Iron Maiden | O Heavy Metal Influenciado Pela Literatura

 

O Iron Maiden é uma das bandas três mais importantes da história do heavy metal. Junto ao Judas Priest e toda a geração da NWOBHM, a banda capitaneada por Steve Harris ajudou a resgatar a herança dos patronos do rock pesado na Inglaterra, obscurecidos e apagados do cenário pela explosão do punk rock.

Uma das características mais importantes da banda é sua imagética criada, principalmente, pelas ilustrações das capas de seus discos que traziam a mascote Eddie, mas também pelas letras bem escritas e, por vezes inspiradas pela literatura.

E não pense que por ser uma banda de heavy metal, o Iron Maiden buscava apenas gêneros como terror, fantasia e ficção científica para inspirar suas letras. Existem clássicos da literatura também, na longa lista.

“The Edge of Darkness”, por exemplo, presente no disco “X-Factor”, foi inspirada na obra de Joseph Conrad, “No Coração das Trevas”. Neste mesmo álbum temos “Sign of the Cross”, baseada na romance  O Nome da Rosa de Umberto Eco.

Voltando ao passado, “The Loneliness of the Long-Distance Runner”, do álbum “Somewhere In Time” (1986), é inspirada e homônima ao conto de Alan Sillitoe, publicado em 1959, uma obra com interessantes reflexões psicológicas e sociais e que foi adaptada para o cinema em 1962.

Outro bom exemplo neste sentido é “Where Eagles Dare”, do álbum “Piece of Mind” (1983), que foi inspirada indiretamente pelo romance homônimo do escritor escocês Alistair Maclean, adaptado para o cinema em 1968 (o filme foi o real inspirador da letra da música).

Aliás, Piece of Mind” (1983) é um disco que mostra muito bem como o Iron Maiden era inspirado pela literatura. Além das faixas que listaremos mais abaixo, posso destacar neste disco “Sun and Steel”, que é baseada no clássico oriental “Musashi”, de Eiji Yoshikawa, e obviamente “Flight of Icarus”, que narra uma conhecida parte da mitologia grega.

Iron Maiden - O Heavy Metal Influenciado pela Literatura

O Heavy Metal e a Literatura

Obviamente, esta proximidade com a literatura não é uma característica exclusiva do Iron Maiden. Por razões que fogem às explanações teóricas rígidas, o heavy metal e a literatura sempre andaram de mãos dadas dentro da cultura pop moderna.

Segundo Heather L. Lusty, em seu livro “Rocking the Cannon: Heavy Metal and Classical Literature”, a característica primária que distingue o Heavy Metal dos outros gêneros do Rock é a forma com que ele abraça a estrutura literária, enfatizando inspirações e narrativas melódicas da mesma forma que a música clássica e barroca.

Alguns alegam que a proximidade estrutural com a música erudita (e, por corolário, com a ópera) possa ser a razão, outros se agarram ao caráter épico do estilo. Talvez, a melhor explicação seja que a preocupação com o conteúdo dos versos que preenchiam os acordes furiosos tenha levado algumas bandas a evoluírem seu discurso, buscando inspiração em obras literárias.

Como consequência, o admirador da sonoridade musical mais pesada passava a ser influenciado por suas bandas favoritas a adentrar no mundo delicioso da literatura. Muitas foram as bandas que se inspiraram na mente de grandes autores para compor suas canções e o Iron Maiden é uma das que mais beberam na fonte literária.

O Iron Maiden e a Ficção Científica

Indubitavelmente, o Iron Maiden é uma das mais influentes bandas dentro do heavy metal, sendo que a história do estilo se confunde com a biografia da banda em algum momento da década de 1980, se tornando uma das bandas embaixadores do Heavy Metal ao longo dos anos.

À frente desta instituição da música pesada esta Steve Harris, líder da banda e aquele que assinou grande parte do material apresentado pelos ingleses. Desta forma, podemos inferir que muita da influência literária nas letras da banda são introduzidas por Harris, um aficionado por ficção científica fantasia. 

Por exemplo, o excelente disco “Seventh Son of a Seventh Son” é totalmente baseado no livro “Seventh Son”, de Orson Scott Card, um renomado escritor de ficção científica, gênero que o Iron Maiden ainda buscou o título de um emblemático álbum: “Brave New World”, uma referência direta ao livro “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley.

A banda se mostra polivalente na mistura de literatura com Heavy Metal, usando a ficção científica também em “To Tame a Land”, faixa do álbum “Piece of Mind”, e ligada ao livro “Duna”, de Frank Herbert.

“To Tame a Land” tem uma história interessante, pois seu título original seria “Dune” e usaria uma citação do livro que foi negada por Frank Herbert com o argumento dele não gostar de bandas de rock, especialmente como o Iron Maiden.

A Fantasia e o Terror nas Letras do Iron Maiden

Obviamente o Iron Maiden iria buscar inspiração nas histórias de terror e de fantasia para algumas letras, afinal, são áreas literárias muito próximas à imagética da própria banda.

Lembra-se da frase “Não está morto o que pode jazer, e, em estranhas eras, até a morte pode morrer” encontrada no álbum ao vivo “Live After Death”? Pois então, ela é de H. P. Lovecraft, o criador do terror cósmico e dos mitos de cthulhuEsta citação é retirada do seminal conto “O Chamado de Cthulhu”, escrito em 1926 e publicado pela primeira vez na revista Weird Tales em 1928 (leia mais aqui).

No disco “Killers” (1981), onde quase todas as músicas trazem o tema “assassinato”, o Iron Maiden apresenta uma das suas melhores adaptações literárias: “Murders In The Rue Morgue”, música inspirada no conto homônimo de Edgar Allan Poe. Ambos descrevem o assassinato horrível de duas meninas na Rue Morgue, em Paris.

Voltando a “Piece of Mind” (1983), encontramos “Still Life”, que é inspirada pelo conto “The Inhabitant of the Lake”, de Ramsey Campbell, um crítico literário e escritor que segue os passos de Lovecraft. Inclusive, este conto apresenta a invenção de Campbell de um tomo de lendas ocultas semelhante ao “Necronomicon” proibido de Lovecraft.

Além destas músicas, existe uma implicação indireta na clássica música “The Number of the Beast”, que foi inspirada pela obra de David Seltzer, “A Profecia”, pois Steve Harris teve a ideia de escrever esta música após ir assistir a versão homônima deste livro no cinema.

Os Poetas e a Donzela de Ferro

Apesar da poesia não ser um estilo literário muito popular entre os fãs de heavy metal, vários poetas foram usados como motivação para o gênero, e talvez o Iron Maiden seja a banda que mais se destaque quando falamos em grandes poetas nas letras das bandas do estilo.

Começando por “The Trooper”, uma das melhores canções do Iron Maiden, inspirada pelo poema “The Charge of the Light Brigade” de Alfred Tenyson, que criou todos os simbolismos para um belo poema de guerra, apresentando um ritmo empolgante e exaltando as glórias de um honrado soldado que se sacrifica em prol do desenvolvimento de sua nação.

“The Trooper” também estava no álbum “Piece of Mind” (1983), e no disco seguinte, “Powerslave” (1984), o Iron Maiden repetiria a dose, mas agora musicando outro poema clássico: “The Rime of the Ancient Mariner”, do poeta inglês Samuel Taylor Coleridge, que virou um épico de mais de treze minutos que fechava aquele disco.

O Ocultismo nas Letras do Iron Maiden

O ocultismo, principalmente o escrito por Aleister Crowley seria inspiração para o Iron Maiden, muito por causa de Bruce Dickinson, um declarado estudioso de alquimia e esoterismo. Dentre os membros do Iron Maiden, Bruce Dickinson era o mais interessado no ocultismo e em sua carreira solo ele também mergulhou nas referências ao mago Crowley.

“Man of Sorrows”, faixa de “Accident of Birth” (1997), por exemplo, fala da juventude de Aleister Crowley e traz o mantra “faze o que tu queres, há de ser tudo da lei”. No ótimo “The Chemical Wedding” (1998), a letra de “The Tower” traz muitos dos ensinamentos alquímicos de Aleister Crowley e seu Tarô.

Aliás, “The Chemical Wedding” é o álbum mais ocultista de Bruce Dickinson, muito inspirado por William Blake e seu livro “O Matrimônio entre o Céu e a Terra”. Neste livro, Blake cria por chapas coloridas com desenhos e vinhetas, um ataque à ortodoxia religiosa, bem como crítica política, social e literária, além de profundos códigos alquímicos, sendo a primeira obra inglesa em versos livres.

Voltando a Aleister Crowley, ironicamente, ele se autoproclamava A Besta666 (apelido dado pela mãe ainda na infância), duas simbologias muito usadas pela banda inglesa desde seu clássico “The Number of the Beast”, de 1982.

No Iron Maiden, a faixa “Revelations“, do álbum “Piece of Mind” (1983), além de citações diretas de poemas de GK Chesterton, trouxe versos inspirados nos graus de transformação da Thelema, alegoricamente representado pela transposição do abismo. A faixa título do disco seguinte, “Powerslave” (1984), também trazia uma parábola thelemica envolvendo o mesmo tema.

Pulando para “Seventh Son of a Seventh Son”, a faixa “Moonchild” é homônima a um dos livros de Crowley, cuja letra traz menções a Babalon e à Mulher Escarlate, importantes figuras no sistema thelemico, a filosofia do ocultista, mesmo que este álbum seja orientado num primeiro plano por outra obra como vimos anteriormente.

Por fim

Seria impossível listar todas as músicas em que o Iron Maiden se inspirou direta, ou indiretamente, na literatura. Meu objetivo era apenas mostrar o quantidade de referências culturais e intelectuais interessantes que uma das maiores de heavy metal da história trouxe para seus fãs.

Com isso, o Iron Maiden nos permite mostrar ao detratores do heavy metal que o estilo não é como eles dizem: “um grupo de simplórios e débeis em suas supostas rebeldias ‘sem causa’”.

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