Kraftwerk: “Radio-Activity” (1975) | Você Devia Ouvir Isto

 

blog_subscription_form]

Confira a proposta desta seção aqui

Dia Indicado Pra Ouvir:  Segunda-Feira;

Hora do dia indicada para ouvir: Oito da Noite;

Definição em um poucas palavras: Eletrônico, Sombrio, Classudo;

Estilo do Artista:  Krautrock, Synthpop, Art Pop, Avant Garde;

Kraftwerk-RadioActivity-Front
Kraftwerk: “Radio-Activity” (1975, Capitol Records)

Comentário Geral: Poucos grupos foram tão influentes dentro da música moderna, principalmente no rock, quanto o Kraftwerk (o nome pode ser traduzido como algo próximo a Usina de Som).

Antes que muitos me crucifiquem por rotular a banda alemã sob este estilo musical, gostaria de lembrá-los que muito da música eletrônica veio de um movimento musical alemão, que é uma das escolas do rock progressivo europeu: o Kraut-Rock.

E o Kraftwerk, no início dos anos 70, era o expoente máximo deste estilo que se caracterizava pela liberdade experimental e abuso de sintetizadores.

Ralf Hutter e Florian Schneider, fundadores do grupo,  tinham se conhecido no circuito alternativo da cidade de Dusseldorf, em 1968, e tocaram por universidades para aperfeiçoar sua música.

Até 1975, o Kraftwerk lançou quatro álbuns de estúdio (Kraftwerk, Kraftwerk 2, Ralf Und Florian e Autobahn) e uma coletânea (Exceller 8). Com destaque ao disco de 1974, o clássico Autobahn, que é a ruptura do grupo com o Kraut-Rock e o início da verdadeira face sonora pela qual os alemães são conhecidos.

Em “Radio-Activity” é realizada uma verdadeira sinfonia com sintetizadores, embasada numa proposta ao mesmo tempo incômoda e acessível, que os distanciaria momentaneamente da música pop.

A faixa-titulo, com seus quase vinte e três minutos, foi composta pela dupla em parceria com o poeta e pintor Emil Schult, sendo inspirada nas longas viagens pelas auto-estradas europeias.

Em Autobahn, principia o clima musical frio e sintético, mas ao mesmo tempo cativante, que caracterizou o grupo nos anos seguintes, através dos grandes clássicos lançados.

É importante mencionar que este é o pioneiro dos álbuns conceituais da banda, que transitaram por temas diversos como automóveis (Autobahn), computadores (Computer World), trens (Trans-Europe Express) e robôs (The Man Machine).

Nesta gama de álbuns conceituais está Radio-Activity, cujo título ambíguo nos remete tanto às ondas de rádio quanto à radioatividade. Lançado em outubro de 1975, este já seria o quinto disco de estúdio da banda e trazia letras bilíngues, apesar do título das canções variarem nas edições inglesa e alemã.

O título, separado por hífen, é proposital, pois metade do álbum discorre sobre a radioatividade e a outra metade tem o rádio (veículo de comunicação) como conceito.

Este jogo de palavras é constante neste trabalho e pode ser percebido também nos títulos das músicas como em Ohm Sweet Ohm e Radio Stars. Esta última, pode ser referencia às estrelas do rádio, mas na verdade não é isso que sua harmônia eletrônica transparece.

Além disso, em Radio-Activity, os mentores Hutter e Schneider assumiram pela primeira vez a produção do projeto por completo nos estúdios Kling Klang (de propriedade da dupla), em Dusseldorf.

As letras (bilíngues e muita vezes protagonistas na exploração eletrônica) foram co-escritas pela dupla e por Emil Schult, assim como no álbum anterior. Aqui temos pela primeira vez a formação clássica da banda que permaneceria até 1987.

Em termos de sonoridade, este clássico do Kraftwerk vem como um ponto de descontinuidade na sonoridade eletrônica mais palatável impetrada em Autobahn.

Com instrumentação 100% eletrônica, eles abusaram de vocoders, efeitos com frequências alternadas, texturas polifônicas simulando harmonias orquestradas e corais, além de iniciarem a experimentação fonética nas canções, algo que seria uma das suas marcas registradas.

Neste contexto criativo, forjaram em “Radio-Activity” um álbum inovador, que pendia mais para o experimentalismo do que harmonias eletrônicas confortáveis.

Em verdade, algumas passagens de  “Radio-Activity” soam extremamente desconfortáveis em sua aclimatação fria, sombria e pálida, nos fornecendo um panorama musical monocromático e impactante, concebido de modo natural por mentes que na adolescência absorveram tudo o que podiam dos primórdios da música eletrônica, ouvindo as rádios europeias durante a madrugada.

Dentre as inúmeras fontes, estava o pioneiro Werner Meyer-Eppler, matemático e doutor em física, que estudou fonética e voz sintética e desenvolveu importantes avanços dentro da música eletrônica primitiva, junto a seu ilustre aluno Karlheinz Stockhausen.

Algumas técnicas desenvolvidas por Meyer-Eppler podem ser ouvidas permeando as partes experimentais de “Radio-Activity”, como nas canções News, The Voice Of Energy, Radio Stars e Ohm Sweet Ohm.

Geiger Counter dá tons pulsantes ao início do álbum, acelerando até irromper na introdução da faixa-título. Uma melodia simples, mas de uma genialidade ímpar, com efeitos bem colocados e inerentes à canção.

A voz monocórdica que entoa sua letra dá todo o tom frio e acinzentado para a música, ressaltando uma das inúmeras características da sonoridade da banda.

Muitos bips e bops numa viagem eletrônica melancólica, pertencente a um tempo em que a música eletrônica tinha muita classe e era mais do que um som de bate-estaca. Radioactivity, a música, com o título isento da ambiguidade, mostra como uma peça eletrônica linear pode ter muita beleza e não soar tão sintética.

[spotify id=”spotify:track:3kwql90R2gmkK12R8uGHCs” width=”300″ height=”380″ /]

A melodia ecoa por todos os seis minutos e quarenta e dois segundos da canção, sobre uma cama de teclados, sintetizadores e percussão eletrônica até parar na batida fúnebre de Radioland.

Uma das peças mais tristes e igualmente belas de toda a história da música eletrônica. Novamente o vocal monocórdico com sotaque alemão carregado dá o tom sombrio e fúnebre à música, ainda adornada por efeitos vocais muito bem contextualizados com o tema do álbum.

Pense na estrutura do som do Kraftwerk como um “blues eletrônico”. No Blues temos o riff  básico enquanto se entoam os versos e no fim de cada estrofe um pequeno lick.

Aqui é da mesma forma, mas ao invés de riffs de guitarra temos estruturas complexas de teclados e sintetizadores, e em troca dos licks coloque sons característicos de rádio, blips e blops. Já os solos são compostos por estes efeitos “radiotransmissores” e “radioativos” sobre a batida são incessantes.

[spotify id=”spotify:track:2u0Lu5pNZ22HAmDwWdRfix” width=”300″ height=”380″ /]

Em Airwaves temos uma música mais “alegre” e com uma melodia simples de sintetizador, além de um andamento que remete a canções folclóricas alemãs.

Posteriormente, tomamos contato com a primeira parte puramente experimental: Intermission é uma espécie de monocórdica canção de caixa de música em versão eletrônica, enquanto News começa com sons desconexos de sintetizadores e vozes que simulam leituras de notícias em uma espécie de vocoder que alterna a frequência da voz sintetizada.

E fim do lado A!

Virando para o lado B de “Radio-Activity”, a magia eletrônica continua com uma voz distorcida profere The Voice Of Energy. Com certeza se a eletricidade tivesse uma voz seria esta, e na sequência temos a melhor canção do álbum.

Esta faixa fora inspirada em um dos exemplos dados por Meyer-Eppler em suas pesquisas. Antenna é a melhor representante do blues eletrônico do Kraftwerk. Sons de raios laser duelam nos falantes como se lutassem para que a música fique mais brilhante, enquanto a voz fria e mecânica continua entoando seus versos.

[spotify id=”spotify:track:5DGKGyFPchLUjGbZjcQHZb” width=”300″ height=”380″ /]

Mais um loop sonoro e começa a segunda parte experimental da obra. Radio Stars, a peça mais alternativa do disco discorre sobre quasars e pulsars, ao passo que a macabra Uranium traz uma voz que poderia ser uma mensagem extraterrestre endemoniada enviada pelas ondas do rádio.

Após uma nova sintonizada no dial, começa Transitor, instrumental baseada em sintetizadores e teclados, criando mais uma canção cuja melodia remete a alguma canção folclórica.

Já ouvi  “Radio-Activity” muitas vezes, mas sempre que ouço novamente percebo um elemento novo, uma nova camada de som e uma nova visão da obra.

Novamente a “voz da energia” começa a entoar o mantra Ohm Sweet Ohm até a chegada de uma melodia triste e de andamento melancólico e depressivo.

É incrível como o leve atrito da agulha no vinil dá um tempero todo especial a este disco, cuja a própria temática soa retrô. Já ouvi-lo nas mídias mais modernas, mas nenhuma delas proporciona o mesmo impacto que no formato em vinil.

Esta canção retoma o clima desenvolvido no disco anterior e que seguirá nos próximos álbuns, como se esta obra fosse uma descontinuidade na sonoridade linear dos álbuns da banda, talvez por isso este seja o meu disco preferido do inigualável Kraftwerk.

Ainda duvida que VOCÊ DEVIA OUVIR ISTO?

Ano: 1975

Top 3: “Radioactivity”, “Radioland”, e “Antenna”

Formação: Ralf Hütter (voz, sintetizador, orchestron, bateria eletrônica e efeitos), Florian Schneider (voz, vocoder, votrax, sintetizador e efeitos eletrônicos), Wolfgang Flür (percussão eletrônica), Karl Bastos (percussão).

Disco Pai: Karlheinz Stockhausen  – “Gesang der Jünglinge · Kontakte” (1962)

Disco Irmão: Brian Eno – “Another Green World (1975)

Disco Filho: Luke Eargoggle  – “Lightwriters Infovox” (2009)

Curiosidades: O rádio que ilustra o projeto gráfico do LP é um Deutscher Kleinempfänger,  fabricado por G. Schaub em 1938, e foi produzido para ajudar a espalhar propaganda nazista, além de não sintonizar ondas curtas para dificultar a recepção de transmissões estrangeiras.

O rádio foi apelidado de Schnauze de Goebbels, referindo-se ao Ministro do Iluminismo Público e Propaganda, que muitas vezes se dirigia ao público através do rádio.

Pra quem gosta de: experimentalismos, reparar em detalhesficção científica, futurismo, frieza sintética, rádios vintage, blips e blops.

Kraftwerk - Radio Activity

Outros Artigos que Podem Ser do Seu Interesse:

1 comentário em “Kraftwerk: “Radio-Activity” (1975) | Você Devia Ouvir Isto”

  1. Pingback: Discos Renegados do Rock que Merecem Estar na Coleção!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *