As antigas religiões greco-romanas praticamente deixaram de pertencer à teologia, migrando para a alta literatura. Dificilmente você encontrará no mundo moderno um grupo que cultue as divindades do Olimpo (condição exemplarmente explorada por Neil Gaiman em “Deuses Americanos”), mas os episódios desta mitologia nunca cairão no esquecimento, e trabalhos como este “Power, Lies, and Death”, da banda Megaira, ajudam a resgatar os momentos de glória daquelas divindades, a começar pelo nome da banda, referência direta a uma das Erínias, ou Fúrias, deusas com as cabeças cobertas de serpentes que puniam, com tormentos secretos, aqueles que fugiam da justiça pública .
E encarnando o aspecto reverencial e amedrontador da deusa homônima, a banda oriunda do ABC paulista transita fluidamente por subgêneros do Heavy Metal, como Thrash, Death, e Black, além de se valer dos classicismos do Metal Tradicional e das texturas escandinavas do extremismo metálico para compor sua música, mas sem prender às circunstancias de nenhum destes rótulos, lidando apenas com suas essências entrecortadas por elementos sinfônicos.
Sendo assim, liberdade sonora e alta intensidade, são, sem dúvidas, as qualidades imediatas deste “Power, Lies, and Death”, seu primeiro álbum, que traz o Rei Minos de Creta, filho de Zeus e Europa, numa belíssima capa concebida por Leandro Furlanetto, personagem cuja história é narrada em “Power And Cruelty”, faixa responsável por deixar o álbum cativante desde o princípio.
A banda Megaira transita fluidamente por subgêneros do Heavy Metal, capturando a dramaticidade épica de uma Opera Rock, despindo-a dos exageros, e injetando peso, com conceito muito bem desenhado dentro da Mitologia Grega…
Aliás chama a atenção o trabalho gráfico limpo e altamente artístico, que já transmite todo o poder e energia épica emanados destas oito composições pré-produzidas por Luiz Portinari, e produzidas por Thiago Oliveira, que conseguiram capturar a dramaticidade de uma Opera Rock, despindo-a dos exageros.
E no decorrer destas faixas teremos um Heavy Metal poderoso, intenso, e dinâmico, com destaque instrumental à versatilidade técnica do guitarrista Paulo Melo, dono de destreza nas evoluções fluidas ao misturar subgêneros do Heavy Metal (com destaque ao equilíbrio da fórmula atingido em “End of Reign (Begin in Judgement)”), e também aos elementos sinfônicos que estão inteligentemente utilizados e estrategicamente dispostos (preste atenção aos detalhes de “The Fall of Minotaur”), conferindo todo o clima grandioso necessário para o desenvolvimentos do conceito.
Faixas como “Corona Borealis” (com diferenciadas linhas de baixo de Tiago Souza), “Dedalus And Icarus’ Escape” (essa um Death Metal em trajes épico-mitológicos), “Ariadne’s Thread”, e “Erinyes” completam o repertório capaz de capturar a dualidade “luz-e- trevas” inerente ao conceito, com naturalidade, numa costura entre as formas noventistas e oitentistas de se praticar o Heavy Metal.
Confira o a abertura “Rising of The King” e a faixa “Power and Cruelty”… [youtube https://www.youtube.com/watch?v=rLUI_t4lkDA&w=560&h=315]
Outra característica importante na personalidade musical da banda é a alternância entre vocais guturais e femininos, que não é novidade no metal, mas que aqui se mostram muito funcionais, ajudando na ambientação epopeica, com destaque à abordagem forte, bélica e austera de Annia Bertoni, longe do usual lirismo clichê do beauty and the beast, conseguindo imprimir melodias imperativas que contrastam com o áspero vocal gutural de Paulo Schmidt.
Por fim, não posso deixar de mencionar as letras, que são a parcela de brilhantismo maior de “Power, Lies, and Death”, bem construídas dentro da estética operística, dando voz e vida a personagens mitológicos com diálogos bem escritos e encaixados na métrica do metal conciso praticado pela Megaira. Por isso, obrigue-se a estar com o CD em mãos, acompanhe as letras, e absorva toda a grandiloquência do trabalho.
Sem dúvidas, a banda transborda talento neste primeiro álbum, com grandes méritos e evidenciando enorme potencial para crescimento, bastando alguma lapidação e maior ousadia técnica na construção de sua identidade musical para atingirem um nível internacional.
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