“Alucinação”, clássico segundo disco do compositor cearense BELCHIOR, é nossa indicação de hoje na seção VOCÊ DEVIA OUVIR ISTO, cuja proposta você confere nesse link.
Definição em um poucas palavras: Acústico, Adulto, Bucólico, Classudo, Contra Tudo Isso Que está aí, Som Brasil, Regional, Pra Encher a Cara.
Estilo do Artista: Música Popular Brasileira.
Comentário Geral: Pense num nome da música que tenha voz fora dos padrões, mas seja um exímio poeta de versos assimétricos.
Esse mesmo compositor era um artesão de canções que guardavam um alto grau de contestação, apesar da beleza lírica e harmônica.
Podemos ainda o proclamar um arauto das adversidades cotidianas ou executor musical de apologias à liberdade e foi regravado pelos maiores nomes da música de seu país.
Se isso fosse um truque de mágica, eu, como sugestionador do seu pensamento, diria que pensastes em Bob Dylan.
Sim o trovador americano cabe, como poucos, no mundo delimitado por tais virtudes.
Mas hoje não é sobre ele que discorreremos. Nosso alvo é o compositor brasileiro que mais se aproxima de Mr Dylan: Belchior e seu segundo disco, “Alucinação”.
Mesmo antes de gravar esse clássico álbum, o cearense Belchior já era cotado como um dos grandes compositores daquela rica geração nordestina, que rejuvenesceu a então pré-moldada e encarquilhada Música Popular Brasileira de meados dos anos 70.
Seu primeiro álbum é datado de 1974, lançado pela Chantecler, mas que não havia dado em nada apesar de ótimas composições como “A palo seco”, “Todo sujo de bato” e, principalmente, a contestadora “Na Hora do Almoço”.
Nesta mesma época, uma grande canção de sua autoria em parceria com Fagner já havia ganhado vida na voz de Elis Regina: “Mucuripe”, que aparecia no disco “Elis”, de 1972, ao lado de outras excelentes músicas como “Casa no campo” e “Cais”.
O apadrinhamento de Elis seria determinante para que Belchior alçasse voo numa carreira brilhante e foi através dela que ele conheceria o produtor Mazzola, que o levaria para a Philips, gravadora que havia lançado, sob a batuta do mesmo produtor, Raul Seixas e Sérgio Sampaio, além da carreira solo de Rita Lee, nos anos anteriores.
“Como Elis sempre gostava de incluir novidade em seus discos, dando oportunidade a compositores desconhecidos, foi em um dos nossos encontros para a escolha de repertório que ela me apresentou um cearense, com voz bastante anasalada chamado Belchior. Ela me disse que gostaria de colocar duas músicas dele em seu novo show: ‘Como Nossos Pais’ e ‘Velha Roupa Colorida'”, contou o produtor Mazzola em sua autobiografia.
As duas músicas apareceriam no clássico disco “Falso Brilhante”, lançado por Elis em 1976, com uma interpretação histórica para “Velha Roupa Corida” e “Como Nossos Pais”, ambas aclamadas como um sucesso da MPB e estourada em todas as rádios do país.
Com o alarme disparado pela experiência em descobrir talentos da música brasileira, Mazzola foi conversar com Belchior e após um desabafo do produtor sobre o mercado musical da época, o compositor tocou uma emocionada cancão intitulada “Apenas um Rapaz Latino-Americano”.
Naquele momento, ainda não havia um contrato proposto a Belchior, apenas uma conversa com um produtor da Philips, mas o compositor já estava mais distante daquele pintor de quadros oriundo de Sobral, no Ceará, do que da lenda que se tornaria em poucos anos.
Ali naquela reunião Belchior também apresentou “Galos, Noites e Quintais”, que junto às outras três, “Apenas um Rapaz Latino-Americano”, “Velha Roupa Corida” e “Como Nossos Pais”, foram gravadas numa fita demo no estúdio reservado para Mazzola.
O produtor apostava no talento de Belchior, mas a gravadora não estava assim tão animada. Isso, unido a uma planejada, mas não comunicada, ida de Mazzola para a Warner, fez com que o contrato proposto a Belchior fosse de apenas um ano.
Na verdade, Mazzola já tinha em mente pedir demissão da Philips para se juntar a André Midani na Warner e estava apostando alto em Belchior como o primeiro artista da futura multinacional fonográfica a aportar no Brasil.
“Como eu tinha muita fé no trabalho dele e queria leva-lo comigo, assinamos dois contratos: o primeiro de um ano com a Polygram, e um outro contrato, este de gaveta, de três anos, com a Warner. Este último entraria em vigor após o encerramento daquele que estava sendo assinado com a Polygram”, lembraria Mazzola também em sua autobiografia.
Com tudo acertado, Belchior foi para o estúdio com um repertório forte e sairia dele com o disco “Alucinação”. As duas músicas de trabalho eram “Apenas um Rapaz Latino-Americano” e “A Palo Seco”, e logo seu timbre anasalado, sua emoção crua e sua poesia realista ganharam as rádios do país.
“Alucinação” é o grande ápice da carreira de Belchior. Neste conjunto de canções seu estilo é forjado com doses cavalares de espirito interiorano e sonoridades rurais, emoldurados em desenhos musicais urbanos, com timbragens elétricas contrastando aos arranjos acústicos.
Impossível não mencionar as inserções de gaita e múltiplos instrumentos de corda.
Parafraseando o compositor, este álbum é um delírio com coisas reais, como fica claro na épica canção “Como Nossos Pais”, uma forte crítica à juventude setentista que ansiava por uma liberdade que desconhecia e que transitava, quase que por teletransporte, do idealismo adolescente para as responsabilidades da realidade adulta.
Abrindo esta pérola musical temos o hino setentista “Apenas um Rapaz Latino Americano”, canção dona de uma narrativa autobiográfica criada com versos antológicos e marcando forte um traço importante de “Alucinação”: o sentido inverso que as mensagens caminhavam, em comparação aos expoentes musicais da época.
“Velha Roupa Colorida” e “Como o Diabo Gosta” são outras claras exibições deste fato, se contrapondo aos versos de “Alegria, Alegria” e às mensagens utópicas e por vezes amorfas das canções da trupe liderada por Caetano Veloso.
“Alucinação”, a faixa-título, traz versos que cabem nos dias de hoje sem ajeitar uma única palavra e junto a ela ainda podemos destacar “A Palo Seco” e “Fotografia 3×4” como exemplos da fusão de música brasileira, rock, canções folk, voz confortavelmente fora do padrão e muita poesia concreta.
Em suma, “Alucinação” é um disco tão intrinsecamente pessoal, autobiográfico, que não é exagero vê-lo destacado na discografia de Belchior, como o diamante mais valoroso.
Até por isso, apesar das inúmeras interpretações que houveram de suas canções, Belchior é o seu melhor e irretocável intérprete de qualquer uma das composições deste disco, incluindo as versões de Elis Regina.
E, por fim, deveríamos, nestes tempos modernos, aprender com Belchior e não nos interessarmos por nenhuma teoria, apenas nos delirarmos nas coisas reais.
Ou seja, amar e mudar as coisas deveria nos interessar mais!
Ano: 1976
Top 3: “Apenas Um Rapaz Latino Americano”, “Como Nossos Pais” e “Alucinação”.
Formação: Belchior (Violão e voz), José Roberto (Arranjos, piano, órgão, sintetizador), Paulo César (Baixo), Antenor (Violão, viola, guitarra), Marco G (bateria) e Ariovaldo (Percussão).
Disco Pai: Bob Dylan – “Bringing It All Back Home” (1965).
Disco Irmão: Ednardo – “O Romance do Pavão Mysteriozo” (1974).
Disco Filho: Engenheiros do Hawaii – “Minuano” (1997).
Curiosidades: Os álbuns irmão e filho estão intimamente ligados ao disco “Alucinação” por trazerem interpretações para duas canções distintas.
Ednardo nos brinda com uma versão cortante e emocional de “A Palo Seco”, que também aparece no disco “Ave Noturna” (1975), do Fagner, e o Engenheiros do Hawaii fez uma bela versão para “Alucinação”, em 1997. Humberto Gessinger, líder da banda gaúcha inclusive declarou: “Belchior me fez acreditar que é possível compor de forma simples e em apenas uma frase dizer tudo.”
Pra quem gosta de: Pouca teoria, noites e quintais, latino-americanos(as), autobiografias e cerveja.
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”Como Nossos Pais” só tem a força que tem porque ganhou a interpretação fulminante da maior cantora do Brasil;no mais,a análise do álbum é fantástica,muito bem escrita.