Confesso que estava meio desconfiado antes de começar a audição deste segundo álbum da banda alemã The Charm The Fury, afinal, “A Shade of My Former Self”, primeiro álbum, de 2013, foi decepcionante, para dizer o mínimo. Naquele trabalho a banda podia ser enquadrada como um Metalcore dos mais genéricos, que tangenciava o post-Hardcore e trazia algumas pinceladas eletrônicas. Todavia, a falta de criatividade deixava tudo muito maçante dentro do histrionismo que acomete o gênero, e sem a devida oxigenação, mesmo que a faixa de encerramento, “Deliverance”, trouxesse uma fagulha de esperança.
E qual não foi meu espanto quando a empolgante “Down on the Ropes” explodiu-se em groove metálico noventista, dando um novo sabor às guitarras pesadas através de riffs poderosos e palhetadas que valorizam o silêncio entre elas. A própria capa, à cargo de Robert Sammelin, já nos leva a inferir que aquele aspecto histriônico de outrora ganhou mais cores, num contraponto brutal, intenso e lúdico à sombria e melancólica capa de “A Shade of My Former Self”.
Em “The Sick, Dumb & Happy” a banda alemã The Charm The Fury mescla o que existia de mais envolvente e cativante na cena metálica noventista e no Rock/Metal moderno em seu Metalcore, renascendo como um dos melhores nomes de seu gênero.
Musicalmente, saíram do mais do mesmo e incorporaram elementos mais interessantes à sua formulação musical. Temos um perene groove mais pesado, bateria arrojada em apoio a guitarras poderosas que fazem dupla com vocais oscilando entre agressividade e melodia, nos dando a certeza de que banharam seu Metalcore com a dinâmica do Metal Alternativo (de nomes como Korn e Slipknot), aumentando a energia e sem amainar o peso.
Peso esse advindo das constantes remissões ao Thrash Metal (à lá Pantera e Machine Head), principalmente nas guitarras, numa sonoridade retrabalhada por uma organicidade criativa mais moderna que permitiu manter a essência Hardcore, por distorção, seção rítmica explosiva e imprevisíveis detalhes melódicos que intersectam pontualmente o pop rock, construindo uma montanha russa musical cativante.
Confira o clipe de “Echoes”… [youtube https://www.youtube.com/watch?v=IK1gwU3Yg2Y&w=560&h=315]
E justamente nesta abordagem contrastantes que surgem as grandes composições do trabalho: “Blood and Salt”, a atordoante “The Future Needs Us Not” (de longe a melhor do álbum, com uma geometria estrutural assimétrica e acachapante) “The Hell In Me”, e “Silent Wars” (uma balada dilacerante).
Grande parte do sucesso destas composições, altamente niveladas em execução e criatividade, vem dos vocais de Caroline Westendorp, que vão da agressividade gutural à acessibilidade das melodias limpas, além dos refrãos esmerados, e o backing vocals de sabor lúdico, destacando-se em faixas como “Echoes”, “Weaponized” (com as melhores linhas vocais do trabalho) e na já citada “Silent Wars”.
Confira o clipe de “Blood and Salt”… [youtube https://www.youtube.com/watch?v=YZ2HQSSQZwc&w=560&h=315]
Claro que o trabalho de Caroline não teria tanta eficiência sem a ousada e versátil dupla de guitarristas, Rolf Perdok e Martijn Slegtenhorst, desfilando riffs, solos, e transições irrepreensíveis (ouça atentamente o trabalho dem“The Future Needs Us Not” e o solo de “Silent Wars”) bem sustentados pelas vigorosas linhas de baixo de Lucas Arnoldussen, confeccionando um instrumental agressivo, com velocidade e técnica bem harmonizadas, num sabor familiar e cativante em meio a toda a densidade que troca a testosterona deste tipo de abordagem por uma aura lúdica, mais explícita em “Songs of Obscenity”.
Claro que nem tudo é perfeito neste segundo trabalho. A mistura de Thrash, Doom, Southern, e Punk em momentos isolados, aos meus ouvidos, reflete uma banda ainda em busca de sua sonoridade, mas já claramente inquieta e com potencial, desfazendo a má impressão de seu primeiro álbum.
Confira o clipe de “Down on the Ropes”… [youtube https://www.youtube.com/watch?v=erFbMpFFyww&w=560&h=315]
Além de apresentarem coragem e potencial para lapidar sua proposta, ousando um pouco mais na utilização de algumas dissonâncias que brotam do espaço deixado pelas efemeridades musicais do primeiro álbum, o The Charm The Fury encontrou a produção ideal para construir sua música, equilibrando o peso com a “grudência” melódica.
Em suma, “The Sick, Dumb & Happy” soa como uma excelente rito de passagem, podendo ser o casulo de mutação de uma banda mediana para um grande nome de seu estilo.
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