Bob Dylan se tornou a voz de uma geração e indiretamente revolucionou a música pop.
Foi um arauto da música folk em meados dos anos sessenta com clássicos como Blowin’ in the Wind, The Times They Are A-Changin e Mr Tambourine Man.
Mostrou coragem e iluminação ao se aventurar com a guitarra elétrica por volta de 1965, influenciado por nomes como Beatles e bandas do blues elétrico inglês, principalmente o The Animals.
A vida musical de Robert Allen Zimmerman começou em 1961 quando foi a Nova York visitar Woody Guthrie, um dos maiores nomes da música folk e ídolo daquele que viria a se tornar Bob Dylan.
Confira nossa seleção de cinco álbuns essenciais para se iniciar na obra de Bob Dylan, aqui...
Em 1967, já como ídolo do rock, sofre um acidente de motocicleta que o tirou dos palcos e lhe deu tempo de promover a mudança de sua sonoridade como desejava e dentre os discos notáveis da década de 70 temos o clássico Desire, de 1976, que trazia uma canção das mais brilhantes gemas da discografia do ex-trovador.
A canção se chamava Hurricane e foi inspirada na autobiografia do pugilista “Hurricane” Carter, intitulada The Sixteenth Round, que contava a história de injustiça e perseguição racial que virou roteiro de cinema, tendo o ator Denzel Washington na pele do personagem principal (confira o trailer aqui).
Reuben “Hurricane” Carter foi acusado de triplo homicídio, juntamente com seu amigo John Arts.
Mesmo alegando inocência, foi preso após o testemunho de duas pessoas que estavam no local do crime e que até os dias de hoje são suspeitas de racismo.
Ele só seria libertado em 1985, quando findou o processo e houve a anulação da pena, mas sua carreira já não tinha chances de ser retomada.
O lutador peso-médio, favorito ao cinturão em 1966 perecera encarcerado.
Sua carreira se iniciou em 1961 e sua prisão se deu seis anos mais tarde, em 1967, aos 29 anos, eliminando as possibilidades de alcançar o título que lhe fora concedido em 1993, acontecimento inédito para um ex-pugilista.
Em 20 de abril de 2014, Hurricane faleceu vítima de um câncer contra o qual lutara por anos, entrando para a história não só do boxe, mas do rock, via Bob Dylan, que o eternizara musicalmente após um encontro na prisão.
Hurricane, canção com mais de oito minutos, contava a biografia de um pugilista negro que foi preso injustamente.
Doravante o lançamento do álbum que continha a canção, quase um protesto musicado contra as injustiças raciais, Dylan a executava em cada apresentação de sua nova turnê.
A verdade é que os compositores da canção, Dylan e Jaques Levy, se permitiram grandes licenças poéticas nos versos de sua criação artística. Por exemplo:
1) o contexto profissional de Carter quando da sua prisão era apena promissor, ou seja, ele ainda não havia se firmado como um grande nome do boxe, apesar de todas as expectativas geradas por suas performances dentro do ringue. Daí a se tornar campão mundial, como propagam os versos, ainda levaria certo tempo e chão. Alguns especialistas do esporte dizem que ele não tinha a mínima chance de ser um campeão mundial;
2) o caráter injusto da acusação de assassinato não é uma certeza e os lados opostos (acusação e defesa) tinham seus fortes embasamentos. Dylan canta a plenos pulmões que Carter não cometera os crimes, mas nunca ficara provado a culpa, ou falta dela, no fim das contas.
O que deu força aos alardeadores da injustiça que envolvia Hurricane foi o alegórico julgamento que se seguira, algo digno de uma produção mambembe.
Mas estas são controvérsias normais para um evento tão polêmico que envolvia suspeitas de racismo. Bob Dylan fez mais do que uma canção para Hurricane Carter.
Ele promoveu a “Noite do Hurricane”, no dia 8 de dezembro de 1975, no Madison Square Garden.
Os novos shows de Dylan traziam um espetáculo ímpar: um Dylan diferenciado, com performances quase teatrais e distantes daquelas apresentações intimistas, mais canções country, Jack Elliot e sua estampa de vaqueiro cantava sucessos da Carter Family ou Kingston Trio, Mick Ronson estava presente e por fim, a poesia de Allen Ginsberg.
A noite beneficente em prol de Hurricane durou mais de quatro horas, só Bob Dylan tocou 21 canções.
O pugilista continuava preso e quem representou a classe nesta noite foi ninguém menos que Muhammad Ali, em trajes negros, cujo discurso inflamado tevê seu ápice no diálogo com o boxer encarcerado e se comunicando com os presentes via telefone.
No meio do espetáculo chegara aos ouvidos de Dylan que haviam marcado um novo julgamento para Hurricane, que poderia ser libertado em duas semanas.
Ele ansiava por anunciar à plateia o êxito obtido com o projeto, mas ao checar a informação ela se mostrou falsa, para o desalento dos envolvidos no projeto.
Houve uma nova edição da noite, denominada Noite do Hurricane II, que mesmo com as participações de Steve Wonder e Stephen Stills, o fracasso geral foi avassalador.
A canção inspirada em Hurricane Carter reflete o modo como a violência resultante de injustiça atrelada ao racismo era executada nos anos sessenta.
Batidas policiais eram frequentes nas comunidades negras e na letra este fato é mencionado como se isso fosse algo corriqueiro, pois “se você fosse negro, era melhor nem sair na rua a não ser que quisesse atrair uma batida policial”.
Alheio às controvérsias dos versos, a canção trazia um desempenho musical acachapante.
As fronteiras da música folk já haviam sido extrapoladas e as novas influências ajudavam a cantar versos de protesto que foram lançados num single em 1975, meses antes do álbum ganhar vida.
A concepção da sonoridade distinta na discografia de Bob Dylan foi desenvolvida após uma estada na França, resultado de uma fuga dos problemas familiares e depois de uma turnê badalada ao lado a fantástica The Band.
Ao retornar ao lar, vinha com novas sonoridades guardadas dentro de si esperando pra ganhar a luz do dia.
Foi direto a Nova York e rodou por lugares do começo da carreira, quando tocava em troca de pouco dinheiro, sendo que num desses trajetos da vida conhece Jaques Levy, compositor que ajudou Dylan a costurar a sonoridade de Isis, canção do álbum Desire, quase de modo instantâneo ao encontro.
Impactado, Dylan e seu novo parceiro de composição se trancariam para escrever novas canções: Oh Sister, Mozambique, Joey, Romance In Durango, Black Diamond Day e Hurricane foram concebidas pela dupla.
O mais importante para Dylan nesta parceria era que o tom auto-biográfico dos versos antigos seria substituídos por um senso maior de ficção. Para finalizar duas curiosidades.
A primeira é que Bob Dylan queria Eric Clapton para gravar o disco, mas suas tentativas foram infrutíferas e ele acabou buscando a banda que tocava com Bobby Neuwirth.
Outra curiosidade é que o violino que ecoa por todo o álbum e que tem participação em primeira pessoa em Hurricane é de responsabilidade de Scarlett Rivera, um quase presente do destino à Bob Dylan que a encontrou vagando pelas ruas de New York com seu violino.
Ou seja, o berço de Dylan o municiou do detalhe que faltava para retirar de sua cabeça a sonoridade com tempero cigano que tanto buscava.
Assim foi possível unir a história de Bob Dylan e Reuben “Hurricane” Carter de modo tão importante para a cultura pop.
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