Voivod é uma banda canadense que sempre se mostrou desafiadora dentro do cenário metálico mundial. Vindo do norte de Quebec, o Voivod foi uma das primeiras bandas canadenses de thrash metal a atingir um público internacional. Ao contrário da maioria das bandas da época, eles não queriam ser os mais rápidos do mundo, mas elaborar um conceito, tanto estético e conceitual, quanto musical.
O Voivod soava como se o Slayer quisesse ser o King Crimson em sua versão mais fusion. Em suma, o Voivod era uma banda para poucos ouvidos. Impossível de copiar, mas uma musicalidade difícil de digerir.
Nesse artigo queremos explorar todo o universo musical criado ao longo de seus álbuns e, obviamente, seguir sua biografia, discografia e contribuição para o heavy metal.
O Voivod é uma Banda Conceitual
Talvez o Voivod seja a mais bem sucedida banda conceitual da história do heavy metal. O gênero é recheado de álbuns conceituais, mas bandas que carregam um conceito estético, musical e narrativo ao mesmo tempo é algo raro, assim como o som praticado pelo Voivod.
A banda canadense talvez seja a única dentro do gênero cuja obra orbita um personagem conceitual que sofre metamorfoses nas mais diversas esferas junto com os próprios músicos. Usando de rock progressivo, thrash metal, punk, hardcore o Voivod trouxe as discussões filosóficas e científicas da ficção científica para si através do personagem que dá nome à banda.
Esse conceito nasce com Michel Langevin, que desde criança fazia desenhos inspirados pelo que absorvia na televisão, e concebeu o rascunho do personagem Voivod aos dez anos de idade. O jovem Michel Langevin era o que hoje chamamos de nerd, pois absorvia livros como “O Senhor dos Anéis”, de J. R. R. Tolkien, e “Dracula”, de Bram Stocker, com a mesma vontade com que estudava tópicos profundos de biologia, mecânica e tecnologia.
Dessa fonte plural de influências surge da mente do jovem Michel Langevin o personagem Voivod, uma espécie de vampiro pós-nuclear que vivia em uma terra de constantes guerras chamada Morgoth.
Um esboço da máquina da nova era – Voivod/Korgull The Exterminator – foi criado e algum tempo depois Michel começou a tocar bateria e a procurar músicos jovens que quisessem ajuda-lo a desenvolver seu conceito.
Após um tempo de estruturação de ideias e da formação, em novembro de 1982, o quarteto fundador do Voivod estava estabilizado com o guitarrista Denis D’Amour (Piggy), o baixista Jean-Yves Thériault (Blacky), o vocalista Denis Bélanger (Snake), além do próprio Michel Langevin (Away).
No primeiro disco, “War And Pain”, era apresentada a gênese do personagem Voivod, um vampiro pós-nuclear que acorda clamando por uma guerra nuclear na terra de Morgoth. Ele seria feito de carne e osso, mas totalmente desfigurado, cruel e sem compaixão, um guerreiro do niilismo que junto a sua tribo almeja destruir tudo ao seu redor.
Já no segundo passo discográfico, “Rrröööaaarrr”, o conceito foi expandido e o personagem Voivod se tornou uma máquina de guerra biomecânica da nova era após sete guerras nucleares, trocando suas armas primitivas por um arsenal mais sofisticado, sendo grande mestre da purificação.
Nessa nova fase da história, o personagem Voivod sofreu uma transformação radical, se tornando um veículo bélico que ficava ao redor da borda de um buraco grande e profundo que serve de prisão para várias pessoas que lentamente morrem de paranoia. Rrröööaaarrr seria o barulho que o Voivod faz enquanto se movia.
Já no capítulo seguinte, “Killing Technology” (1987), Voivod se torna um ciborgue híbrido com humano que destrói Morgoth e já dentro de uma nave espacial se integrou ao sistema de defesa “Star Wars” que tinha como alvo a Terra.
A Terra então seria invadida por insetos depois da guerra entre os humanos como um enxame da morte que a dominará assim que o planeta for vaporizado. Com a Terra destruída cabia a Voivod ir para outra dimensão no quarto disco, “Dimension Hatröss” (1988), onde nosso personagem principal estava em seu laboratório espacial procurando explorar outra dimensão.
Ele usa de uma acelerador de partículas para criar uma micro-galaxia, uma nova dimensão para a qual Voivod se dirige e encontra diferentes civilizações e entidades psíquicas, extraindo conhecimento e energia para oito programas do seu projeto chamado Dimension Hatröss.
Após dominar essa dimensão, Voivod embarca em sua jornada mais corajosa, ele resolve explorar sua própria mente e mergulhar numa dimensão psicológica, no disco “Nothingface” (1989).
Nesse momento da história, Voivod destrói a sua personalidade original por achá-la muito fraca. Ele cria outras personalidades e identidades, mas não as sente como verdadeiras. Ele tenta encontrar sua identidade original, mas ela já se perdera, enquanto vaga sem rumo, sentindo que seu corpo está sendo sugado por uma máquina gigante, se tornado o “Sem Rosto”.
A saga final do personagem Voivod deveria ser fechada em “The Multiuniverse”, em 2003, que narraria sua guerra contra seu Deus antes de seu descanso eterno. Porém, o projeto foi abortado e o disco foi batizado apenas de “Voivod”.
O Início do Voivod
O quarteto começou ensaiando alguns covers de bandas como Raven, Motorhead, Thrust, Sex Pistols, AC/DC e Tank e nenhum material próprio era escrito. Porém, a banda só foi batizada de Voivod após Langevin explicar para os demais músicos o conceito que tinham em mente.
O primeiro show do recém-batizado Voivod aconteceu em 25 de junho de 1983, que foi gravado precariamente e lançado como uma demo tape intitulada “Anachronism” , ainda naquele ano. O material era recheado de covers, e mais três músicas originais, entre elas a a clássica “Voïvod” em sua forma primitiva.
No ano seguinte o Voivod mostra evolução na segunda demo tape, “To the Death!”, com mais dezesseis faixas gavadas num ensaio de janeiro de 1984, sendo a grande maioria de faixas originais, donde podemos destacar “War & Pain”, “Suck Your Bone”, “Nuclear War” e “Warriors of Ice”.
Logo essa fita chegaria nas mãos dos responsáveis pela Metal Blade que colocaria o Voivod na quinta edição da histórica coletânea “Metal Massacre”, com a faixa “Condemned to the Gallows”, ao lado de bandas como Omen, Attacker, Overkill, Fates Warning, Metal Church e Hellhammer.
Essa segunda demo tape seria importante, pois dela seriam desenvolvidas ideias presentes nos dois primeiros discos do Voivod.
“War And Pain” (1984)
O primeiro álbum do Voivod foi lançado pela gravadora Metal Blade Records. Intitulado “War And Pain”, o disco foi gravado e mixado no Le Terroir Studio de Quebec, entre os dias 19 e 27 de junho de 1984, numa mesa de oito canais usada originalmente para produzir jingles.
A capa já refletia bem esse conceito, com o personagem militar e distopicamente trajado, e nos shows o conceito bélico e desolador era levado aos palcos com um visual carregado inerente às bandas mais extremas daquela época.
Obviamente a incompreensão era esperada e eles experimentaram todo o tipo de acusação, desde clones de Motorhead e Venom até satanistas e nazistas/fascistas, simplesmente porque falavam de armas e guerras.
Nesse primeiro disco o Voivod amalgamava a crueza dos primórdios do thrash/speed metal enquanto desenhava influência que iam da NWOBHM ao crust/punk para emoldurar letras apocalíticas que gerava um conjunto difícil de assimilar na época.
O foco, além do conceito, era diferenciado, mas ainda guiado pela estética suja do peso e da velocidade, com destaque a músicas como “Voivod”, “Warriors of Ice”, “Suck Your Bone”, Blower” e “Black City”, que mais a frente influenciaria esteticamente bandas como Mayhem e parte daquela geração escandinava do black metal.
O primeiro show fora do Canadá aconteceu na divulgação de “War And Pain”, no dia 04 de abril de 1985, ao lado do Venom e do Cro-Mags.
“Rrröööaaarrr” (1986)
O segundo disco do Voivod daria continuidade à sonoridade apocalíptica de “War And Pain” (1984), mas já apontava para um caminho musical mais elaborado. As músicas do próximo álbum da banda já vinham sendo apresentadas em alguns shows, porém a relação com a Metal Blade não era das melhores e “Rrröööaaarrr”, lançado em 14 de março de 1986, já pela Combat Records.
As gravações ocorreram entre outubro e novembro de 1985, no L’Autre Studios, na cidade de Montreal, no Canadá, e a produção mantinha a estética tosca e diletante. Musicalmente, o Voivod demonstrava evolução técnica dentro de uma musicalidade extremamente agressiva e rápido, trazendo clássicos como “Fuck Off & Die” (uma mensagem direta à antiga gravadora), “Korgull The Exterminator”, “Ripping Headaches”, “Thrashing Rage” e “To the Death!”.
A turnê foi marcada por um show ao lado de Celtic Frost, Possessed, Nasty Savage e Destruction, num festival batizado de World War III. Foi também nessa época que o Voivod partiu para sua primeira turnê na Europa, ao lado do Possessed e do Deathrow, onde já apresentaram uma música do vindouro terceiro disco.
A Fase Clássica e a Lapidação da Musicalidade do Voivod
Os dois primeiros discos do Voivod, “War And Pain” (1984) e “Rrröööaaarrr” (1986), são construídos sobre as formas mais sujas, primitivas e barulhentas do thrash/speed metal, mas era claro que ali existia um diamante bruto a ser lapidado.
A evolução chegaria rápido e os tons estranhos de suas músicas foram transmutados numa forma vanguardista e progressiva do thrash metal já no próximos dois discos: “Killing Technology” (1987) e principalmente “Dimension Hatröss” (1988), seu melhor disco da carreira.
“Killing Technology”(1987)
Sem sombra de dúvidas esse é um dos discos mais peculiares lançados no auge do thrash metal e um marco inicial do experimentalismo dentro do thrash/speed metal. Em certa medida, o Voivod estava para o thrash metal da América do Norte assim como o Coroner estava para a Europa, mas de uma forma ainda mais vanguardista e estranha.
“Killing Technology” foi gravado entre outubro e novembro de 1986, numa Berlim dividida pela Guerra Fria, o que refletiu numa aura repressiva e cinzenta. O trabalho em estúdio iniciava a parceria com o produtor Harris Johns, conhecido pelos trabalhos com o Kreator, no MusicLab, que conseguiu dar uma impressão profissional ao instrumental direto e original do Voivod, que começava a explorar discretamente os flertes com o progressivo.
Segundo Away, ,novos caminhos foram explorados graças ao produtor, que acabou contribuindo para que a sonoridade do Voivod se tornasse mais personalizada e deixando a estética “tosca” num passado recente da banda.
Dentre as composições, destaque a “Ravenous Medicine”, “Overreaction”, “Forgotten in Space” e “Overreaction”, e que ajudam a colocar “Killing Technology”, lançado em abril de 1987, como um dos grandes discos do Voivod.
A turnê de “Killing Technology” foi feita nos Estados Unidos e na Europa ao lado do Kreator, mas a ideia para o próximo disco já estava sendo trabalhada.
“Dimension Hatröss” (1988)
O Voivod mostrava uma grande evolução a cada novo disco e o seu próximo disco iria levar o experimentalismo de “Killing Technology” (1987) a um patamar ainda mais alto. Quarto álbum em cinco anos, “Dimension Hatröss” foi lançado via Maze Music em junho de 1988.
O disco foi gravado novamente ao lado do produtor Harrys Johns entre dezembro de 1987 e janeiro de 1988 e trazia uma exploração complexa tanto em musicalidade quanto em conceito. Agora, eles traziam excentricidades do art punk, os tecnicismos do prog rock e uma psicodelia sombria/desoladora sobre uma estrutura bizarra de tempos rítmicos diluídos numa roupagem heavy metal.
Até por isso, não dava mais pra negar: o Voivod era uma uma banda de prog metal. Faixas como “Tribal Convictions”, “Chaosmöngers”, “Technocratic Manipulators” e “Psychic Vacuum” evidenciavam todos esses aspectos e faziam deste, o melhor disco do Voivod até então, com passagens elaboradas e viajantes.
Antes embarcarem para a turnê, Denis D’Amour foi diagnosticado com um cancer entre o cérebro e o nervo óptico. Logicamente, a turnê foi cancelada para que o músico se tratasse.
“Nothingface” (1989)
Nesse contexto biográfico, o próximo trabalho acabaria se tornando um dos mais importantes na carreira, com letras inspiradas por filósofos franceses e musicalidade altamente vanguardista para a época (tanto que Piggy foi associado a Robert Fripp, do King Crimson, pela sua forma de tocar guitarra).
Com um conceito mais introspectivo e psicológico, explorando o tema da paranoia sobre diferentes aspectos, o Voivod entregava seu trabalho mais exótico e experimental em 13 de outubro de 1989, via MCA, intitulado “Nothingface”.
A produção agora era de Glen Robinson e a gravação foi feita no Victor Studio em Montreal, no Canadá. A arte da capa dialogava mais uma vez com o conceito musical e lírico do disco. O repertório trazia o cover emblemático de “Astronomy Domine”, do Pink Floyd, ao lado de clássicos da banda canadense, como “The Unknown Knows”, ” Into My Hypercube” e “Missing Sequences”.
A estratégia de gravar esse cover do Pink Floyd foi certeira para colocar o nome do Voivod em evidência, pois rendeu um hit nas rádios e com clipe veiculado na televisão. Enfim a banda tinha o reconhecimento dentro do mercado fonográfico e pela primeira vez fez uma turnê pelos Estados Unidos como headliner em 1989, ao lado de Soundgarden e Faith no More.
No Canadá, o Voivod foi indicado a prêmios, como o Juno e o Felix Awards, esse último o Grammy canadense, e fez uma turnê com o Rush pelos estádios do país.
O Fim do Conceito
Com o próximo disco, “Angel Rat” (1991) o Voivod começaria a mudar seu caminho, principalmente no que tangia ao personagem principal de seu conceito, que à partir daqui seria abandonado.
A sonoridade também mudaria, com a banda se distanciando do thrash metal e seguindo um caminho mais acessível em termos de peso e agressividade, algumas vezes tendendo ao pop rock, mas a sonoridade progressiva ainda permanecia, muito pela direção dada pela produção de Terry Brown (Fates Warning e Rush).
Antes da gravação desse disco, a banda viu a saída do baixista Jean-Yves Thériault, que gravou as linhas de baixo como convidado e só retornaria em 2008. Nessa fase, o Voivod era um trio engajado numa vertente noventista do rock progressivo coeso e de muita qualidade.
As baixas não parariam por aí, pois o vocalista Denis Bélanger sairia após o próximo disco, “The Outer Limits” (1993), e retornaria apenas em 2001. Esse disco segue o caminho de “Angel Rat” e o grande destaque era novamente um cover do Pink Floyd, agora para “The Nile Song”.
Sem dois membros fundadores o Voivod via seu momento mais delicado desde sua fundação. Com a chegada do baixista/vocalista Eric Forrest a banda canadense iniciou sua fase como um trio completado pelos membros originais Denis D’Amour (guitarra) e Michel Langevin (bateria).
Os próximos álbuns vieram na sequência, amparado pelas possibilidades que a gravação digital dava aos artistas independentes. Após o interessante “Negatron” (1995), veio o mais empolgante dos discos noventistas do Voivod: “Phobos” (1997), com um cover para “21st Century Schizoid Man”, do King Crimson, e retomando a sonoridade analógica e mais pesada, numa mistura da sonoridade de “Angel Rat” com o peso de “Dimension Hatross”.
A turnê de “Phobos” foi marcada por um grave acidente com a van da banda em que Eric Forrest quase morreu, mas conseguiu se recuperar e retomar a turnê de divulgação do disco, mesmo caminhando com a ajuda de uma bengala.
Porém, ele teve que parar por determinações médicas e acabou deixando o Voivod, que chegou a finalizar atividades num curto período de 2001, mas logo recrutou Jason Newsted, egresso do Metallica, para o baixo, junto com o retorno do vocalista Denis “Snake” Bélanger.
Newsted ficaria no Voivod de 2001 a 2008, gravando os discos seguintes, “Voivod” (2003) e “Katorz” (2006), período em que a banda ganhou muita mídia, inclusive tocando no requisitado Ozzfest de 2004 (quando Jason também tocava na banda de Ozzy).
Em 2005, o guitarrista Denis “Piggy” D’Amour faleceu em decorrência de um avançado câncer no intestino, não sem deixar em seu computador várias trilhas de guitarra gravadas e com instruções de como a banda as usaria num novo disco de estúdio, que seria “Katorz” (2006). Denis D’Amour era um guitarrista que tinha uma abordagem única no instrumento, talvez com o estilo mais diferenciado do thrash metal.
O Voivod seguiu em frente com novos integrantes e lançou bons discos como “The Wake” (2018).
Leia Mais:
- Resenha | Voivod – “Lost Machine: Live” (2020)
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Banda diferenciada no cenário do metal, com vários discos que ainda preciso conhecer.