envolvia o uso de fotos com modelos vivos, que depois serviam de parâmetro para o trabalho à lápis. Esse foi um artifício que ele aprendeu ainda em Portugal, país onde nasceu, em 1926, e viveu até 1947, quando veio para o Brasil.

Foi em Portugal que Jayme trabalhou os rudimentos de seu talento, chegando ao Brasil como um artista já em avançado processo de maturação, o que fez dele uma das figuras centrais da cena nacional de quadrinhos que surgiu na década seguinte.

Trabalhou como ilustrador em diversas publicações, se envolveu com sucesso na publicidade e emprestou seu talento para o cinema nacional, em cartazes de filmes estrelados por artistas como Mazzaropi e Zé do Caixão.

Jayme inclusive participou como ator de alguns filmes do icônico Zé do Caixão.

Não é de estranhar que Jayme se tornara envolvido no trabalho do maior símbolo do cinema de terror no Brasil, afinal ele era um admirador do gênero e foi exatamente neste nicho onde construiu seu legado na nona arte, em revistas como “O Terror Negro”, “Spektro”, “Caláfrio” “Mestres do Terror”.

Todo esse trabalho desenvolvido nos quadrinhos de terror está aqui, encapsulado neste encadernado de luxo, intitulado “Fronteiras do Além”. 

Ou seja, temos um resgate histórico importantíssimo, principalmente pela arte de Cortez, mas também pela riqueza de informações que carrega.

Além de trazer um apanhado generoso de sua obra, o volume em capa dura e com um capricho ímpar no acabamento, ainda nos presenteia com extras fartos em conteúdo.

À começar pelo prefácio autobiográfico de Maurício de Sousa, onde ele nos conta como Jayme Cortez foi determinante para o rumo que sua carreira tomou, até os textos finais escritos por aqueles que estiveram próximos a ele, inclusive um emocionante relato de seu filho.

Há ainda uma biografia muito bem escrita e ilustrada, contextualizando às novas gerações da importância e do pioneirismo do artista para a cultura nacional.

Em todo esse conteúdo é registrada a forma com que Jayme Cortez se tornou um aglutinador de artistas talentosos, reunindo ao seu entorno vários nomes importantes da sua e das gerações seguintes.

Creio ainda que não só artistas, mas principalmente eles, irão se deliciar com os artigos que esmiúçam as técnicas de Jayme, um destes escrito por ele próprio usando como base sua história em quadrinhos mais famosa: “O Retrato do Mal”.

Falando em história em quadrinhos, é claro que o prato principal a ser degustado neste livro são elas.

São em histórias como “O Retrato do Mal” (sua obra-prima, aqui impressa em suas duas versões) e “A Noite do Invasor” (uma desconcertantemente atual crítica social publicada há quarenta anos) onde podemos perceber como a mistura de estilos e influências reforçam a tensão e ampliam os climas fantásticos de sua narrativa gráfica.

Num olhar geral, impressiona a capacidade narrativa de Jayme, seja ela gráfica ou escrita. Seu poder de síntese dramática é sim equivalente a dos grandes mestres.

Seu traço possuía identidade, mas de uma forma que não o tornava refém de si mesmo, o que consequentemente dava mais poder à sua versatilidade, indo do desenho carregado ao iluminado com naturalidade e fluidez.

O manejo que ele tinha do contraste trazia um rigor quase acadêmico ao seu trabalho. Mesmo nos traços mais carregados existia um esmero, uma atenção à estética, que se destacava frente aos trabalhos de artistas internacionais que publicavam em revistas como a “Creepy” (publicada no Brasil como “Kripta”).

Os roteiros de suas histórias até lembram os daquelas publicações, e alguns são até ingênuos, mas devemos contextualizar a época e a finalidade deles.

Além do mais, quando observamos que vários destes roteiros são desenvolvidos para serem ilustrados em uma página, alguns em pouco mais de três quadros, eles tomam uma dimensão maior e aquela nossa observação quanto ao seu poder de síntese se torna uma tese comprovada.

Jayme Cortez está representado em toda a sua versatilidade em “Fronteiras do Além”. Os temas abordados por ele refletem isso. Eles vão do terror clássico à reflexão humanista da ficção científica, passando pela ilustração de letras de música (isso faz dele um precursor de algo muito comum em revistas de música até os anos 2000: o graphic clip).

Nesse âmbito, a arte que ilustra o clássico do cancioneiro popular “Asa Branca” é de cair o queixo de tão bela.

A carreira de Jayme ainda o levou a administrar setores de rádio e TV, e a trabalhar como diretor da Mauricio de Sousa Produções (MSP), além de produzir materiais teóricos como os livros “A Técnica do Desenho, Mestres da Ilustração” “Manual Prático do Ilustrador”.

Não há outro adjetivo para “Fronteiras do Além” além de obrigatório!

Enfim, se fez justiça a Jayme Cortez. E em grande estilo!

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3 comentários em ““Fronteiras do Além” | Resgatando a Obra do Mestre Jayme Cortez”

  1. Marcelo Lopes Vieira

    Fábio, só tenho a te agradecer pelo trabalho e te parabenizar!
    Essa publicação é histórica!
    Marcelo.

  2. Muito obrigado por ajudar a divulgar a obra do Cortez. Levei 5 anos entre pesquisas e produção do Fronteiras do Além, mas valeu a pena!
    Grande abraço cortez
    Fabio Moraes

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