De sua trilha sonora icônica a seus personagens memoráveis, “Garotos Perdidos” consolidou seu lugar na história do cinema de terror. Saiba por que esse filme ainda é relevante e empolgante hoje.
“The Lost Boys” (no Brasil: “Os Garotos Perdidos”) é um filme norte-americano de 1987 dirigido por Joel Schumacher, produzido por Harvey Bernhard com roteiro escrito por Jeffrey Boam, em que dois irmãos adolescentes se mudam com a mãe para uma pequena cidade no norte da Califórnia infestada de vampiros.
Este é um clássico filme de terror que resistiu ao teste do tempo. Com sua trilha sonora icônica, personagens memoráveis e enredo aterrorizante, este filme continua a cativar o público até hoje. Descubra por que “Garotos Perdidos” continua sendo imperdível para os fãs de filmes de terror.
À partir da década de 1980 os vampiros ganhariam novos traços no cinema e teríamos o início da terceira era dos vampiros na sétima arte, onde as variações do mito ganhariam uma maior elasticidade em suas bases, envolvendo temas políticos, psicológicos, cômicos e adolescentes. Estes representantes da nova geração dos vampiros nas telonas fugiam da figura aristocrática do “conde”, contextualizavam os vampiros em nosso cotidiano e a ameaça inerente a estas figuras se torna maior no roteiro à medida que crescem em número.
“Garotos Perdidos” também caminha neste traçado, assim como evidencia outra característica desta geração: a junção dos vampiros com gêneros em voga e de sucesso em suas épocas. No caso de “Garotos Perdidos”, esta combinação se deu com o ambiente que cerca uma gangue adolescente e nas pitadas de comédia. Além disso, as amarras com as clássicas HQ’s de terror (Creepy e Cripta são exemplos) e a nova tendência de trazer o vampiro para o papel de herói (tendência que seria reforçada de modo latente nas futuras produções) são outros ingredientes que dão um delicioso sabor ao produto final.
Outro elemento deste filme que salta aos olhos como adorno essencial à gangue adolescente é a lição ensinada por Peter Pan, registrada na frase que abre esta postagem e que aparece como lema do grupo de vampiros adolescentes, rebeldes e perigosos em suas motocicletas: “Dormir o dia todo, festejar a noite inteira, nunca envelhecer, nunca morrer. É divertido ser vampiro!”
A direção de Joel Schumacher (“O Fantasma da Ópera” e “Número 23”) evidencia de modo fluido todas estas nunces da gangue liderada pelo vampiro David (Kiefer Sutherland) que será confrontada por Michael (Jason Patric), um novato na cidade, em decorrência de um sentimento que aflora pela bela Star (Jami Gertz), também interesse de David. Ou seja, uma história adolescente ambientada num contexto vampírico de uma pequena cidade americana.
Simultaneamente, os mitos mais lúdicos que envolvem os vampiros são explorados em outro núcleo constituído pelo irmão mais novo de Michael, Sam (Corey Haim), e seus novos amigos “caçadores de vampiros” liderados por Edgar Frogg (Corey Feldman). Este núcleo é responsável pelas nuances do terror cômico do filme e são bem sucedidos nesta empreitada. Nas próximas linhas do texto, quero mostrar como um filme de enredo tão simples e longe da genialidade dos grandes clássicos do cinema, marcou toda uma geração.
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Uma Sinopse Vinda de Outro Lugar
Lucy (Dianne Wiest) vai morar com Michael (Jason Patric) e Sam (Corey Haim), seus filhos, em Santa Clara, uma cidade que tem muitos jovens desaparecidos. Logo os dois irmãos descobrem que uma gangue de motoqueiros está mais morta do que viva, pois estão se transformando em vampiros. Sam tem que trabalhar rápido, pois Michael está se apaixonando por Star (Jami Gertz), uma destas criaturas, e está gradualmente se tornando um deles. (Fonte: http://www.adorocinema.com)
Análise de “Garotos Perdidos” (The Lost Boys) como um clássico filme de terror.
Algo que deve ser ignorado quanto a este filme é o seu caráter de pastiche do gênero terror, combinando a clássica narrativa vampírica com nuances de história adolescente e toques de comédia. Essa mistura é feita de modo preciso, sem que o filme possa ser rotulado dentro destes estilos alheios ao que é naturalmente atribuído a enredos que versam sobre vampiros.
Um elemento interessante para o sucesso deste filme e que influenciaria muito as narrativas modernas centradas no tema, é o já mencionado herói vampiro que luta contra seus pares motivado por suas fortes convicções que impedem a corrupção de sua alma. Seguindo essa premissa, Michael luta bravamente contra a condição vampírica a ele imposta e a resistência à sede de sangue, bem como o ressarcimento de sua mortalidade.
Esses elementos acabam se tornando as forças motrizes do filme, que segue a nova tendência de encarar o vampirismo como uma maldição infligida ao vampiro, que de vilão, passou a vítima. Outro traço um poco mais sutil, mas que evidencia esta nova escola do cinema vampírico é o valor aos embates psicológicos em detrimento do super-poderio que estes seres noturnos detinham.
Em “Garotos Perdidos”, estes superpoderes vampíricos se fazem presentes, mas até os momentos finais, a grande maioria é explorada de modo subjetivo. Sutilmente, podemos notar controle mental pelo olhar (como quando Michael come comida oriental e enxerga vermes, claramente influenciado por um poder de David), mas está é, talvez, a mais explícita das demonstrações até o embate final.
Alguns críticos alegam que este filme trouxe um caráter mais inocente ao vampirismo, como se ele fosse um desvio adolescente, como a ato de experimentar uma droga por curiosidade e se tornar um vampiro fosse apenas mais um desvio adolescente que pudesse ser revertido com um pouco de abstinência e apoio de um grupo de amigos. Entretanto, seus fornecedores ameaçadores estariam sempre às voltas para lhe lembrar do seu vício. Podemos ainda imaginar a gangue liderada por David como uma espécie de sindicato inspirado por Peter Pan saído das catacumbas e das sombras.
Outra nuance faz deste filme um acepipe dos melhores aos olhos dos jovens oitentistas. Os vampiros de “Garotos Perdidos” nos remetem diretamente a rock stars com cabelos longos, brincos, jaquetas de couro (estas um símbolo da gangue dos vampiros que nos faz identificar a entrada de Micheal para o grupo), cigarros presos na orelha e pilotando sua motocicletas de modo inconsequente. Na verdade, os vampiros de “Garotos Perdidos” nos remetem a uma gangue de rock stars, e está claro na postura de David que ele é o líder dos vampiros e no contexto do triângulo amoroso, o antagonista do herói Michael.
Entretanto, muitas destas “inovações” convivem harmoniosamente com os toques clássicos das histórias sobre vampiros personificadas no vampiro Max, além do modo como Michael se torna um vampiro ser diferente da usual mordida, que no contexto geral do filme é mais identificada como uma parte da iniciação do novo vampiro do que um modo de matar sua sede de sangue.
É interessante chamar a atenção para o fato da cruz não ser efetivamente uma arma contra os vampiros, como foi registrado nos anais da cultura pop. Stephen King já havia se utilizado deste artifício em seu clássico “A Hora do Vampiro”, sendo que em “Garotos Perdidos” seu efeito é atribuído à água benta pelos especialistas caçadores de vampiros juvenis. Esta troca permite que situações cômicas como no fato da água benta ser munição anti-vampírica em uma arma de brinquedo que atira água.
Mas a boa e velha estaca de madeira atravessada no coração do vampiro ainda é a arma mais eficaz contra eles, além de preservar a tradição lendária de ser sempre necessário um convite para que um vampiro entre na sua casa. Apesar de uma obra fantástica em sua melhor forma, ainda somos apresentados a elementos que podem ser interpretados como críticas à sociedade americana da época.
Simon Bacon, em um dos melhores estudos sobre este filme viria a nos dizer que assim como a maioria dos filmes da era Reagan, havia uma mensagem velada às novas gerações para o resgate ao valores da família americana, encorajando a juventude emergente a assegurar as bandeiras conservadoras. Em certos momentos da obra, fica evidente que a “culpa” da desestabilização da família de Michael e Sam é atirada sobre a geração hippie, da qual a mãe dos garotos, Lucy, se orgulha de pertencer.
A mensagem aos adolescentes desta geração é que eles devem ter a capacidade de resolver os próprios problemas e, ao contrário do natural, eles devem enxergar e salvar seus responsáveis do perigo iminente, invertendo a hierarquia familiar para que esta geração forte implemente novamente os valores da família americana que se perdeu.
O poster de Jim Morrison em evidência no covil da gangue vampírica é uma alegoria ao mal que deve ser combatido pela nova juventude americana. Ao associar o vocalista do The Doors como um modelo para a liberdade desejada pelos adolescentes vampiros, o recado está bem explícito. Os “ensinamentos” de Morrison ecoam por diversos momentos da obra, seja na rebeldia (afinal eles desafiam até as ordens do vampiro rei, Max, que se encontra à paisana em certo momento), contestação da juventude, culto à noite, alienação ou uso de drogas.
Outra ligação simbólica “sombria” reside na ensolarada Califórnia que viu Jim e sua banda emergir em meados dos anos 1960, para desestabilizar o ideário pacifista e morno de sua época. Desta forma, nada melhor que este líder para servir de modelo aos modernos desajustados da Califórnia, mas agora com uma dose de fantasia e terror. A capacidade de transitar pelo terror clássico e a paródia com tempero adolescente também merece menção honrosa, sendo este fato um dos que garantem o status que o filme tem para algumas gerações.
A verdade é que “Garotos Perdidos”, mesmo temperado com doses de humor, é mais próximo do terror do que seus contemporâneos que apostavam na mesma receita como “The Rocky Horror Picture Show”, “Young Frankenstein”, ou “A Hora do Espanto”.
Muito deste tempero cômico vem de um dos mais interessantes personagens: o vovô. Num primeiro momento ele parece incomodado com o fato do retorno de sua filha e seus netos para morarem em sua casa, mas no decorrer da trama fica claro que ele sabia de tudo o que ocorria nas sombras de sua cidade. Em suma, ele não é o que parece e seguramente era o único adulto que tinha consciência do que realmente se passava com os adolescentes, em especial com seus netos, além da sua filha, Lucy.
Sua frase final “a única coisa par a qual nunca tive estômago em Santa Clara: estes malditos vampiros” é antológica e fecha magistralmente a obra nos surpreendendo com uma lucidez inesperada. A partir deste momento, o velho ranzinza e mesquinho se torna a voz da sabedoria e da razão aos olhos do espectador.
Outra possível contradição para com os vampiros é que o filme se desenvolve na ensolarada Califórnia, com pessoas alegres, juventude efervescente, muitos videogames, parque de diversão e cartazes em busca de informações sobre crianças perdidas, numa cidadezinha denominada Santa Clara. Já nas primeiras cenas a impressão nítida é de que nos bastidores desta cidadela comum existe algum segredo que ecoa por suas noites quentes (segredo, este, conhecido pelo avô). Quem nos corrobora esta impressão é a placa de boas-vindas exibida na estrada da cidade e sua mensagem adicionada posteriormente à sua instalação que diz “capital mundial de assassinatos”.
Cabe mencionar que o filme foi indicado a seis prêmios da Acadêmia Americana de Ficção Científica, Fantasia e Horror, mas saiu vencedor apenas da categoria de Melhor Filme de Horror.
Os Bastidores Intensos de “Garotos Perdidos”
Nos bastidores do filme o clima foi intenso. As trocas de diretores foram problema até Joel Schumacher assumir o posto em definitivo, mas, antes dele, foram cogitados Richard Donner (que preferiu se enveredar na direção de “Máquina Mortífera”, sendo creditado como produtor executivo) e Mary Lambert, que abandonou o projeto por divergências quanto a essência da obra apesar de até já ser efetivado no cargo de direção.
O atores previamente cogitados para interpretar o avô de Michael e Sam não puderam participar das gravações, um por ter vindo a falecer e outro por sérios problemas de saúde. Já David pode ser visto por boa parte do filme trajando luvas pretas. Este fato não estava previsto e o personagem se valeria das luvas apenas nas cenas em que estivesse pilotando suas motocicletas, entretanto uma acidente durante as filmagens fez com que se tornassem uma composição temporária do figurino do personagem.
A Trilha Sonora Icônica de “Garotos Perdidos”
Um dos aspectos mais memoráveis de “Garotos Perdidos” é sua trilha sonora icônica, que apresenta canções de artistas populares como INXS, Echo and the Bunnymen e Lou Gramm. A música não apenas contribui para a atmosfera geral do filme, mas também ajuda a estabelecer os personagens e suas personalidades. Por exemplo, o uso de “Cry Little Sister” durante os créditos de abertura dá o tom para todo o filme e imediatamente atrai o público. A trilha sonora tornou-se tão icônica que é frequentemente citada como uma das razões pelas quais “Garotos Perdidos” continua sendo um clássico do gênero terror.
Conclusão sobre o filme “Garotos Perdidos”
Por fim, “Garotos Perdidos” é um filme que nos fornece inúmeros momentos para amá-lo, mas também dá margem para em alguns momentos odiá-lo. O mais importante é que não existe uma forma de passar inerte por sua exibição.
Às novas gerações, insisto que absorvam a obra como um fruto de sua época, assim como nos dias de hoje existem temas que estão na moda, nas telas do cinema entre 1985 e 1989 tivemos seis filmes que contextualizavam os vampiros no universo adolescente da época, onde os adultos estavam apenas perdidos em si mesmos e a classe adolescente tinha que evoluir pelas próprias pernas.
No que tange aos vampiros, “Garotos Perdidos” os fizeram soar ajustados à juventude moderna, como uma espécie de grupo de selecionados, o equivalente ao “grupo dos populares” nos filmes adolescentes que se passam nas high schools americanas. Com este artifício, atingiram um novo público alvo para os vampiros, dando a eles mais longevidade dentro da industria cinematográfica.
A mudança de ambiente para o mito do vampiro também foi bem aceita, agregando ainda mais importância a este filme, que pode não ser o pioneiro nesta ação, mas é o mais eficiente em colocar vampiros atacando em uma cidade costeira.
Referências do nosso artigo:
1) Tim Kane: “The Changing Vampire of Film and Television: A Critical Study of the Growth of a Genre”.
2) Tony Magistral: “Abject Terrors: Surveying the Modern and Postmodern Horror Film”.
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