Vish Maria – “Vish Maria!” (2016, Monstro Discos) | Resenha

 

“Vish Maria!” é o primeiro e homônimo disco da banda goianiense Vish Maria, lançado em maio de 2016 pelo selo Monstro Discos.

Vish Maria - Vish Maria (2016, Monstro Discos) Resenha Review

Quando essa peça musical terminou, confesso que me senti um pouco tonto, como se um abismo de silêncio se encontrasse aos meus pés, tamanha é a capacidade destas faixas em impressionar com uma ciência musical envolta em suas próprias leis e jargões, distante do lugar comum dentro do cenário atual, classificada no press realease como um Rock Rural espacial.

Pois bem, em algum momento da história do rock nacional, a viola tão presente na cultura interiorana, foi adicionada ao nosso rock, assim como os americanos fizeram com sua música country ao criar o folk /country rock.

Aqui, ao sul da Linha do Equador, nossa mistura foi denominada de Rock Rural, sendo que o termo ainda englobava qualquer modo de misturar os estilos regionalistas com o rock e o folk americano do anos 60.

E dentro deste contexto, mesmo manuseando um pouco destes elementos, ouso em dizer que o rótulo auto-proclamado pelos os goianos do Vish Maria é limítrofe, pois o que eles promovem é uma reformulação do Rock Rural, dando uma oxigenação moderna ao tradicionalismos do estilo, com psicodelias siderais, além de intricadas e belas evoluções instrumentais.

A faixa de abertura, que batiza álbum e banda, mistura um groove contagiante com um instrumental efervescente e recheado de detalhes, além de deixar pistas da fusão de tradições orientais e ocidentais, com elementos do cotidiano interiorano, principalmente ao misturar a exclamação “vixe Maria” com a entidade espiritual Vishnu em seu batismo.

Desta forma, não estranhe se em meio ao Rock Psicodélico e progressivo que alicerça este álbum, ou das inspirações setentistas e sessentistas moldadas de modo moderno, você se esbarrar em uma poesia musical bucólica numa esquina, passar por um cruzamento de versos viajantes com crítica social, ou se perder na bruma do etéreo clima lírico do imaginário hippie.

Claro, eles ainda te jogarão linhas de flauta e sax atordoantes e te desnortearão com teclados vertiginosos (por vezes fantasmagoricamente cósmicos), linhas de baixo instigantes e guitarras caleidoscópicas e lisérgicas. Mas não se alarme, pois a banda Vish Maria tem total controle do caminho que quer para sua música!

Sei que é difícil entender a proposta assim colocada por palavras. Então ouça faixas como “Tridimensional” (com seus vocais bem sacados, peso acelerado e teclados envolventes), “Tutti Buona Gente” (que reconstrói o sincopado do samba por vias roqueiras, psicodélicas, melancólicas e bucólicas, com instrumental denso), “Stereotipo Monormental” (um tango/flamenco jazzístico de sax cortante possuído por um espírito pinkfloydiano é o mais próximo que consegui de uma definição), “Sol Kd Vc?” (cantiga de roda transformada em pop/rock e emoldurada por belas harmonias viajantes), “O Sol Assopra Suas Notas” (envolvente por investir num contraste entre a melodia vocal e o peso quase metálico das guitarras, além da passagem burlesco/noir no meio da composição), “Melhor dia do Mês” (épica e melhor do álbum, simples assim!) e “Gotas de Papel” (um pop/indie/rock misturado ao chorinho e ao country/folk), para captar toda a inventividade deste Rock “bicho-grilo sideral”.

Só podemos louvar um trabalho como este, que usa e abusa de passagens densas, entrecortadas por detalhes melodiosos e efeitos alocados com inteligência, sem saturar o ouvinte, construindo arranjos e andamentos que seguem o padrão progressivo de qualidade e imprevisibilidade, casando perfeitamente com a voz melódica e afinadíssima de Kellen Lomazzi, dona de boa parte do sabor bucólico que permeia o trabalho destes músicos extremamente inventivos e que se apresentam como compositores maduros.

Por fim, aplausos para a produção de Luis Calil que conseguiu capturar a alma da banda, tanto nas passagens mais delirantes quanto nas mais introspectivas, através de uma exploração de timbragens variadas, num claro senso de liberdade musical que vai dos detalhes eletrônicos aos arranjos acústicos com desenvoltura, sem perder o fio condutor, afinal, um trabalho desta complexidade teria tudo para se perder na auto-indulgência ou na presunção.

Mas não! Tudo aqui está encaixado, no seu devido lugar e de acordo com o que a composição pede.

Um álbum acachapante, atordoante, mirabolante, lírico, socialmente crítico, psicodélico, inventivo e brilhante! 

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