Gustave Doré | O artista que ilustrou o imaginário da Cultura Ocidental

 

Gustave Doré foi um gravador, pintor, escultor e ilustrador de livros francês do século XIX. Ele é mundialmente famoso por suas representações imaginativas e icônicas de muitos clássicos da literatura mundial, criando a imagética da cultura ocidental.

Gustave Dore - O Prodígio que Ilustrou a Cultura Ocidental

Gustave Doré foi abençoado com um tremendo talento gráfico que lhe permitiu desenhar até os cenários e criaturas mais fantásticos de uma forma realista e crível. O imaginário popular ocidental foi criado a partir das histórias passadas de geração após geração. Muitas destas ficaram eternizadas nas páginas dos livros e algumas se tornaram clássicos da literatura que alicerçaram a cultura popular.

Numa época onde a internet seria considerada bruxaria e a fotografia ainda engatinhava, as ilustrações de algumas destas obras literárias eram responsáveis por dar formas e rostos a certos elementos culturais universais que perduram até os dias de hoje.

Pelos idos do século XIX, surgiu o nome que iria construir as imagens que seriam assimiladas pelo pensamento cultural dos próximos dois séculos. Gustave Doré era um prodigioso ilustrador, profissional já aos quinze anos de idade.

Polivalente, Gustave Doré enveredava nas mais diversas formas das artes plásticas, indo do desenho às esculturas com total desenvoltura, se valendo deste arcabouço para extravasar sua criatividade genuína em belíssimas obras, recheadas de ingredientes barrocos e enigmáticos, desfilando muito virtuosismo.

Seu nascimento se deu na primeira semana de janeiro, de 1832, mês que viu ainda o nascimento do escritor/matemático Lewis Carroll e do pintor francês Édouard Manet. Natural de Estrasburgo, na França,  Gustave Doré se dedicou ao violino ainda infante e antes de completar a primeira década de vida fez sua primeira ilustração d’A Divina Comédia, de Dante.

Aos quinze anos, após um acordo com seu pai, foi empregado no Journal Pour Rire onde,  uma ano antes, havia publicado seu primeiro trabalho, Travaux d’Hercule. Emprega-se por três anos, produzindo uma variedade de cartoons até que se muda para Paris, em 1949, após a morte de seu pai no ano anterior. No início da década seguinte publica várias de suas litografias (técnica de gravura que envolve a criação de marcas sobre uma matriz com um lápis gorduroso) que oscilam entre o sucesso e a não aceitação.

Seus trabalhos mais aclamados estão em ilustrações de alguns textos clássicos como a Bíblia e obras de Dante, Cervantes, Alan Poe e John Milton, que deram vida ao pensamento universal, fornecendo-lhe um lugar de destaque na cultura popular.

Por volta de 1864 já conhecia pessoalmente de Napoleão III e era amigo pessoal de diversos nomes da cultura francesa da época, como Alexandre Dumas, Teophile Gautier, Rossini e Liszt. Sua fama na Inglaterra era ainda maior e no ano de 1868, Gustave Doré se dirige para Londres, onde institui sua Doré Gallery. Neste período apresenta uma grande versatilidade no mais diversos campos das artes plásticas, produzindo esculturas e viajando para a Escócia e Versalhes. Gustave Doré faleceu em 23 de janeiro de 1883, quase dois anos após a morte de sua mãe.

As ilustrações de Gustave Doré (1832-1883) foram muito populares durante o período vitoriano. Mas alguns criticaram sua “confusão sobre a relação entre moralidade e gosto artístico” (WH Herendeen, Victorian Studies, Vol. 25, No. 3, Primavera de 1982). Herendeen continuou, afirmando que “Para Doré, todas as convenções da arte popular vitoriana – fantasia, romance, sátira, o medieval e o gótico, o literário e o grotesco – estão absortas no imediatismo do mal, na inescapabilidade do físico e no desligamento do humor mórbido.”

Gustave Doré e o Inferno de Dante

O primeiro grande sucesso do artista prodígio veio após ele ilustrar a obra de Dante, mais precisamente a primeira parte de “A Divina Comédia”, em 1861, um longo poema narrativo escrito em italiano por volta de 1308–21 por Dante Alighieri. Geralmente é considerado uma das grandes obras de literatura do mundo. Dividido em três seções principais – Inferno, Purgatório e Paraíso – a narrativa traça a jornada de Dante das trevas e do erro até a revelação da luz divina, culminando na visão beatífica de Deus.

O trabalho de Gustave Doré nesta obra, em especial, formatou a imagem do inferno para as gerações subsequentes. É interessante dizer que as ilustrações para as outras duas parte da obra, Purgatório e Paraíso, só vieram a ser concebidas anos mais tarde, após sua ida para a Inglaterra.

O barqueiro Caronte. Gustave Doré
O barqueiro Caronte.

Em “A Divina Comédia”, Dante é guiado pelo poeta romano Virgílio, que representa o epítome do conhecimento humano, desde a floresta escura até os círculos descendentes do poço do Inferno (Inferno). Passando por Lúcifer no fundo do poço, no centro morto do mundo, Dante e Virgílio emergem na praia da ilha montanha do Purgatório.

As ilustrações de Gustave Doré deram uma nova dimensão para a obra, inclusive estabelecendo padrões visuais para personagens da mitologia judaico-cristã que sai da literatura para a religião ocidental.

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Dante e Virgílio são atacados pelos demônios entre os fossos cinco e seis, no oitavo círculo do Inferno.
Dante já no nono círculo e os traidores no gelo
Dante já no nono círculo e os traidores no gelo
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A imagem de Satanás, ainda no nono círculo do Inferno.

No cume do Purgatório, onde os pecadores arrependidos são expurgados de seus pecados, Virgílio parte, levando Dante até onde o conhecimento humano é capaz, até o limiar do Paraíso. Lá Dante é recebido por Beatriz, corporificando o conhecimento dos mistérios divinos concedidos pela Graça, que o conduz pelos sucessivos níveis ascendentes do céu até o Empíreo, onde lhe é permitido vislumbrar, por um momento, a glória de Deus.

Gustave Doré Purgatorio
Ilustração da segunda parte de A Divina Comédia, Purgatório.
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O Paraíso de Dante, por Doré.

Planejadas por Doré já em 1855, as ilustrações de Dante foram as primeiras de uma série que ele chamou de “chefs-d’oeuvre de la littérature”. Além de Dante, a lista de grandes obras ilustradas de Doré incluía Homero, Ossian, Byron, Goethe, Racine e Corneille. Achando difícil conseguir uma editora disposta a arcar com as despesas de produção da cara edição em fólio que o artista imaginava, o próprio Doré financiou a publicação do primeiro livro da série, “Inferno”, em 1861. A produção foi um sucesso artístico e comercial imediato. Impulsionada pela popularidade da edição de Doré do “Inferno”, Hachette publicou “Purgatorio” e “Paradiso” em 1868 como um único volume.

A Bíblia Sagrada

Sem dúvidas a Bíblia Sagrada é um dos mais importantes livros da história da humanidade. Na verdade, ele é uma coleção de livros que guiam algumas das mais importantes religiões ocidentais, e durante muitos séculos foi o guia moral e religioso do Velho Mundo. Supostamente, a Bíblia contaria a história do mundo, desde quando Deus começou sua criação até nossos dias, e termina com uma profecia para o final dos tempos.

Leia Mais: Resumo da Bíblia Sagrada

As ilustrações da Bíblia Sagrada por parte de Gustave Doré datam de meados da década de 1860, quando já pertencia à nobreza cultural francesa. Essas ilustrações foram usadas em Bíblias de muitas línguas na Europa do século XIX e mais tarde nas Américas. Muitos mestres produziram tais obras para ilustrar temas bíblicos, e Doré estava entre os mais famosos deles.

Abel e Caim gustave dore
Abel e Caim.
A Torre de Babel biblia gustave dore
A Torre de Babel
Sodoma e Gomorra. biblia gustave dore
Sodoma e Gomorra.

O estilo realista de Doré deu nova vida a essas histórias reais. Séculos de mosaicos, afrescos e relevos de pedra, com sua iconografia precisa, juntamente com impressões de blocos de madeira eram caricaturas de muitas histórias bíblicas na mente dos crentes. Mas as pessoas e lugares feitos por Gustave Doré pareciam reais. A obra e as licenças poéticas de Gustave Doré foram criticada por alguns em sua época, mas essas ilustrações resistem ao teste do tempo como boas representações físicas de importantes eventos bíblicos.

É importante lembrar que a maioria dos ensinamentos passados de geração em geração pela tradição cristã sobre Lúcifer tem sua bases fixadas na tradução inglesa da Bíblia Sagrada, que ficou conhecida como a Bíblia do Rei James, por volta de 1611.

O Paraíso Perdido de John Milton

Na mesma época em que ilustrou brilhantemente a Bíblia Sagrada, Doré ofereceu seus talentos a outra magnífica obra da literatura universal: “Paraíso Perdido”, de John Milton. Um clássico da literatura poética, publicada em cantos, assim como a obra de Dante, que conta a história do princípio da criação do mundo. Fortemente baseado no livro bíblico de Gênesis, o autor John Milton descreve a desobediência de Adão e Eva e a consequente expulsão do casal do Jardim do Éden.  

Paraiso Perdido John Milton Gustave Dore
As hostes celestes.
Paraíso Perdido John Milton Lucifer Gustave Dore
Lúcifer após sua expulsão do Paraíso. Um contraponto à figura horrenda descrita por Dante
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A Queda de Lúcifer e dos anjos rebeldes, por Gustave Dore. Ilustração presente no Livro 1, do poema épico Paraíso Perdido, de John Milton

Toda a mitologia toda sobre a queda de Lúcifer que pensamos estar na Bíblia Sagrada, na verdade foi cravada no imaginário popular pelo poema de John Milton junto com as ilustrações de Gustave Doré. A intelectualidade se encontrava ainda tão endurecida que poucos foram os que tomaram estes relatos literários sobre Lúcifer apenas como ficção e as consequências ecoam até os dias de hoje.

Leia Mais: A Definição de Lúcifer como Anjo Caído, Rei do Inferno, por Dante e Milton

Gustave Doré e o Contos de Fadas de Perrault

Gustave Doré, ao longo de sua carreira, verteu parte da sua criatividade e talento para ilustrar obra literárias clássicas, que iam desde poemas épicos aos contos de fadas. O trabalho de Doré pode não ter o toque leve necessário para algumas dessas histórias, mas algumas das gravuras – Chapeuzinho Vermelho na cama com o lobo e o Gato de Botas – são reproduzidas interminavelmente sempre que os editores de imagens precisam de uma ilustração adequada. Os personagens de Doré podem ser um tanto inexpressivos às vezes, mas as expressões no rosto do lobo e da garota são perfeitas. Abaixo, mais algumas de suas contribuições artísticas para estas obras que permeiam o imaginário popular.

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Cinderela.
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O Gato de Botas
Red Hood Gustave Doré
Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau
Red Hood Gustave Doré
Lobo Mau e a Vovozinha

Gustave Doré contribui com alguns detalhes originais para as histórias que ilustrou. Em “A Bela Adormecida”, seu leito geralmente é mostrado cercada por espinhos ou samambaias, mas ele adicionou fungos gigantes crescendo por todo o chão.

A Bela Adormecida. Gustave Dore
A Bela Adormecida.

O Corvo de Edgar Alan Poe

O último trabalho de Gustave Doré foi ilustrar o poema “O Corvo” do escritor americano Edgar Alan Poe. Esta obra foi a responsável por tornar Poe famoso nos Estados Unidos e foi concebida em uma das piores fases da vida do escritor, com sua esposa vitimada pela tuberculose e ele afundado no vício do álcool.

Gustave Doré O Corvo Alan Poe

Doré criou uma série de gravuras em chapa de aço, belamente assombrosas, para uma edição especial de “The Raven” que tornou-se seu legado final, pois ele morreu pouco depois de completar as ilustrações, aos cinquenta e um anos, e esta edição primorosa foi publicada postumamente em 1884.

Gustave Doré O Corvo Alan Poe
“O Corvo”

As placas tiveram que ser cortadas em aço em vez de cobre por causa do tamanho da edição: 10.000 cópias com 26 gravuras cada, exigindo pelo menos 260.000 folhas de página inteira para serem impressas, agrupadas e encadernadas.

A Balada do Velho Marinheiro

O poema épico de Samuel Taylor Coleridge é um dos grandes clássicos da literatura europeia e o artista Gustave Doré também se rendeu aos belos versos de The Rime Of The Ancient Mariner, desfiando todo o seu talento em ilustrações de encher os olhos.

Publicado em Leipzig, na Alemanha, oitenta anos após a primeira publicação de “The Rime of the Ancient Mariner”, esta edição indica como a obra de Samuel Taylor Coleridge se tornou um clássico da literatura europeia e já foi tema até de uma espetacular canção do Iron Maiden.

Leia Mais: Iron Maiden | O Heavy Metal o e o poema épico de Samuel Taylor Coleridge

Outros Trabalhos de Destaque de Gustave Doré

bea3-crusades_massacre_of_antioch Gustave Doré
O Massacre de Antióquia.
crusades_celestial_light Gustave Doré
Cruzadas: Luz Celestial.
São Francisco de Assis e o Sultão.
bluebeard Gustave Doré
Barba Azul
ariosto Gustave Doré
Ariosto

Leia Mais:

Dica de Livros Sobre o Tema:

  1. “História das cruzadas”, por Voltaire e Gustave Doré | Link do Livro
  2. “Paraíso Perdido”, por John Milton e com ilustrações de Gustave Doré | Link do Livro
  3. “Tudo sobre arte”, por Stephen Farthing e Richard Cork | Link do Livro

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2 comentários em “Gustave Doré | O artista que ilustrou o imaginário da Cultura Ocidental”

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