Em “A Revolta dos Dândis”, um dos melhores discos da história do rock nacional, o Engenheiros do Hawaii se encontrava isolado numa versão sulista do folk rock, de forte apelo pop e grandiloquência na mensagem, longe das emulações new wave/dark pop/ska da época.
Definição em um poucas palavras: Acústico, invernal, sulista, folk.
Estilo do Artista: Pop/Rock Nacional;
Comentário Geral: Ok! Este é o álbum que tem “Infinita Highway” e “Terra de Gigantes”, mas se você acha que “A Revolta dos Dândis”, álbum lançado pela banda Engenheiros do Hawaii em 1987, se resume apenas a estas duas canções, saiba que este é o grande disco da banda nos anos oitenta, e só superado na discografia, na opinião deste que vos escreve, pelo brilhante “Simples de Coração” (1995).
Depois do estouro da cena brasiliense, as atenções do mercado fonográfico, no que tangia ao Rock, se voltavam para Porto Alegre e após as 130 mil cópias vendidas de “Longe Demais das Capitais” (1986), a banda Engenheiros do Hawaii lideraria a cena, mas já acumulava as primeiras trocas de formação que se tornariam um carma na década seguinte.
Após a saída do baixista Marcelo Pitz, Humberto Gessinger foi para o baixo e o novato Augusto Licks se tornou responsável pelas guitarras.
Todo o cenário estava pronto para o segundo trabalho, “A Revolta dos Dândis” (1987), e quem aguardava uma parte dois de “Longe Demais das Capitais” (1986) viu o nascimento de um disco completamente oposto ao primeiro e na contra-mão do que o Rock nacional desenvolvia naquele momento, expondo uma banda divergente da “onda” e que se dirigia à ousadia quase progressiva do futuro próximo.
Em 1987, enquanto as bandas do eixo São Paulo-Rio de Janeiro-Brasília se influenciavam por nomes como The Police, B52’s, Echo & The Bunnymen, Joy Division, Gang of Four e The Clash, o Engenheiros do Hawaii apresentava um novo álbum que soava mais como uma versão gaúcha do R.E.M. fundida às texturas mais cruas de “Nebraska” (1982), disco de Bruce Springsteen, mas com menos solidão, usando gaitas como uivos outonais, tudo construindo o aspecto folk, invernal e acústico.
Ou seja, nesta época, o Engenheiros do Hawaii se encontrava isolada numa versão sulista do folk rock, de forte apelo pop e grandiloquência na mensagem, longe das emulações new wave/dark pop/ska (que até aparece em “Vozes”) da época.
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A primeira parte da faixa título abre o álbum com um folk rock groovado guiada por uma linha de baixo que se move em círculos e melodias caleidoscópicas, desenhando versos sagazes típicos da mente mirabolante de Humberto Gessinger, que brinca com contradições e dicotomias.
Suspeito que neste álbum esteja o melhor trabalho lírico da carreira do Engenheiros do Hawaii, além de ser onde Gessinger se revela um baixista criativo e de técnica muito acima da média de seus congêneres.
Na sequência, a calmaria de “Terra de Gigantes” coloca um pouco de água fria na fervura, com melodia melancólica e introspectiva delineada por arpejos e uma letra que expõe os medos e anseios de uma juventude que já sentia as primeiras responsabilidades da abertura política, além de trazer uma das frases mais marcantes do Rock nacional oitentista: “a juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes”.
O Lado A da edição em vinil é impecável, seguindo com o clássico “Infinita Highway”, uma canção estradeira marcada pelo baixo virtuoso de Gessinger e quiçá um dos cinco maiores clássicos do Rock oitentista brasileiro, a belíssima “Refrão de Bolero” e a grande composição de “A Revolta dos Dândis” , “Filmes de Guerra, Canções de Amor”.
Esta última composição em particular desnuda os duelos entre ideias opostas sobre o qual todo o disco é construído, com letra inspiradíssima e instrumental que serve de protótipo para a estética que a banda usaria no futuro, se valendo de artifícios musicais tipicamente brasileiros em seu groove elétrico impresso num rock bem ajambrado que empolga pelo duelo vocal de Humberto e o baterista Carlos Maltz.
Nestas primeiras composições já podemos perceber o quão pormenorizadas elas são em suas roupagens nuas e cruas, com destaque às linhas de baixo, às guitarras de timbragem oitentista, sendo que tanto letras quanto músicas evidenciam um amadurecimento como compositores, soando filosófico desde o título com sua referência a Albert Camus. Isso rendeu acusações de elitistas e fascistas à banda.
O Lado B se apresenta mais vibrante e inflamado com a segunda parte da faixa-título, seguida de “Além dos Outdoors” (com seu ritmo “cavalgado”, backing vocals bem colocados, e o marcante verso: “As coisas mudam de nome, mas são sempre as mesmas”) e a já citada “Vozes”, que inicia a ligação instrumental entre composições da banda, no caso “Terra de Gigantes”, e que se repetiria em “A Verdade A Ver Navios”, do álbum seguinte, “Ouça o que Eu Digo, Não Ouça Ninguém” (1988).
Até mesmo a divisão dos lados promove a ação-reação que parece conceitual no trabalho. “A Revolta dos Dândis II”, por exemplo é uma resposta à primeira mostrando que existe um caminho do meio na dualidade imposta em “A Revolta dos Dândis I”, muito bem feito ao inferir que todos possuem os mesmos sonhos independente do lado em que estejam. Revoltas classificadas como banais em “Vozes”, das quais também confessam arrependimento.
“A Revolta dos Dândis” ainda esconde pérolas como “Desde Aquele Dia” (mais próxima ao que se desenvolvia no rock brasileiro, com ótimo diálogo entre as linhas de guitarra e baixo) e “Guardas da Fronteira” (com dueto vocal instigante, citação de Sartre e flertes com a sonoridade brasiliense), se mostrando um trabalho inteligente, cheio de detalhes que aparecem e desaparecem em cada audição conforme o estado de espírito do ouvinte.
Ainda tem dúvidas de que VOCÊ DEVIA OUVIR ISTO?
Ano: 1987;
Top 3: “Filmes de Guerra, Canções de Amor”, “A Revolta dos Dândis I”, e “Infinita Highway”.
Formação: Humberto Gessinger (Voz, baixo e guitarra 12 cordas), Augusto Licks (Guitarras, violões, harmônica, órgão Hammond) e Carlos Maltz (Bateria, Percussão).
Disco Pai: R.E.M. – “Murmur” (1982)
Disco Irmão: Nenhum de Nós – “Cardume” (1989)
Disco Filho: Paulo Miklos – “Paulo Miklos” (1994)
Curiosidades: Em resposta às acusações de fascismo e elitistas, Humberto Gessinger declarou:
“Às vezes, a citação não precisa ser entendida. No mundo de hoje não tem diferença entre Albert Camus e Mike Tyson. São dois produtos de consumo. Eu saboreio Camus como saboreio Mike Tyson. A maioria do povo brasileiro entende mais de existencialismo do que de boxe. Cito Camus porque está mais próximo de mim. Acho que as pessoas entendem o que é ‘dândi’, pelo menos tanto quanto eu. A “obra aberta” possibilita que uma música seja entendida em todos os níveis. Os Titãs conseguem isso. Caetano, o mais genial de todos, não consegue. Talvez nem a gente consiga. A nível de “intelectuália” citar Camus é kitsch e demodé. Pra agradar a crítica eu citaria Levi Strauss na baía de Guanabara”.
Pra quem gosta de: Filosofia, violão e gaita, manhãs invernais, e chocolate quente com conhaque.
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