Em “Espelho do Ocidente: O Nazismo e a Civilização Ocidental”, Jean-Louis Vullierme desvenda as complexas raízes do nazismo, oferecendo uma análise profunda e envolvente. Das inspirações de Hitler ao antissemitismo, este artigo revela como o livro é essencial para compreender os perigos atuais e evitar a repetição da história.
Ao contrário das expectativas geradas por muitos, “Espelho do Ocidente: O Nazismo e a Civilização Ocidental” transcende as narrativas convencionais sobre o nazismo. Jean-Louis Vullierme, guiado pela experiência pessoal da família, mergulha nas origens culturais, antissemitismo e ideologias ocidentais que deram vida ao regime nazista. Neste artigo, exploraremos as fascinantes revelações do autor, desmistificando as bases do nazismo e destacando a importância crítica de entender suas raízes para o presente.
Resenha de “Espelho do Ocidente”, de Jean-Louis Vullierme
Me lembro quando saiu uma matéria de capa na revista Superisnteressante intitulada “Como o Nazismo Pode Acontecer?“, em que eu esperava uma análise sobre as bases filosóficas e ideológicas que alicerçaram o nazismo, mas o que li foi uma exposição de fatos históricos que em cadeia eclodiram no regime nazista.
Pois bem, eis que tive que esperar até que “Espelho do Ocidente: O Nazismo e a Civilização Ocidental”, livro do filósofo francês Jean-Louis Vullierme, chegasse às minhas mãos para ter uma precisa análise do nazismo como o produto de ideologias ocidentais sólidas até os dias de hoje, para o bem ou para o mal.
A família do escritor viveu as mazelas do nazismo, e de todas as coisas que ouvia acerca de seu surgimento lhe era frágil a hipótese de que uma “loucura coletiva, sanguinária e súbita” fosse a maior das justificativas ao sentimento que levou os alemães a aderirem em massa à ideologia nazista.
Refletindo sobre o nazismo em busca de suas origens culturais e intenções, Vullierme parte da seguinte questão: “Quais seriam, então, os motivos antropológicos para uma extravagância tão abominável e que fenômeno desconhecido a havia levado a se impor?”
O resultado desta reflexão é exatamente “Espelho do Ocidente: O Nazismo e a Civilização Ocidental”, um livro que consegue, com fluidez e didatismo impressionantes, olhar além da equação nazismo = [ antissemitismo + Tratado de Versalhes].
O que Vullierme nos apresenta nessa obra (complementada por mais de cem páginas de notas que aprofundam sua tese sustentada numa riqueza de referências e precisão de datas) é uma forma de organizar o emaranhado de interpretações eruditas ainda carregadas de feridas ou contextualizadas de modo dualista, a ser usado no debate político das décadas seguintes ao fim do nazismo.
Até por essa robustez filosófica e histórica, demorei quase cinco meses para desenvolver uma leitura completa deste livro. Não por sua escrita, pois esta é envolvente demais, mas porque este é um livro que demanda releituras seguidas para uma melhor absorção dos argumentos e um melhor entendimento das costuras das ideias.
Vullierme não se furta em classificar o nazismo como o evento mais destruidor da história moderna, e parte das reflexões de analistas conceituados, testemunhas ou não do terror nazista, em busca de uma teoria unificada para seus motivos, seu surgimento e seus objetivos.
Como isso, ele desenha as raízes culturais do nazismo, investigando-as partindo do antissemitismo (delineando como os judeus chegaram ao controle de bancos e grandes corporações junto com o desenrolar da história antes e depois da Revolução Industrial) e das inspirações de Hitler no pensamento de Henry Ford.
Ou seja, segundo Vullierme, após escrutinar as bases antissemíticas e os aspectos dos judeus como nação no mecanismo econômico da sociedade ocidental, “nenhuma das ideias recebidas pelo nazismo eram inéditas”.
E aqui cabe um destaque ao capítulo em que o filósofo discute como os Estados Unidos e a Alemanha tinham as mesma ideias antissemitas, mas voltadas a focos diferentes. Fica nítido que enquanto Henry Ford direcionava suas ideias antissemitas para a economia, Hitler as adaptava para a política.
Junto ao antissemitismo de Henry Ford, Vullierme ainda nos apresenta o eugenismo disseminado pelos intelectuais norte-americanos e o modo de conquista do oeste como moldes usados por Hitler na Europa.
Claro que ele se debruça por outros conceitos como o nacionalismo francês, acivilismo, educação ideológica intensa e anempatia (segundo ele uma condição si ne qua non de um extermínio), além dos usuais propagandismo, militarismo e autoritarismo, para trabalhar sua tese de como o nazismo pôde se estabelecer de forma tão sólida e rápida como uma quimera de “diferentes linhagens ideológicas”.
“Espelho do Ocidente: O Nazismo e a Civilização Ocidental”, em suma, nos oferece uma reflexão perspicaz que nos serve de alerta para identificar o surgimento ou reavivamento de movimentos semelhantes, pois entender as intensões nazistas inseridas em seu complexo ideológico é de fundamental importância para não repetirmos seus atos, e como Vullierme mesmo nos diz, “hoje é viável entender os nazistas melhor do que eles mesmos se entendiam”.
E para aqueles que acreditam que uma nova figura como Hitler não possa surgir, lembremos do que ele próprio disse num discurso de 1932, sobre o que basta para o sucesso de suas ideias: “É preciso haver o necessário casamento entre o conceito de dominação pela vontade política e o conceito de dominação pela vontade econômica”.
Assustadoramente encaixado no que vemos pelo mundo atualmente.
Além disso, no capítulo 4, Vullierme não só analisa profundamente a época de instalação do nazismo na Alemanha, mas dá ao leitor mais atento e consciente do que vemos no mundo nos dias atuais um aviso quase desesperador.
Um outro alerta vem das palavras do próprio Adolf Hitler, registradas também em 1932, onde ele próprio nos explica como pode converter e controlar a massa em torno de seus ideais:
“(Meus adversários) se perguntaram, enciumados: como é que esse homem tem tanto sucesso com as multidões? Os socialistas, os comunistas consideravam que a massa era seu monopólio (…).
“A falta de espírito critico da massa certamente é uma explicação, mas não no sentido como a entendem nossos marxistas e nossos reacionários. A massa tem seus órgãos de critica. Para ela, a lógica e o raciocínio não interessam.
“Se eu fui capaz de desencadear o movimento nacional mais poderoso de todos os tempos, isso decorre do fato de que nunca agi em contradição com a psicologia das multidões nem feri a sensibilidade das massas. Essa sensibilidade pode ser primitiva, mas tem o caráter permanente e irresistível de uma força da natureza.
“Quando a massa teve alguma experiência dura, como a da época dos cartões de pão e da inflação, torna-se impossível para ela esquecê-la. A massa tem um aparelho intelectual e sensorial muito simples. Tudo que não consegue catalogar a perturba. Só levando em conta as leis naturais é que sou capaz de dominá-la.
“Fui acusado de fanatizar a massa, de levá-la a um estado de êxtase. A recomendação dos psicólogos sutis é que é necessário aplacar as massas, deixá-las em um estado de apatia letárgica. Não, senhores, é exatamente o contrário que é necessário. Só posso dirigir a massa quando ela é fanatizada.”
Por isso tudo, “Espelho do Ocidente: O Nazismo e a Civilização Ocidental” se mostra não apenas como leitura obrigatória, mas também como urgente, principalmente em nossa atual conjuntura política e econômica.
Sua publicação no Brasil chega em hora mais do que adequada.
Conclusão
“Espelho do Ocidente: O Nazismo e a Civilização Ocidental” não é apenas uma análise histórica, mas um chamado urgente para compreendermos os perigos persistentes. Jean-Louis Vullierme nos lembra de que, ao desvendar as raízes do nazismo, ganhamos a habilidade crucial de identificar e resistir a movimentos semelhantes na contemporaneidade.
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