O diretor Jordan Peele faz, com “Corra!” (2017), sua estreia no cinema de forma não menos que perfeita.
O elenco, apesar de pouco conhecido e não contar com nenhum grande astro, garante a trama. Interpretações brilhantes e convincentes, principalmente por parte do protagonista Daniel Kaluuia e de sua “sogra” Catherine Keener. Leia nossa resenha completa abaixo escrita pelo colaborador Ricardo Leite Costa.
Eu realmente cansei de ser enganado por premissas mirabolantes, promessas de “a nova sensação do horror mundial dos últimos tempos” e toda essa pataquada, porém, como sou teimoso igual a uma mula velha, resolvi, mais movido por uma mórbida curiosidade, confesso, assistir a um filme do qual todos estão comentando: “Corra” (Get Out/2017), e adivinhem? É uma presepada sem precedentes? Imagina, o filme é bom, bom demais. É ótimo mesmo!
Pra quem ainda não ouviu falar, a sinopse trata de um rapaz negro de classe média, Chris (Daniel Kaluuia), que namora uma moça branca, Rose (Allison Willians), e o relacionamento vai de vento em popa, com tudo correndo as mil maravilhas. Sendo assim, a moça decide que é hora do rapaz conhecer os seus pais, dar um passo além na relação, que é aquela situação tensa e constrangedora a qual todos nós nos deparamos um dia. E lá vai o pobre coitado para o encontro que, definitivamente, mudaria sua vida.
Chegando lá, a primeira impressão é favorável, com a recepção amistosa do casal Armitage, Missy (Catherine Keener) e Dean (Bradley Whitford), porém, com o passar do tempo, Chris começa a achar a movimentação estranha, principalmente por parte dos empregados da casa, convenientemente todos negros: a governanta Georgina (Betty Gabriel) e o jardineiro Walter (Marcus Henderson).
A questão racial é abordada todo o tempo, porém de uma forma pouco convencional. As piadas contadas por Dean pra tentar descontrair o seu convidado, que mais causam desconforto do que propriamente riso, começam a deixar Chris intrigado e, no decorrer da trama, nosso herói vai descobrir que todo aquele clima desconcertante crescente é apenas a ponta do iceberg e o buraco é muito mais embaixo.
Apesar do cunho social, “Corra” é um suspense daqueles de arrebentar os nervos, que culmina em um horror quase gore, mas o foco é muito mais a tensão psicológica, e nesse aspecto o longa é primoroso.
Poucas vezes me senti tão desconfortável ao assistir um filme. É sério! Tudo causa calafrios: o movimento das câmeras, o olhar penetrante dos anfitriões, os convidados bizarros que entrariam em cena em uma festa no mínimo suspeita, a trilha sonora perturbadora, a aparente amabilidade e companheirismo da namorada Rose, que depois revelaria suas reais intenções, enfim, tudo é convertido para causar aquele arrepio que sobe pela coluna até chegar à nuca.
Afora tudo isso, o elenco, apesar de pouco conhecido e não contar com nenhum grande astro, garante a trama. Interpretações brilhantes e convincentes, principalmente por parte do protagonista Daniel Kaluuia e de sua “sogra” Catherine Keener, que em uma atuação contida, mas exuberante, demonstra como ninguém, no desenrolar da ação, métodos pouco ortodoxos de “atrair” a atenção de seu “genro”. Destaque também para a personagem de Betty Gabriel, construída de uma forma a causar pânico, com seu sorriso angustiante e olhar petrificador.
O diretor Jordan Peele faz sua estreia no cinema de forma não menos que perfeita. Curioso é saber que Peele é comediante, sendo um dos protagonistas da série de sketches cômicos “Key e Peele”, do canal Comedy Central, e também por fazer parte do elenco da série “MADtv”, e talvez por pertencer a outro nicho o estreante diretor tenha um “feeling”, uma percepção diferente acerca do gênero, mas ainda assim ele não deixa de lado suas raízes.
LilRel Howery, que vive Rod, o melhor amigo de Chris, é responsável pelo alívio cômico do filme, protagonizando alguns momentos hilários, como aquele no qual ele vai até a delegacia para relatar o desaparecimento de seu amigo e conta qual sua suspeita para os policiais, que caem na gargalhada, e outros diálogos muito bem encaixados na trama, que servem para dar um respiro necessário em meio ao suspense tão intenso.
Prefiro não dar spoilers para o leitor poder desfrutar do mesmo impacto vivenciado por mim. Assistir pensando que é uma coisa e constatar que é outra bem mais aterradora é a melhor sensação do mundo. “Corra” é indicado a todos os fãs de um bom horror psicológico, conduzido de forma inteligente e cativante.
Certamente um dos filmes do ano!
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