Por Som do Darma e Gaveta de Bagunças.
A banda Psychotic Eyes promete ir além da ousadia em “Olhos Vermelhos”, trabalho no que pode ser considerado o primeiro álbum de Death Metal acústico na história da música, trazendo também refinamento artístico, seja na escolha da arte da capa, ou na faixa-título baseada num poema de Luiz Carlos Barata Cichetto.
Além desta composição, ainda apresentam a inédita “Memento Mori”, bem como releituras de faixas de seu álbum de estréia autointitulado e do impressionante “I Only Smile Behind The Mask” (2011), mostrando, por violões e vocais guturais, que a banda continua sendo um “personagem antagônico a qualquer padrão pré-estabelecido” da nossa cena extrema.
Hoje, conversamos com Dimitri Brandi, vocalista e guitarrista do Psychotic Eyes, numa entrevista onde ele se mostra consciente e articulado sobre a atualidade do Heavy Metal contextualizada a temas como política, arte e preconceito.
Chegou a hora de falarmos de política dentro do metal. O estilo e seus fãs tem sido acusados de conservadorismo e de compartilharem pensamentos de extrema direita, radicais. Qual sua opinião sobre o assunto, sendo comunista e metalhead?
Dimitri Brandi – Uma vez eu fui a uma reunião da Juventude Comunista com uma camisa do Iron Maiden, The Trooper. Um cara olhou feio pra mim, viu a bandeira inglesa no desenho e comentou que aquilo não era som de comunista, que eu deveria ouvir MPB.
Antes que eu pudesse responder que uma coisa não tinha nada a ver com a outra, chegou um outro comunista com uma camiseta do Obituary, me falando que Iron Maiden era muito leve e comercial, e portanto capitalista, e que ele curtia mesmo era o som radical do death metal, ofensivo e revolucionário.
Ou seja, você sempre será criticado por quem quer te impor um pensamento e acha que tem o direito de dizer o que é certo e errado na vida dos outros. Conto isso para ressaltar que, se hoje sou discriminado no meio do metal por ser comunista, a situação já foi o inverso.
Mas eu acho que não há problema algum em ouvir metal e ter pensamentos políticos de esquerda ou de direita. O que eu não entendo é a apologia da intolerância. Uma coisa é o headbanger defender o mercado, o estado mínimo, ser contra programas sociais. Até entendo, embora não concorde. Mas ouvir metal e ser homofóbico, racista, machista, a favor da censura, é muito contraditório, pois o estilo prega uma mensagem de liberdade, de exaltação dos valores individuais, de união em torno de uma bandeira.
Essa igualdade pregada pelo estilo é incompatível com a intolerância que muitos demonstram. Mais surpreendente ainda são os headbangers que tem apoiado esse discurso de censura às artes, apoiando boicote de exposições, dizendo que determinadas manifestações artísticas são ofensivas e deveriam ser proibidas, dizendo que grafitti não é arte. Isso eu ouvi até de músicos de death metal.
Somos mais do que acostumados a ouvir gente criticando nosso estilo musical dizendo que “gutural não é música”, “metal extremo é só barulho”. Essas pessoas não aprenderam nada? Se consideram no direito de dizer que aquilo que não gostam deve ser proibido, sem pensar que a maioria da sociedade não gosta de metal, e que, portanto, nosso estilo musical vai ser proibido se esse pensamento prevalecer.
Uma vez li uma crítica sobre uma performance de uma transexual vestida de Jesus Cristo na parada gay. Quem criticava era fã do Mercyful Fate. Postei pra ele a capa do primeiro disco da banda, que é exatamente uma transexual crucificada como Jesus. O metal ser intolerante é uma contradição insolúvel.
Quem age assim não percebe que está dando um tiro no próprio pé, pois esse monstro que estão alimentando com moralismo hipócrita vai devorar o metal junto com um monte de outras conquistas da nossa civilização. A intolerância é inimiga do metal, como o demonstrou o recente episódio do Krisiun e Nervochaos, que enfrentaram dificuldades na Indonésia, ditadura capitalista teocrática.
Recentemente houve um show da banda Baby Metal com participação de Rob Halford onde juntos eles fizeram um medley de clássicos do Judas Priest. Num mesmo palco estavam três crianças asiáticas e um homossexual tocando heavy metal para uma grande plateia. O metal é mesmo conservador? Será?
Dimitri – O metal no Brasil proliferou na classe média branca e masculina, então o estilo aqui ainda é muito machista e elitizado. Mulheres só são vistas em shows se foram “as namoradas” dos headbangers. Bandas dificilmente têm mulheres e negros nas suas formações. Mas isso é específico do Brasil.
Na origem, o metal é negro, assim como o rock, música dos negros americanos. É também proletário, pois nasceu em bairros industriais da Inglaterra. Os músicos das primeiras bandas de metal eram o que hoje chamaríamos de excluídos da sociedade, gente que não tinha empregos de qualidade, nem educação formal.
Aliás, a sonoridade do metal surgiu porque o Tony Iommi, guitarrista do Black Sabbath, sofreu um acidente de trabalho. Ele era operário de fábrica e perdeu dois dedos numa máquina, o que o obrigou a tocar sons mais graves privilegiando acordes com menos notas, os nossos famosos “bicordes” ou “powerchords”.
Nisso ele copiou outro mutilado, o Django Reinhard, negro americano que tocava violão só com dois dedos também. Então não faz sentido alguém ouvir metal e ser contra operários ou negros.
Como também não faz sentido defender homofobia, pois a estética do metal tem uma origem gay, basta ver as roupas de couro, as correntes e pregos que colocamos na indumentária. Tudo isso veio do submundo gay sado-masoquista, e brilhantemente incorporado ao metal pelo Rob Halford, vocalista do Judas Priest.
Também impressiona haver metaleiro xenófobo, que esquece que nosso estilo musical é das poucas manifestações artísticas universais, que há bandas excelentes de metal em todos os países, independente da cultura, etnia, religião, sistema político ou econômico. Há excelentes bandas satanistas, ateias, agnósticas, cristãs, muçulmanas, budistas, umbandistas.
Uma das bandas de metal atual mais interessantes é o Orphaned Land, que mistura judeus, muçulmanos e cristãos, palestinos e israelenses. Eles merecem um Nobel da Paz!
Há músicos de todas as orientações sexuais. Uma das bandas de grindcore mais brutais é liderada por uma mulher transexual, que é o Cretin, banda cujo nome descreve muito bem alguns fãs de metal brasileiros que defendem esse tipo de discurso de ódio.
“O metal ser intolerante é uma contradição insolúvel.” Dimitri Brandi
Você acha que a arte, a música, e consequentemente o rock/metal, devem sempre se expressar e posicionar política e socialmente? Com tanta pressão social e existencial, arte que promove somente o entretenimento, a diversão, como meio de proporcionar prazer e qualidade de vida, não é válida?
Dimitri – “Sempre” eu não digo. A arte não deve ter limites nem regras que imponham o que é certo ou errado. Mas acho extremamente saudável quando a arte (não o artista, a opinião deles geralmente não me interessa) se posiciona politicamente.
“Guernica” é uma obra prima da arte universal e é um quadro político. “Para não dizer que não falei das flores” é um hino político de uma geração que conta mais sobre a história da ditadura militar do que muitos livros. “A lista de Schindler” é um filme inesquecível, documento histórico definitivo sobre o holocausto. Porque o metal seria diferente?
Basta ver a importância da política nas letras de metal para entender que nosso estilo tem um componente de indignação social muito forte e presente. “War Pigs” (Black Sabbtah), “Critical Mass” (Nuclear Assault), “Spiritual Healing” (Death), “…And Justice for All” (Metallica), a discografia inteira do Napalm Death, só pra citar os que me vieram imediatamente à memória.
Tentar criar um padrão para o que é certo e errado nas artes não é uma forma de censura?
Dimitri – São coisas parecidas. A arte tem como função emocionar, transmitir e provocar emoções. Obviamente, uma manifestação artística pode sempre ofender ou incomodar alguém. Pode parecer grotesco, feio, ofensivo, repugnante. Mas isso não dá o direito a ninguém de censurar.
O único limite que eu vejo, em que seria aceitável alguma censura, seria o discurso de ódio, a manifestação que tem por finalidade causar violência contra alguém. Mas isso afeta mais a imprensa do que a arte. Nunca vi uma música ser usada para isso, embora não seja impossível.
Normalmente, quando há discurso de ódio numa canção é na forma de ironia, denúncia ou paródia. Eu sempre digo: você pode achar grotesco e ofensivo o Cannibal Corpse descrever mutilações de zumbis canibais que participam de orgias necrófilas com cadáveres de crianças regadas a fluidos corporais e excrementos. Eu também acho nojento, mas adoro! E não aceito que ninguém me diga que isso não é arte, que não é música ou que deva ser proibido, pois eu tenho direito de ouvir o que eu quiser.
De que forma vocês, com o PsychoticEyes, se posicionam politicamente?
Dimitri – Na formação atual, eu e o Douglas, somos dois esquerdistas. Eu sou comunista, mas não sei se ele se definiria assim. Mas já tivemos integrantes de todas as matizes ideológicas, étnicas e religiosas.
Já tivemos músicos negros, orientais, ateus, agnósticos, evangélicos, de esquerda e de direita. Mas ninguém era intolerante, todos nós sempre nos respeitamos e sabíamos que não há crença melhor que a outra, certo ou errado, que não faz sentido discriminar alguém pelo que a pessoa pensa, pela origem ou pela orientação sexual.
Confira o Death Metal acústico apresentado por Dimitri Brandi e Douglas Gatuso… [youtube https://www.youtube.com/watch?v=KdHwlCgFTEg&w=560&h=315]
No Metal a consciência mercadológica prevalece. Bandas buscam contratos com gravadoras, comercializam diversos produtos relacionados a sua marca, procuram sempre se atualizar com as técnicas de produção contemporânea para se adaptarem a um processo de oferta-procura. Essa consciência vem sendo propagada há anos e parece ser a raiz da falta de coesão do segmento/movimento. Concorrência e não Cooperação. Você ainda acha ser possível – sem recorrer a utopia – que o Metal um dia possa ser um movimento de fato, unido, seja por uma causa social ou pela causa da diversão?
Dimitri – Não acho, pois estou muito pessimista. Acho que o rock e o metal estão no fim. Vão desaparecer em breve. Um dos motivos é o desaparecimento da música como mercadoria. O rock e o metal só viraram fenômenos de massa porque havia objetos que podiam ser comprados: LPs, CDs, camisetas. Hoje ninguém mais compra música, não existe mais suporte físico.
Os artistas são remunerados com shows. Mas para ter uma estrutura de mega show é necessário movimentar uma quantidade de dinheiro simplesmente impensável para uma banda underground. Além disso, o público do metal é extremamente conservador, não só na política.
Eu sou dos poucos que conheço que gosta de bandas novas, que tem seus discos favoritos entre os lançados nos últimos anos. A maioria dos headbangers não ouve absolutamente nada que tenha sido gravado depois de 1996.
Qual a última banda boa que surgiu para essas pessoas? System of a Down? Qual o último estilo de metal que surgiu? Nu metal, em 1996? Nos anos 2000 não surgiu nenhum estilo novo, e outros desapareceram, como o metal melódico ou o Gothic Metal sinfônico, tão populares nos anos 1990.
A exceção é exatamente nosso death metal acústico, por isso estamos tão confiantes nele. Por outro lado, também é muita responsabilidade tentar lançar um estilo novo num momento como esse, tão intolerante e conservador.
Se você fosse Marx nos dias de hoje, qual seria seu Manifesto do Partido Comunista Metaleiro?
Dimitri – O manifesto original continua atual. Denunciar as mazelas do mundo atual e sonhar com uma utopia é algo que não podemos perder. Não podemos ver as injustiças como “naturais” e achar que os sonhos são impossíveis. Pelo contrário, o que a história prova é que existe sempre uma eterna mudança. Ela pode ser para melhor ou para pior, cabe a cada sociedade estabelecer as condições para que a mudança seja em uma ou outra direção.
Apesar de estar muito pessimista ou desanimado, eu sei que a história me contradiz, a regra é a melhora. Não temos mais inquisição, tiranias ou escravidão, e nosso medo e desconforto atuais tem muito do medo de que essas coisas retornem.
Quando eu nasci, os principais problemas do Brasil eram a ditadura militar, a dívida externa e a hiperinflação. De uma forma ou de outra, nos livramos disso tudo. O que nos assusta é que parece que elas podem voltar. Mas nossa função, principalmente dos artistas, é manter viva a esperança. Quem sabe não resolveremos também os problemas que hoje nos afligem: violência, meio ambiente e desigualdade social?
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