Fantastic Negrito – Resenha de “Please Don’t Be Dead” (2018)

 


Fantastic Negrito - Please Don't Be Dead (2018)
Fantastic Negrito: “Please Don’t Be Dead” (2018, Cooking Vinyl) NOTA:10,0

Quando “Plastic Hamburguers” explodiu nos fones com sua pegada forte de funky/blues, enérgica e bem marcada por uma seção rítmica firme que estrutura as melodias groovadas, eu percebi que “Please Don’t Be Dead”, novo álbum do Fantastic Negrito – alcunha de Xavier Dphrepaulezz – seria uma continuação mais audaciosa de “The Last Days of Oakland” (2017), álbum que deu visibilidade ao artista ao render-lhe um Grammy.

Negrito traz em “Please Don’t Be Dead” uma malícia que equaliza o vintage e o moderno com harmonia, usando o feeling do blues como forma de dar requinte à sua devassidão musical groovada, de multi-formas vocais (confira o que ele faz de “Bad Guy Necessity”  para “A Letter To Fear” – uma faixa que trará sorrisos aos fãs do Prince), que rejuvenesce com energia e vigor o blues para a modernidade.

Em certa medida  “The Last Days of Oakland” (2017) e “Please Don’t Be Dead” são discos bem diferentes. Enquanto o primeiro se enquadra no formato canção mais ajustado, mesmo com as idiossincrasias de Negrito, mais calcado no blues e no soul, o segundo é investigativo, provocativo e inegavelmente experimental!

Existe também a intensidade do rock em “Please Don’t Be Dead”, como se ele quisesse usar todos os elementos que fizeram a música negra ser base para a música ocidental moderna, seja soul, funk, ou rock!

Até por isso, as referências a Marvin Gaye, Jimi Hendrix, e Prince (ouça “The Duffer”) não são descabidas. Negrito, de fato, dialoga com todos estes mestres, mas de uma forma muito pessoal, moderna, com um “q” de fusion.

E por uma faixa como “A Boy Named Andrew” vemos o quão talentoso ele é para explorar esse legado, numa dinâmica variada, irresistível e viciante. Sendo ousado dentro de sua proposta (principalmente na instrumentação), mas tangenciando as melodias acessíveis com inteligência.

“Transgender Biscuits” chega às raias do progressivo em certo momento, enquanto “The Suit That Won’t Come Off” mostra como o blues deve ser trabalhado nos dias de hoje para atingir novos adeptos.

E quem tinha dúvidas da versatilidade de Negrito, pode afastá-las com faixas inspiradas como “Bad Guy Necessity”,   “A Cold November Street”, a balada emocional “Dark Windows”, o gospel “Never Give Up”, e o funk de rachar o assoalho “Bullshit Anthem”

Ele constrói sem medo de experimentar, desconstrói com o ímpeto de quebrar paradigmas, reescreve regras estílicas e traduz as normas antigas que ainda restam para os idiomas modernos, através de um atrito de texturas bem escolhidas, detalhes bem pensados para os arranjos, e  produção tão “crua” quanto o permitido na guerra de volume que virou o mercado fonográfico atual, mas que deixou tudo com sabor orgânico.

Xavier Dphrepaulezz, o homem que encarna Fantastic Negrito, teve uma carreira incerta até se afirmar nestes dois últimos trabalhos. Seu primeiro disco foi lançado em 1996, intitulado “The X Factor”, e seu contrato com a Interscope foi assinado com Jimmy Lovine (o chefão da gravadora) pessoalmente.

Mas um acidente que o deixou em coma por três semanas em 1999 (entendeu a capa de “Please Don’t Be Dead”?), e uma sucessão de agruras físicas motivou-o a abandonar a música em 2007.

Todavia, ele voltou a tocar para entreter seu filho, o que motivou seu retorno em 2014, com novas ideias, liberdade e paz de espírito para produzir ao menos duas obras-primas em dois anos: “The Last Days of Oakland” (2017) e, principalmente, “Please Don’t Be Dead” (2018)

Não deixe de conferir, pois este certamente será um dos grandes discos de 2018, e daqui uns anos reverenciado como um clássico da nossa década!

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