Nelson Rodrigues – Resenha de “O Casamento” (1966)

 

“Se cada um conhecesse a intimidade sexual dos outros, ninguém falaria com ninguém”. Esta frase que abre nosso texto é um perfeito exemplo da crueza com que Nelson Rodrigues desfia sua crônica filosófica acerca da sociedade em que viveu, principalmente neste romance intitulado “O Casamento”.

Nelson Rodrigues - O Casamento (1966)

Rotulado de pornográfico, Nelson tinha uma perspicácia sobre a natureza humana e uma coragem tão perturbadora em sua forma de escrever, que tornava sua narrativa polêmica pela simples atitude em apontar os mais podres segredos do ser humano, seus pensamentos mais pecaminosos.

Além de mexer e remexer com tabus e preconceitos de sua contemporaneidade.

Nelson Rodrigues nasceu no Recife e se consagrou por ter revelado o homem moderno e urbano brasileiro, num diálogo que transcende nossas fronteiras.

Ainda adolescente começou a exercer o jornalismo, área em que se destacou como cronista e comentarista esportivo.

Escreveu dezessete peças de teatro, além de contos e romances.

Muitos dos seus textos em prosa foram adaptados para o cinema e para a televisão, o que reforça a vitalidade de sua obra e o interesse que ela desperta há várias gerações.

“O Casamento” é o primeiro e único romance da vasta obra de Nelson, que explora temas ácidos como adultério, incesto, assassinato e falso moralismo, escrito em dois meses de 1966, e censurado pela ditadura militar pouco tempo depois de publicado, sendo considerado subversivo e indecoroso.

Só esta contextualização histórica reflete a coragem de Nelson Rodrigues como narrador de uma época!

Passado num espaço de vinte e quatro horas, na véspera do casamento de Glorinha e Teófilo, Nelson usa toda a sua agudez narrativa e humor sarcástico para desenvolver, neste livro, os eventos que sucedem ao aviso que o médico da noiva dá a Sabino, pai dela: seu futuro genro foi flagrado em um incidente homossexual.

Talvez, para hoje, este gatilho não seja tão impactante, mas o exercício da contextualização da época começará aí e se fará necessário ao longo de toda a obra.

Caso contrário, além de todos os adjetivos malditos que Nelson Rodrigues colecionou em sua vida, ainda agregará as ofensas de hoje: homofóbico, misógino, machista e elitista.

Afinal, aos olhos modernos, o preconceito transborda destas páginas, mas ele é fruto dos costumes de sua época, como uma ponte entre dois mundos “aparentemente” distintos.

“O casamento” é uma obra encomendada por Carlos Lacerda (nome importante da história do Brasil, e criador (em 1965) da editora Nova Fronteira), e seus diálogos diretos e incisivos como golpes de esgrima, em meio a uma trama cheia de reviravoltas, tensões e personagens psicologicamente complexos, ajudaram a catapultar o sucesso do livro em poucas semanas.

Além disso, a cadência teatral tão natural a um dramaturgo do quilate de Nelson, torna a leitura fluida e envolvente, mesmo quando somos expostos a momentos mais bruscos e ásperos dentro da narrativa.

Esta fluidez envolvente ajuda Nelson a brincar com elementos como traição, desejo, culpa e poder com maestria tamanha, que chega a nos fazer questionar o alicerce de certos valores morais.

Talvez isto seja o mais ultrajante nesta obra, o que ela causa no leitor e não necessariamente o que ela apresenta ao leitor.

Enfim, este é um livro ultrajante! Mas sejamos honestos e sinceros…

Quem não gosta de ser voyeur do ultraje?

Nelson tinha total ciência deste nosso enlameado prazer e boa parte de sua obra, incluindo este solitário romance, nos oferece a melhor poltrona para nosso deleite.

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1 comentário em “Nelson Rodrigues – Resenha de “O Casamento” (1966)”

  1. Adorei a resenha,li o livro faz tempo,mas lembro de ter gostado muito.Tinha lido ”Meu Destino é Pecar”,que ele escreve com pseudônimo feminino e lembro de não ter gostado nada.

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