“Patagonia”, primeiro álbum do quarteto carioca Blind Horse, que resgata a psicodelia para o rock nacional unindo o peso do Hard Rock e do Stoner rock com a lisergia tipicamente sul-americana, quase xamânica.
É incrível como o Stoner/Prog cheio de psicodelia criou uma identidade própria entre as bandas sul-americanas, principalmente nas cenas alheias ao rock nacional. Pegue trabalhos de nomes como Austral, Demonauta, e afins, e perceba como existe um sabor peculiar nestes álbuns, quase como uma lisergia indígena, desenvolvida nas montanhas e planícies áridas de nosso continente, mesclado ao progressivo e ao stoner.
Claro que o quarteto carioca Blind Horse pende mais para o hard rock de inspirações sessentistas e setentistas, mas as interseções stoner/prog de seu primeiro full lenght, “Patagonia”, o coloca como um dos mais interessantes vértices deste polígono musical bem definido ao sul da linha do Equador. O que Alejandro Sainz (vocais), Rodrigo Blasquez (guitarra), Eddie Asheton (baixo) e Maicon Martins (bateria) promovem nestas seis composições é um Hard/Stoner Rock de apelo progressivo, pincelado por uma lisergia desértica, variando bem o peso advindo de tonalidades mais graves, com passagens climáticas, que remetem a um Southern Rock temperado por uma dose de surrealismo, “em ritmos ora alucinantes, ora viajantes, com momentos bluesy, funk e soul”.
Além disso, a produção orgânica, mas de calor febril, envolveu bem a proposta, dando corpo e intensidade às linhas de baixo, acidez e crueza à bateria, além de psicodelia e força bem texturizadas nas guitarras, teclados, e nos multifacetados vocais. Uma fórmula bem concretizada em “Patagonia”, a faixa-título, uma suíte de mais de quinze minutos, que ainda nos traz teclados de timbragens espaciais e sabor de clássico, num todo que envolve e cativa pela dinâmica, principalmente em seu seu final, com aquela jam session de guitarras inflamadas, que beira o fusion.
Contrapondo a magnitude desta composição temos a crua, curta e solitária voz de Alejandro em “Stun Bomb Blues”, e o stoner rock/metal típico de “Rock N’ Roll Me”, com alta rotação na seção rítmica, riffs robustos, reciclados do blues diabólico transformado em proto-metal, e vocais vigorosos, num todo que tangencia o hard rock. Uma pedrada das mais lindas! Estas três primeiras faixas revelam ainda uma disposição de tracklist remete à estrutura do vinil.
Nesse panorama, “Noite Estranha” “abre o Lado B” com a mesma alta intensidade que vinha da composição anterior, num hard rock ao moldes do Uriah Heep, Lucifer’s Friend e Deep Purple, mas com vibração própria, num desfile assimétrico de referências, encarnando espírito do rock nacional dos anos 1970, principalmente pela letra. E o peso permanece na longa “Soul Locomotive”, num clima mais southern/blues encaixado a seu rock progressivo cheio de psicodelia, oscilando do groove mais rústico para a cadência viajante, que deságua no breve e entorpecente desfecho com “Los Heraldos Negros”, um poema de César Vallejo musicado pela banda.
Um elemento importante para a sonoridade do Blind Horse são as linhas de teclado do mestre Ronaldo Rodrigues (Arcpelago, Caravela Escarlate), que aproximam as composições do progressivo clássico, variando do aroma mais espacial, para o uivo do Hammond, junto as constantes mudanças nos andamentos, enquanto as guitarras e o baixo se dividem entre a psicodelia hipnótica, quase xamânica, e a textura sabática acachapante da estética stoner rock.
Algumas passagens instrumentais mais longas dão a tônica da liberdade criativa de uma jam session, assim como as melodias hipnóticas contribuem para a perene textura onírica que permeia as composições pulsantes, criando certo torpor enquanto o trabalho se desenrola, mesmo nos momentos mais pesados, misturando e separando emoções num processo ciclotímico.
Enfim, “Patagonia”, do Blind Horse, é um dos álbuns que confirmam a excelente fase da atual psicodelia roqueira nacional! Indicadíssimo!
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