HOUSE OF CARDS | 11 Observações Sobre a Série da Netflix

 

House Of Cards é uma série produzida pela Netflix que lança luz, mesmo que afetada pelos exageros da licença poética, à escuridão que ambienta os bastidores da política norte-americana.

Somos expostos de modo impiedoso ao intrincado jogo do poder, que envolve guerra de informação, vingança, chantagem e sagacidade.

Creio que a mais letal e envolvente arma da trama é sua linguagem simples e direta, com palavrões e expressões que são usuais no cotidiano e tão pouco ressoadas nas declarações oficiais de nossos governantes.

Além, é claro, das altas doses de nudez, prostituição, drogas e sexo, bem como uma dose quase imperceptível de fetichismo.

Dando calor e energia a este caldeirão temos uma onipresente tensão, resultado das atitudes do personagem principal Frank Underwood (interpretado por Kevin Spacey) e de sua forma favorita de violência: a psicológica.

A série é, por transitividade, baseada na obra literária do britânico Michael Dobbs, que também inspirou a mini-série homônima da BBC. A série britânica se concentra no partido de centro-direita britânico, num período pós-Margaret Thatcher.

Na versão norte-americana, somos jogados dentro do jogo político de Washington, D.C., nos dias atuais. Grandes nomes (como David Fincher, Kevin Spacey, Robin Wright e Beau Willimon) estão envolvidos na trama, o que, em parte garante a alta qualidade e o sucesso da produção que chega, em 2016, na sua quarta temporada, já havendo confirmação para uma quinta.

Hoje, vamos apontar onze considerações acerca das quatro temporadas disponíveis na Netflix, que mantém uma pequena amplitude entre seus altos e baixos, sendo altamente nivelada dentro da atual safra de produção do tipo.

O leitor poderá perceber que fiei a maioria de meus comentários em Frank e Claire Underwood, salvo um tópico pequeno para Doug Stamper.

Entretanto, é interessante mencionar a força dos personagens secundários da série, que dão a tônica e dinamismo para as motivações e ações dos personagens principais.

House of Cards - 11 Considerações Sobre a Série da Netflix

11 CONSIDERAÇÕES SOBRE HOUSE OF CARDS:

1. Casamento como forma de coligação políticaA inexistência de escrúpulos e valores morais dentro do meio político é personificado pelo casal Underwood, Frank e Claire (Robin Wright), que se amam de modo pouco usual e levam seu casamento quase como uma forma indecente de coligação política.

Frank é um manipulador nato e Claire se mostra prática e dividida entre os prazeres causados pelas vicissitudes da emoção e a segurança fria da razão.

2. Diálogo com o Espectador. Essa talvez seja a melhor ferramenta utilizada pela produção. Além de fornecer cumplicidade e intimidade com o protagonista, complementam a interação do espectador como se ele estivesse lendo um livro.

Além de dar dinamismo e oxigenação aos movimentos do jogo político, esta técnica nos coloca como um observador do certame, que tem acesso às cartas do melhor jogador da mesa.

Um detalhe interessante para quem aguarda as próximas temporadas vem na cena final da quarta temporada onde Claire parece perceber que Frank dialoga conosco e, pela primeira vez, parece nos enxergar.

Agora fica a dúvida se sua ciência passiva ao longo das temporadas precedentes ou se seu diálogo conosco virá como novo elemento da série.

3. Um irresistível e maquiavélico protagonista/demônio.  Frank Underwood, apesar da pele de cordeiro, é, na verdade, um demônio irascível em trajes de deputado e senador, e perfumado com muito charme sulista.

Todavia, apesar de sua extrema força e frieza, evidencia algumas fraquezas que fazem de Claire Underwood seu alicerce emocional e estratégico.

Sua real persona é despida das fantasias politica apenas no episódio em que reencontra seus colegas de universidade, onde temos a revelação de que o futuro presidente americano é bissexual e capaz de externar sinceros sentimentos.

4. A Lady Macbeth de Washington, DC. Alternando entre a paixão plena por um artista plástico e a frieza em despedir todos os funcionários de sua empresa, Claire Underwood é um vulcão imprevisível, de personalidade forte e independente, que não recua ao ver o marido sangrar se ele estiver de encontro aos seus objetivos.

Mesmo assim, ela demonstra, em alguns momentos, ser escrava de sua consciência (como fica evidente na crise com ativistas na Rússia), assim como a personagem de Shakespeare, para quem este peso foi fatal. Todavia, Frank se mostra imune ao peso de consciência.

5. Alguns Momentos Incongruentes.  Como toda produção televisiva que se renova por quatro anos, alguns momentos apresentam incongruências.

Claro que essa observações são impressões pessoais. Por exemplo, Zoe Barnes.

Ela mostrou uma ingenuidade exacerbada e personalidade diferente no início da segunda temporada.

Outro exemplo que salta aos olhos é a falta de um agente especial, fluente em árabe, na mesa diretora que tratava da crise com terroristas no final da quarta temporada.

Nem preciso mencionar que o presidente Garrett Walker se mostra deveras ingênuo quanto ao jogo político, o que nos leva a pensar que ele era apenas um fantoche sob influência de um mentor intelectual, no caso Raymond Tusk.

Além disso, Frank Underwood é um máquina de deixar rastros em suas atitudes ilícitas, sendo uma leve falha da trama que nenhum investigador mais atento tenha esbarrado em alguma pegada criminal (digo prova concreta, não ilações de um lunático como o Lucas fez) do presidente Underwood. Com todos os rastros, só após cinco temporadas um jornalista está percorrendo este caminho?

 6. O fiel escudeiro.  Ainda não decidi quem os personagens  da série devem temer mais, Frank ou seu escudeiro fiel, Doug Stamper, que tem cara, atitude e pensamentos de um louco. Perfeccionista, detalhista, fiel como um cão e obsessivo por Underwood, Doug é discreto, atemorizante, calculista e, quiçá, o verdadeiro vilão da série.

7. Alternância Constante de Ritmo.  Pode até soar menos importante dentro da intrincada trama e da embaraçada rede de intrigas, mas o ritmo que cada temporada apresenta ajuda no envolvimento do espectador com a produção.

A primeira temporada traz menos tensão dentro de um contexto altamente estratégico, que fisga de imediato mentes mais analíticas, em meio a doses homeopáticas de subversão que atraem, quase por psicologia reversa, aqueles que se fiam pela conduta ilibada.

A segunda temporada, onde Frank galgou o degrau da vice-presidência, é mais dinâmica em decorrência da rápida virada de intrigas, jogos duplos e agentes triplos dentro da política, além de humanizar um pouco mais a relação entre Claire e Frank. O ritmo volta a cadenciar na terceira temporada, talvez a mais fraca das quatro primeiras, onde a teimosia de Frank, baseada em sua pretensa onipotência, começa a soar auto-sabotagem.

Mesmo com todas as hediondas atitudes precedentes do presidente Underwood, este será o momento onde nossa mais sincera raiva pelo personagem será aflorada. Até mesmo sua interação conosco será abalada.

A quarta temporada é de tirar o fôlego, com inúmeros turning points e uma retomada do alto grau do jogo político que foi eficaz na primeira temporada. Este ritmo premeditado é um dos fatores que nos amarram defronte a tela para assistir “só mais um episódio”!

8. Oscilação Constante Entre Drama Político e Thriller. Um ponto negativo dentro desta alternância de ritmo é a consequentemente mudança de estilo dentro da narrativa.

O drama político é suplantado pelo thriller em diversos momentos da série, que nos oferece até mesmo doses homeopáticas de surrealismo, principalmente nas terceira e quarta temporadas.

Ao contrário da oxigenação da narrativa, esta alternância causa uma falta de sintonia entre os momentos diferentes da trama, soando até mesmo deslocadas quando amarradas aos momentos incongruentes já citados.

9. Contradição de Frank Underwood. Tudo bem que o jogo político permite certas contradições entre o discurso e a ação, todavia, Frank é contraditório intimamente.

Sua atitudes refletem um narcisista moldado pelos preceitos de Maquiavel, ou seja, tudo o que faz parece ser motivado por simples busca de poder e de auto-satisfação, mas, contraditoriamente, diz à sua esposa, Claire, que quer deixar um legado, apesar de suas atitudes evidenciarem o contrário.

10. Informação é Poder. Umas das mais valiosas lições que Underwood nos deu nas quatro primeiras temporadas da série reside no poder da informação. Grande parte do poder de manipulação de nosso protagonista vem do fato de conhecer elementos pessoais e sociais daqueles  que estão em seu entorno,  sabendo de suas vidas, forças, fraquezas e pontos dolorosos que possam ser utilizados a seu favor.

Além disso, ele se mostra detentor de uma cultura acima da média, conseguindo explorar assuntos que vão de técnicas industriais até administração doméstica. Frank Underwood nos ensina, por parábolas, que nossas fraquezas são armas em mãos inescrupulosas, sendo saudável conhecer nossas maiores vulnerabilidades e escondê-las bem para nossa própria proteção.

11. Frank Underwood Não é Um Estrategista.  Ao contrário do que aparenta, Frank Underwood não é um estrategista a longo prazo, sendo um jogador que confia mais em seu feeling sobre os adversários, do que na estratégia do jogo.

Desde sua relação com Zoe Barnes, que tangencia a prostituição, e que se torna fora de controle quanto aos interesses da jornalista, passando pelo uso nefasto de Peter Russo, até a forma corrupta, cheia de fios soltos e rastros que engendrou o impeachment de Garret Walker, Underwood esta construindo um embraçado novelo envolta de si que já começa a se fechar.

Não se assuste se ele morrer nas próximas temporadas, creio que será sua única saída depois de tantas jogadas às cegas e que contaram com a sorte.

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