A banda mineira Cartoon desde sua gênese em meados dos anos 1990 mesclou sonoridades e texturas típicas da música mineira com o rock de características setentistas, evoluindo das formas progressivas às mais alinhavadas ao hard rock, encharcando seus andamentos criativos de bucolismo e uma coesão imprevisível.
Neste contexto sua discografia apresenta uma maturidade crescente, passando por álbuns como “Martelo” (1999), “Bigorna” (2002), “Estribo” (2008) e “Unbeatable” (2013), num espectro musical de larga amplitude, inteligência como compositores, e diversidade de sabores celtas e indianos.
“V”, lançado em 2017, é, como o próprio título indica, o quinto disco da banda, enaltecendo ainda mais a inquietude que rende a constante mudança na sonoridade da discografia da banda.
Nestas treze novas faixas voltam a resvalar nos elementos progressivos, por vezes folk, como em “Sweet, Sweet Dreams” (um meio termo entre Pink Floyd e Supertramp), mas o mais certo seria encaixá-los no classic rock.
Pegue faixas como “Free Your Mind” (com vibe country rock deliciosa) ou até “Go Get it Boy” (destaque aos vocais mais crús de Rodrigo Garcia), com almas musicais disputadas pelos demônios de Beatles, e Rolling Stones.
“A Dream of Hope” é uma abertura que carrega o requinte nos arranjos guiados por melodias bem criadas por ganchos saborosos, como se o America se fundisse à The Band.
E por aí fica evidente que o Cartoon conseguiu forjar uma identidade marcante neste “V”, mesclando uma gama de influências com a sua personalidade musical, sem perder um pingo de sensibilidade para compor melodias, tanto emocionais (como em “Hey Mist”, uma faixa com um “q” de Cat Stevens) quanto empolgantes (como em “It Doesn’t Matter The Cost”).
Mesmo que os Beatles possa ser um bom indicador, fica a certeza de que o Cartoon segue apenas as próprias regras.
Pegue por exemplo, “Lord of Ages” ou “Generation Y”. Enquanto a primeira é uma balada com clara influência das composições de Paul McCartney, a segunda tem a cara das baladas da era de ouro de Elton John.
Todavia, ambas com vida própria dada pelos detalhes inteligentíssimos e criativos, além da voz de Khadu Capanema, que dá um show de interpretação, principalmente em “Generation Y”.
Já “Brother Richard” ecoa melodia estradeira do southern rock, sendo, ao lado de “Born In Summer” (de melodias mágicas), “When Life” (seria exageram pensar numa mistura melódica entre Richard Carpenter e David Bowie?) e “Fading and Falling” (introspectiva e emocional, com arranjos de cordas que chegam a lembrar o mestre Nick Drake), os pontos de máximo do repertório.
Nesse sentido, “V” é uma aula de timbres, instrumentação, e texturas de rock, guiada pelo vasto espectro da música folk, sem dúvidas um fruto da liberdade para experimentações que ter o próprio estúdio provém, dando tempo certo de maturação à busca de sonoridades.
A participação do quarteto de cordas mineiro Rockin’ Strings contribuiu fortemente para o requinte de certas aclimatações, assim como os arranjos de vozes, que são brilhantes e de extremo bom gosto, além das timbragens perfeitamente contextualizadas à proposta.
Além disso, “V” é claramente um fruto do desenvolvimento natural do último disco, principalmente nas formas mais acústicas, que até remontam, em pequenas doses, para os álbuns “Martelo” (1999) e “Bigorna” (2002).
Aquele espírito do folk rock setentista está aqui (em “Shades of Morning”, por exemplo), encarnado num corpo musical moderno e assustadoramente orgânico,de vibrações sessentistas.
Sem dúvidas, o Cartoon superou todas as expectativas em “V”, atingindo um altíssimo nível técnico e de maturidade, além de atingir aquela magia necessária para confeccionar o melhor disco de sua carreira !
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