“Easy Rider – Sem Destino” (1969) | Um Clássico do Cinema Sobre Duas Rodas

 
 

“É muito difícil ser livre quando se é comprado e vendido no mercado.” 

“Nós estragamos tudo.”

Hoje vamos discorrer acerca de um dos mais emblemáticos filmes da história do cinema. Easy Rider (ou Sem Destino como ficou conhecido no Brasil) pode ser equiparado a uma narrativa épica envolvendo uma cruzada moderna, onde nossos cavaleiros ganham terreno sobre cavalos metálicos em um tempo único de descoberta cultural e dos perigosos limites da liberdade, onde o soprar do vento leva aos nossos ouvidos o som do melhor no estilo rock n’ roll em sua fase áurea.

Ao contrário dos honrados cavaleiros medievais, nossos cruzados buscam o limite das experiências humanas (lícitas e ilícitas), em uma aventura que cruza o território americano e tem um desfecho apoteótico, mostrando que a tríade sexo, drogas e rock n’ roll traz suas consequências e cobra seu preço.

A santa trindade da cultura pop não tem participação solitária nesta obra. Também colaboram com o enredo um pouco de violência, contracultura e toda a rebeldia e liberdade inerente ao mundo sobre duas rodas. O mundo vivia uma transformação utópica na década de 60 com a massificação das idéias do movimento contra cultural mais forte que já experienciamos: o movimento hippie.

Opondo-se de modo veemente aos principais elementos considerados importantes para a nossa sociedade, os adeptos renegavam o trabalho, o patriotismo, os padrões de beleza e conduta pré-estabelecidos e a ascensão social.

No roteiro (onde já começam as confusões quanto a quem fez o que), escrito por Peter Fonda (responsável pela produção da obra) , Dennis Hopper (que também dirigiu o filme) e Terry Southern, os dois personagens principais são hippies, viajando em suas motocicletas, enfrentando o preconceito e a hostilidade das comunidades pequenas que encontram nas estradas no decorrer da viagem. Ainda nesta introdução se faz necessário ressaltar a atuação de Jack Nicholson, no papel do alcoólatra George Hanson, que relutava em experimentar maconha.  

Parece tudo muito simples. E realmente o é, mas a película arrebatou os jovens americanos daquela geração, atiçando suas imaginações e levando-os aos cinemas para que ajudassem no faturamento do pouco mais de cinquenta milhões de dólares. A nível de curiosidade comparativa, o custo total da produção foi  pouco menos de quatrocentos mil dólares.

Por fim,  podemos encarar o resultado final como um sarcástico desenho em cores vivas mostrando a derrocada dos valores e comportamentos conservadores americanos, ao coexistir e assimilar comportamentos libertários que iam de encontro ao modo de vida tradicional da América do Norte.  

Mas para compreender totalmente o impacto causado pela obra precisamos detalhar alguns panoramas que envolvem a sociedade americana e, principalmente, o cinema americano daqueles dias.

Peter Fonda, o Capitão América, e sua jaqueta estilizada. Uma das mais famosas fotos oriundas do filme.

 

Contextualizando Hollywood: A Fase de Transição

 

A fase dourada do cinema americano havia ficado para trás. Os primeiros anos da década de 60 assistiram à derrocada financeira da industria cinematográfica, que estava construída sobre preceitos engessados e dominada por um espírito sexagenário intransigente de se produzir obras para a sétima arte. Neste cenário desfavorável, diretores e produtores estrangeiros começaram a se destacar com obras de maior conteúdo.

Pouco do que jorrou da fonte americana daqueles dias  foi sucesso e o cinema vinha sendo  reciclado do outro lado do Atlântico pela Nouvelle Vague e mentes como Ingmar Bergman, Akira Kurosawa e as primeiras obras de Stanley Kubrick em Londres. Era evidente que a indústria de Hollywood precisava mudar e respirar novos ares por pulmões mais jovens.

Mas não só a cultura cinematográfica americana ansiava por mudanças. A sociedade se mostrava extremamente desconfortável com a famigerada guerra do Vietnã (que seria explorada das mais diversas formas no cinema produzido nas décadas subsequentes) e no limiar dos anos 60 este desgosto aparentava ter chegado ao seu ápice. A reciclagem começou a ser notada com o lançamento do filme Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas.

Lançado em 1967, este divisor de águas foi o responsável por transformar a linguagem do cinema norte-americano, misturando humor com violência desmedida e mostrando uma nova classe consumidora da sétima arte: a juventude formada pela geração baby boom, que tinha um alto potencial consumidor. Dado o apito inicial, esta revolução só ia atingir o fim da linha com o filme O Portal do Paraíso, de 1980.

Voltando a 1967, percebemos uma cena cultural completamente influenciada pelo discurso hippie, recheado de epítomes como “faça amor, não faça guerra” e sempre carregando uma flor nos cabelos. O que a nova geração de Hollywood promovia era a destruição dos jardins floridos dos hippies com as rodas de suas motocicletas, além de incendiar a cerca que delimitava seus coloridos discursos.

Mas esta exposição de contracultura não confrontou todos os elementos do flower power, na verdade, tomou para si a tríade sexo, drogas e rock n’ roll. Sendo assim, na virada da década, Hollywood se tornara o centro cultural e criativo da juventude setentista, fato este solidificado com o advento da chamada Nova Hollywood.

Este movimento, que se viu dividido em duas gerações, foi encabeçada por nomes como Francis Ford Coppola, Martin Scorcese, Steven Spilberg, Robert Altman, Dennis Hopper, George Lucas e Brial De Palma.  O que o sucesso de Bonnie e Clyde e o futuro clamor da juventude após Easy Rider promoviam era uma retomada dos roadie movies, gênero que ficara em baixa no cinema americano.

E mais, eram duas produções, digamos, independentes. Mas estas não eram as únicas relações existentes entre os dois filmes. As duas películas promoviam a liberdade estradeira, o crime e sentido de descoberta, apesar de um ser uma aventura na estrada e o outro uma caçada a foras-da-lei.

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Trailer de Easy Rider: Sem Destino (1969)

 

“Easy Rider – Sem Destino”

Poucas linhas são necessárias para sintetizar o enredo desta obra seminal:

Dois traficantes que haviam feito um grande negócio no México e em Los Angeles, depositam todo o seu lucro nos tanques de combustível de suas motocicletas estilizadas com o intuito de atravessar os EUA e desfrutar de suas ricas aposentadorias na Flórida. A viagem é regada a doses maciças de aventuras, viagens lisérgicas, comunidades alternativas, policiais que odeiam hippies, comunidades que também odeiam hippies, advogados alcoólatras, Mardi Grass, prostitutas e explosões.

Em contrapartida, tudo o que já se escreveu acerca deste filme não foi capaz de dimensionar a importância e o impacto causado, não somente na cultura pop, mas na mitologia que envolve o mundo das motocicletas e, porque não, no estilo de vida americano.

Além do mais, mesmo tendo um enredo simples, a extensa gama de técnicas de filmagens utilizadas para captação das cenas, em conluio à trilha sonora magistral, causaram um impacto cinematográfico significativo. Gosto de enxergar este filme como um faroeste com atitude heavy metal.

Apesar dos faroestes, por natureza, ambientarem-se no oeste americano e Easy Rider ser uma jornada sobre duas rodas em direção ao leste, algumas características no decorrer do filme são claramente influenciadas por este rico gênero cinematográfico. Para corroborar com esta observação somos apresentados aos personagens Wyatt e Billy que pilotam suas motocicletas através do Monument Valley, que serviu de locação para muitos filmes de John Ford, alguns muito aclamados pela crítica especializada.

Quanto aos nomes dos personagens, remetem a Billy The Kid, que dispensa apresentações e Wyatt Earp, personagem lendário nos faroestes americanos e que realmente foi um nome a consolidar o verdadeiro velho oeste americano. A atitude heavy metal tem sua essência no caráter pouco carismático dos protagonistas (o que diverge da maioria dos faroestes clássicos), anti-heróis nada estoicos e, obviamente, nos cavalos de aço montados por estes dois egocêntricos “cavaleiros”.

Ao final da película, em seu clímax, temos uma espécie de duelo medieval, equivalente a uma justa, mas ao invés de cavalos, são utilizadas motocicletas e uma caminhonete. Antológica é a cena final, após o confronto do moderno pensamento social americano com o antigo, à margem da beleza sinuosa do rio St. John.

Peter Fonda, Jack Nicholson e Dennis Hopper.

O desfile de excêntricas personagens americanas começa na primeira parada em algum lugar entre o Arizona e o Novo México. A dupla de modernos cavaleiro entra em contato com uma família cujo pai não sabia o significado do termo L. A. Na sequência, se encontram com alguns jovens, contextualizados à época, fugitivos da vida urbana, sendo que vários deles são mulheres.

Duas destas jovens se envolvem com Wyatt e Billy promovendo uma bela cena em uma piscina natural. O caminho devia ser seguido e no próximo ponto encontram George Hanson, um advogado bêbado (interpretado por Jack Nicholson) e membro da União Americana pelas Liberdades Civis (mais uma personagem historicamente contextualizada ao efervescente cenário norte-americano).

George é uma espécie de ingênuo adulto, viciado em whisky, que viaja usando um capacete de futebol americano e tem filosóficas interpretações sobre a vida extraterrena. Após degustar uma bela porção de maconha ele discorre sobre o modo como o governo esconde o fato de vivermos cercados de alienígenas (mais um elemento contextualizado à sociedade daquela época, um tempero comum aos americanos contemporâneos da corrida espacial e influenciados por teorias conspiratórias extraterrestres).

Ainda temos uma verdadeira palestra sobre liberdade e como os Estados Unidos, naquela época, proclamava a liberdade individual  dos americanos (simbolizada no capacete estilizado com a bandeira americana, utilizado por Wyatt), mas negava este direito aos cabeludos em motocicletas.

O primeiro problema que enfrentam com habitantes do interior acontece após entrarem em um café e chamarem a atenção das garotas da cidade. Alguns dos “ofendidos” se juntam para seguir os três, o que culmina na morte de George Hanson ao serem interceptados.

A sequência da jornada envolve prostitutas em Nova Orleans, uma passada em Mardi Grass, o carnaval que ocorre anualmente em Nova Orleans desde 1699 e famoso pela nudez feminina. O desfecho se dá em uma estrada que cruza a Flórida ao serem avistados por dois rednecks (um termo americano equivalente ao “caipira” utilizado por nós brasileiros.

Normalmente tem um significado pejorativo com o intuito de atacar americanos racistas) que encaram a dupla de motoqueiros como invasores hippies e cabeludos que vão acabar com os valores morais de seu estado.

Um fator de necessária abordagem é o espirito dos dois motociclistas. Em geral, sempre sorrindo e desfrutando da liberdade sobre duas rodas, na maioria dos casos se mostram gentis e avessos a violência gratuita, externado cortesia aos que ficam à sua volta.

Acredito que muitos possam pensar o contrário, mas o filme como um todo traz uma importante mensagem sobre tolerância às diferenças expostas. Somos completamente intolerantes a seres humanos diferentes de nós, mas não nos indignamos com atos repugnantes cometidos às escondidas, desde que a aparência dos bons costumes esteja garantida.

Em suma, cena por cena somos impelidos a aceitar as diferenças pessoais e repugnar a hipocrisia inerente, principalmente, às sociedades mais conservadoras. Peter Fonda e Dennis Hopper conseguiram resumir em alguns minutos a essência da sociedade sessentista americana, bem como a erupção da contracultura que seria básica para a evolução do cinema americano. Mesmo datando de mais de quarenta anos, os questionamentos apresentados nunca foram tão atuais, ou você acha a sociedade mais tolerante agora?

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Steppenwolf: Born to Be Wild.Cena do filme.

Apesar de ser a primeira vez de Dennis Hopper como diretor de cinema, a fama de seu temperamento já o precedia e deu as caras nas filmagens de Easy Rider. Quando foi convidado por Peter Fonda para dirigir o novo projeto, seu destino era negro dentro da indústria cinematográfica e sua fama de pupilo de James Dean havia se extrapolado para um profeta viajando de ácido.

O ator que interpretaria George Hanson não seria Jack Nicholson, mas sim Rip Torn (Homens de Preto e 30 Rock). A mudança no elenco se deu após Hopper ameaçar Torn com uma faca ainda na pré-produção da película e, após o evento, Hopper ainda deu declarações acusando Torn de tê-lo ameaçado.

O caso foi parar nos tribunais americanos, com Torn processando Hopper por difamação e saindo vencedor do caso judicial.  Ainda foram sondados mais dois atores antes da confirmação de Jack Nicholson para o papel de George Hanson.

Mesmo com toda esta fama de controverso, o talento de Hopper foi reconhecido com a prêmio da Palma de Ouro, no festival de Cannes de 1969, como melhor diretor estreante. Ainda teríamos Nicholson indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante no ano seguinte.

Uma da maiores acusações que a película receberia seria relativa à apologia às drogas. Quando decidiram que a cocaína seria o item que os daria a aposentadoria, as duas mentes por trás do filme o fizeram desta maneira por ela ser uma droga muito cara, sendo assim, a única capaz de lhes fornecer a quantia suficiente. Nas filmagens é usado bicarbonato de sódio.

A relação entre Peter Fonda e Dennis Hopper foi se desgastando de modo avassalador durante as filmagens. Muitas falácias e acusações mútuas agitaram o set de filmagem com o diretor completamente imerso em bebidas alcoólicas e drogas das mais variadas, mostrando total instabilidade para seguir no projeto, que aos trancos e barrancos foi concluído numa cena final que envolvia pouco mais de cinco pessoas na equipe.

 

A Melhor Cena

As lendárias cenas em torno das fogueiras são, justificadamente, duas das mais notórias do cinema composta por personagens simpatizantes da marijuana . Após contar a história sobre seu capacete sobrevivente ao destino certo do depósito de lixo, Hanson, após uma tragada em seu whiskey, é apresentado à maconha.

Recusa num primeiro momento, por medo que sua predisposição aos vícios o condene a mais uma sentença de dependência. Entretanto, o irresistível e tentador é mais forte e, após uma verdadeira aula sobre como degustar a erva, Hanson desfila todo o seu conhecimento sobre os O.V.N.I.’s e sua esperança na orientação de seres extraterrenos na evolução da humanidade.

Na segunda cena, influenciados pelos mesmo entorpecentes, Hanson, começa uma das mais sinceras elucubrações acerca do contexto em que se inserem Billy e Wyatt. Com um discurso ávido de contestação e desabafo ele explica que a sociedade não teme pessoas como os dois viajantes, mas o que eles representam: a liberdade. Que vivê-la e apenas discursar sobre ela são duas coisas completamente diferentes. Conclui profetizando o desfecho do filme.

 

Inspirações de “Easy Rider”

Uma das maiores inspirações da obra americana foi um equivalente italiano. Em 1962, uma comédia italiana chamada La Escapada –Il Sorpass foi lançada e nas suas cenas tomamos contato com a história de dois amigos que viajam em um conversível pelas estradas da Itália.

O título de divulgação nos EUA foi The Easy Life, que motivou a troca do título de The Loners para Easy Rider. Outra inspiração oriunda deste filme italiano foi a inserção de temas pop na trilha sonora do filme, neste caso, músicas que representavam a cena musical da contra-cultura americana naqueles dias.

Outras referências claras estão nos documentários do cinema direto americano dos anos 60. Nestas produções, a câmera seria um olho que registra de modo mecânico e automático uma situação real em curso com a intenção de realizar análises mais complexas que a permitida pela observação do olho humano.

O termo cinema direto ficou restrito à denominação do movimento acontecido nos E.U.A. e no Canadá entre os anos 1958 a 1964, que produziam uma espécie de cinema documentário. O grande nome deste movimento foi o jornalista da revista Life, Robert Drew, que se valeu de técnicas do fotojornalismo para se tornar o maior nome do cinema direto americano, que mais tarde seria um produto estritamente televisivo.

Dois expoentes máximos para a cultura pop do cinema direto são as produções Don’t Look Back (1966), que trazia Bob Dylan como “personagem principal” e Monterey Pop (1968). Sem dúvidas, Easy Rider bebeu na fonte de influências deste molde cinematográfico ao mostrar roteiro com ausência de narrativa, onde os acontecimento são mostrados como se fossem uma situação real em curso. Temos a sensação de assistir a tópicos de partes da linha do tempo na vida dos dois motociclistas.

Este artifício foi largamente utilizado nas produções independentes daquela época. No caso de Easy Rider seria um documentário sobre a sociedade americana hipócrita, frente a dois cidadãos que se opõem ao status quo dos valores sociais impostos. A crítica social começaria a ganhar força no cinema americano, como primeiro elemento em diversas obras, relegando outras discussões e elementos a um segundo plano.

Outras influências vieram diretamente do cinema europeu, particularmente do Neorrealismo italiano  e da Nouvelle Vague francesa. Dos italianos aprenderam a valorizar as captações de cena em locações, utilizando atores não profissionais e takes longos com o intuito de capturar a máxima realidade da vida fora dos estúdios.

Dos franceses buscaram as câmeras  de mão, cortes abruptos e a interrupção da continuidade da narrativa clássica, dando mais enfase aos conflitos existenciais das personagens e polarizando menos a utilização de artifícios cinematográficos.

Alguns críticos ainda atribuem ao livro On The Road, clássico de Jack Kerouac, datado de 1957, como uma forte influência de Easy Rider. Não posso deixar de admitir uma relação mais intrínseca do que a mera história estradeira que enlaça as duas narrativas. Ainda no campo literário, uma das melhores interpretações para Easy Rider é a de que o enredo do filme seria uma adaptação de parte do clássico A Divina Comédia de Dante Aleghieri, mais precisamente, a primeira parte da obra, intitulada Inferno.

Segundo esta interpretação, o filme concebido por Peter Fonda, Dennis Hopper e Terry Southern é uma mostra de como incorporar literatura clássica, com apelo cultural contemporâneo, mas mantendo a estética e relevância dos clássicos.

Utilizando um termo que os brasileiros adoram, Easy Rider seria uma espécie de releitura da obra de Dante, onde o roteiro segue o caminho mostrado no texto de Inferno e muitas cenas foram inspiradas nas ilustrações de Gustave Doré para a edição do texto de Dante, datadas do século XIX.

Entretanto, as três mentes por trás do roadie movie em questão ainda teriam se valido d’O Livro Tibetano dos Mortos, do livro infantil Paddle-to-the-Sea (1941) e do filme The Yin an the Yang (1966) como influências.

Teriam os roteiristas de Easy Rider seguido os passos de Dante e Virgílio pelos círculos do Inferno em solo americano?

 

A Histórica Trilha Sonora

A seleção de músicas que participavam dos intercursos das cenas foram um show à parte. Além de solidificar uma cena forte do rock americano, foi por este filme que a canção Born To Be Wild, do Steppenwolf, começou a ser identificada com o mundo dos veículos sobre duas rodas, até se tornar seu hino máximo.

Sem dúvidas, uma das canções que mais representa o estilo de vida estradeiro. Dennis Hopper teria declarado que ”quando você assiste o filme, as músicas te contam uma história, não os diálogos“. Ele estava coberto de razão, tanto que a trilha sonora de Easy Rider se tornou um ítem indispensável na coleção dos roqueiros após seu lançamento.

Nenhuma cena corrobora tanto com a declaração de Hopper quanto o ato libertário de Peter Fonda se desfazendo do seu relógio e rasgando a estrada ao som de Born to Be Wild. Mas nem só desta vivia a coleção de músicas que se alternam na evolução do enredo.

Na minha preferência pessoal, a melhor canção é a que abre a jornada. A cena de Hopper e Fonda escondendo seu dinheiro sujo nos tanques de gasolina ao som de The Pusher, também do Steppenwolf, é algo antológico.

Um blues rock carregado de malícia e de confissões ilícitas, temperando a cena em que depositam seu dinheiro no tanque da motocicleta estilizado com a bandeira americana, algo pouco sugestivo.

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Muito do que seria cultuado anos mais tarde com a queda do florido movimento paz e amor já estava enumerado dentre as canções que compunham a trilha sonora de Easy Rider.

Grandes nomes da contracultura americana foram selecionados, dentre eles tínhamos, além do Sttepenwolf, The Byrds, The Jimi Hendrix Experience, The Eletric Prunes, The Band e Roger Mcguinn entoando duas canções de Bob Dylan (um delas com co-autoria do próprio McGuinn), ícone máximo da contracultura americana.

Entretanto, esta trilha sonora se notabilizou por ser a primeira proveniente do rock n’ roll a ser tocada no rádio e cujas canções eram diretamente associadas ao filme, mesmo não especificamente compostas apenas para a trilha sonora, sendo certificada como disco de ouro em 1970.

É inegável que o filme não seria o mesmo sem as canções que parecem descrever as cenas que se desenvolvem na tela e, em alguns casos, as analisam para nós. Neste sentido, existe uma quebra de paradigma, onde o rock e o cinema não podiam se completar.

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Enfim

Por fim, é difícil mensurar a influência que esta obra causou, não só no mundo do cinema, mas na cultura pop em geral. Todas as filmagens foram feitas em apenas sete semanas, em locações reais, fora de estúdios, cuja maior parte da narrativa e dos diálogos era improvisada.

Segundo Nicholson, esta afirmação seria enganosa e que “havia um roteiro bem definido, mas trabalhamos desta forma para obter este clima – de modo que parecesse tudo improvisado“. Este é um filme independente, que se utilizou de atores não profissionais, com um set de filmagem em clima de guerra entre diretor, produtor e roteirista, carregado de drogas e álcool e o diretor, além de atuar, era um estreante na função que buscava por oportunidades há quase quinze anos.

Tinha tudo para dar errado, mas se tornou um marco de uma geração. Talvez as contribuições mais importantes estejam na divulgação de uma cena musical contracultural para o padrão flower power da época e a inserção de canções como vinhetas entre as cenas foi um prenúncio do que a MTv faria dali a pouco mais de uma década.

A naturalidade com que os atores desenvolveram suas performances se deve ao fato deles pertencerem a esta cena que ia de encontro ao status quo americano. Esta fidelidade representativa deu ares mais fortes de documentário ao filme e forjou o núcleo filosófico da nova geração de rebeldes de Hollywood.

Referências

1) David Laderman. Driving Visions: Exploring the Road Movie.
2) Norman Berlin. The Secret Cause: A Discussion Of Tragedy.
3) Gary Mullholland. Popcorn: O Almanaque dos Filmes do Rock
4) Steven Jay Schneider. 1001 Filmes Pra Ver Antes de Morrer.
5) Peter Biskind. Como a Geração Sexo, Drogas e Rock N’ Roll Salvou Hollywood.
6) Linda Ruth Williams & Michael Hammond. Contemporary American Cinema.
7) William V. Constanzo. World Cinema Through Global Genres.
8) J. D. Markel. On the Road to the Ninth Circle of Hell.  (http://brightlightsfilm.com/75/75easyrider_markel.php#.Urj7ANJDuSp).
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