“Matinta, O Bruxo” é um romance de Paulo César Pinheiro fruto do amálgama das letras de “Matita-Perê” e “Sagarana”, duas canções em que suas em parceria com Tom Jobim e João de Aquino, respectivamente.
Quando vi este livro disponível numa banca de uma rede de supermercados na oferta de três livros por apenas R$10,00, não tive dúvidas em levá-lo, afinal sabia da história do poeta e compositor Paulo César Pinheiro na música brasileira.
Em 1968, com apenas 19 anos ele venceu a Bienal do Samba, com “Lapinha”, em parceria com ninguém menos que Baden Powell, posteriormente imortalizada numa versão de Elis Regina.
Obviamente, sua importância para a música brasileira merece um texto apenas para sua apologia, mas é importante para a resenha de “Matinta, O Bruxo”, seu segundo romance, lançado em 2011, recordarmos aquele 1968 e um pouco mais do viés musical de Paulo César.
Naquele mesmo ano, “Sagarana”, composição em parceria com João de Aquino e que participaria do III Festival Internacional da Canção, chamaria a atenção de Tom Jobim, quiçá o maior nome da música brasileira naqueles tempos, resultando num convite para dividir a lavra de “Matita-Perê”, composição magnífica que intitula o álbum de Tom Jobim que apresentou o clássico “Águas de Março”.
Nessa época Paulo César Pinheiro tinha pouco mais de vinte anos e já adentrava no clube restrito dos grandes compositores do Brasil.
Pois bem, “Matinta, O Bruxo” é um romance fruto do amálgama das letras de “Matita-Perê” e “Sagarana”, fortemente inspirado pela forma literária de Guimarães Rosa, principalmente pelo uso constante de neologismos materializados pela linguagem popular sertaneja, além de uma cadência poética envolvente da narrativa, com aroma de terra fértil e folhagem orvalhada.
A ideia de Tom Jobim era contar uma história sertaneja de perseguição e nasceu após ler o conto “O Duelo”, do livro “Sagarana”, de Guimarães Rosa, o que o fez pensar em Paulo César Pinheiro de imediato para criar os versos de sua composição, recheados de citações à literatura brasileira.
Algo que se deve aplaudir neste livro é a habilidade de Paulo César em manter a visão nem sempre nítida, às vezes onírica da narrativa, explorando de modo muito sensível e brilhante os medos e urgências do perseguido que busca informações de seus perseguidores nos boatos cultivados pelas terras em que passa.
Na canção, o clima incerto e épico do desfecho é alimentado pela mudança na tonalidade da instrumentação, quase sempre um tom abaixo, à medida que as estrofes evoluem.
Já no livro, este clima é dado pela transformação que o personagem sofre ao longo de sua jornada, inaugurada com a fuga de um João, rebatizado de Chico, um homem traído que lavou, violentamente, sua honra com o sangue do filho de Coronel interiorano, numa epopeia que mostra como um homem pacato evolui para um demônio à partir de eventos inesperados.
João fugia e os jagunços iam atrás! Impossível ler essa frase e não lembrar da abertura de “O Pistoleiro”, de Stephen King.
Alegoricamente requintado, na escola de “Grande Sertão Veredas”, e dono de um continuísmo onírico que envolve a trama numa nuvem lírica embaçada pelo uso de um dialeto interiorano, o que temos é apenas um conto de fuga por vilas e corrutelas do sertão.
E aí está toda a beleza deste pequeno livro.
A genialidade que nasce da simplicidade.
Aqui é a forma que dá primazia ao conteúdo muito bem ilustrado em carvão.
Explorando lendas e causos de pequenas comunidades, passamos até mesmo por uma cidade fantasma amaldiçoada pela ganância do garimpo, num roteiro contextualizado temporalmente numa época em que instantâneos eram modernos.
Nesta narrativa incisiva e rápida, destaca-se a sabedoria popular encarnada pelo “Agnóstico Amâncio”, um “mentor espiritual nos aramaicos textos sagrados do sertão analfabeto” registrados no “Evangelho Oral”, como bem define Paulo César Pinheiro.
Toda esta desventura de João, rebatizado de Chico, chamado Antônio, assinando Horácio, vulgo Simão, conhecido como Tião, é assistida e velada por Matinta, o pássaro bruxo, cujo canto místico oferece amparo e orientação até o fim. “Lá no todo-fim-é-bom, se acabou João”.
Culturalmente, Matinta Perê é uma entidade que faz parte dos mitos populares brasileiros, que assume formas diversas.
A forma de ave que aparece no livro e na canção guarda os espíritos dos mortos e as almas dos defuntos, ilude as pessoas com seu canto e nunca se sabe realmente onde ele está.
Seu pio é desnorteador e ele é um gênio maléfico, de mau agouro.
A mesma entidade aparece também na forma de um duende negrinho nu, de uma perna só e que usa carapuça vermelha, conhecido como Saci Pererê.
Busque conhecer essa pequena gema da literatura nacional, vale muito a pena!
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Paulo César Pinheiro é o letrista mais fértil da MPB,como escritor eu não conheço.