“Necropolítica” é o primeiro disco do Ratos de Porão desde 2014. Um trabalho tão engajado e pertinente nas críticas sociais ácidas ao bolsonarismo, que soa como uma segunda parte do atemporal e clássico “Brasil”, de 1989.
Abaixo você lê nossa resenha deste disco que foi lançado no Brasil pelo selo Shinigami Records em edição luxuosa em slipcase.
Muito tem se falado no meio do rock nacional que não se deve misturar música com política. Não entrando nos méritos do quão idiota e distante da realidade é esta afirmação, prefiro esfregar na cara destes muitos falastrões vestidos pela conveniência este mais recente trabalho da importantíssima banda Ratos de Porão.
Ainda me causa calafrios pensar que as crônicas viscerais musicadas no clássico “Brasil”, de 1989, soam tão atuais, e muitos dos nossos problemas como sociedade ainda não foram resolvidos. Para completar o incômodo, João Gordo, Jão e Boka, os membros remanescentes daqueles “velhos tempos” nos oferecem um banquete de mais verdades incômodas em “Necropolítica”, seu primeiro trabalho de estúdio desde “Século Sinistro”, de 2014.
O novo disco é totalmente “inspirado” pelos (mal)feitos da era-Bolsonaro, um período marcada na história do Brasil como aquele que terá eternamente o peso de 700 mil mortos em decorrência da negligência e do descaso com a pandemia que assolou o mundo em 2020.
Olhando em retrospecto, desde que lançaram “Século Sinistro” até hoje, o Brasil passou por um tornado político, que refletiu num caos social, onde vários problemas outrora resolvidos retornaram com força total, como a fome, ameaças à democracia, inflação e o trabalho informal, por exemplo, e outros que eram chagas escancaradas como a corrupção, foi varrido para baixo do tapete por mentirosos profissionais, falsos religiosos e milicianos disfarçados de cidadãos de bem.
Sobre isso (e muitas outras coisas que me reservo o direito de não externar) discursa o disco “Necropolítica”, um fruto do inconformismo pela ascensão da extrema direita novamente no Brasil. E se por um lado as letras de João Gordo encapsulam este inconformismo, por outro, Jão é o destaque individual de todas as faixas, com riffs potentes, timbragem seca e solos cortantes, num dos melhores trabalhos de guitarra registrados em um disco do Ratos de Porão.
E se hoje a fúria juvenil já não é mais a mola propulsora da energia que emana das músicas da banda, a musicalidade agressiva e sofisticada (para os padrões punk da banda) aliada a argumentação agressiva e violentamente embasada compensam pelo jogo de palavras inteligente, com inconformismo latente no discurso entoado nestes dez sons de revolta.
Os títulos já entregam o exorcismo dos sentimentos provocados pela horda bolsonarista que emergiu da nossa sociedade. O disco abre com a tríade insana “Alerta Antifascista” (com João Gordo mostrando que seu vocal esta em forma para ofender os fascistas), “Aglomeração” (um hardcore guiado pelos riffs secos de guitarra) e “Passa Pano pra Elite” (com menos agressividade, mas com um show de Jão na guitarra), mostrando que musicalmente, “Necropolítica” é construído sobre as bases do crossover de outrora, já desfilado em discos clássicos como “Cada Dia Mais Sujo e Agressivo” (1987), “Anarkophobia” (1990) e o já citado “Brasil” (1989).
O ataque segue com a faixa-título (entoada com todo o ódio que João Gordo tem pelo governo Bolsonaro), “Guilhotinado em Cristo” (um crossover thrash que esbarra no death metal), “Vira-Lata” (com uma pegada Dead Kennedys que arrepia), “G.D.O.” (que pra mim é uma sigla para Gabinete do Ódio, chega com ainda mais “amor” para o (des)governo bolsonarista), “Bostanágua” (uma clara corruptela do nome do nosso (in)digníssimo presidente batiza um hardcore visceral), “Entubado” (com uma brutalidade desesperadora narrando os horrores ocorridos em Manaus durante a pandemia) e “Neonazi Gratiluz” (com esse título é sensacional temos a música perfeita para fechar o disco) desfiando um ataque sonoro que mistura thrash metal e hardcore sem amenidades e frescuras. Todos os socos são diretos e fortes ao longo de pouco mais de trinta minutos de música.
O pior é pensar vários dos absurdos registrados nestas letras, que podiam muito bem ser esquetes de alguma produção humorística, são a verdade nua e crua. Os versos só refletem estes absurdos como se para equilibrar a balança e tornar este universo caótico mais digerível.
Não obstante, é importante registrar que Necropolítica não é um neologismo criado pelo Ratos de Porão para dar título ao seu disco. Este termo foi cunhado por Achille Mbembe, um filósofo, teórico político e historiador camaronês, para “referenciar a capacidade de estabelecer parâmetros em que a submissão da vida pela morte está legitimada”. Para Mbembe, “a necropolítica não se dá só por uma instrumentalização da vida, mas também pela destruição dos corpos”. Não são necessárias mais explicações das razões pelas quais este foi o título escolhido pela banda para um disco conceitual sobre o bolsonarismo.
A capa também se destaca, pois parece misturar o conceito artístico de “Scum”, do Napalm Death, com a arte de “Sabbath Bloody Sabbath”, do Black Sabbath, assim como o trabalho em estúdio. A produção de “Necroppolítica” ficou por conta da própria banda no estúdio Family Mob em São Paulo, durante outubro de 2021. A mixagem foi feita em janeiro de 2022 por Fernando Sanches no estúdio El Rocha.
É questão de tempo para entendermos a importância de “Necropolítica”, e que ele vire um clássico assim como é “Brasil” (1989). Só espero que não precisemos passar por momentos tão sombrios novamente para termos um novo álbum do Ratos de Porão, pois é uma banda sempre necessária e com voz ativa nestes tempos tão sombrios.
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