Angra – “Templo das Sombras” | Resenha da Graphic Novel

 

“Templo das Sombras” é uma graphic novel baseada no conceito abordado no clássico “Temple of Shadows” (2004), quinto álbum da banda Angra.

Abaixo você lê nossa resenha deste material lançado pela editora Estética Torta, em 2022.

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Este trabalho me causou duas sensações distintas. A primeira é de que “Templo das Sombras” é uma nova e interessante dimensão do disco “Temple of Shadows” da banda Angra, funcionando como uma terceira dimensão do disco quando experimentados em conjunto (foi um ótimo exercício acompanhar a história de forma encaixada ao passar das músicas).

Em contrapartida, apesar do conceito interessante, a graphic novel não funciona por si mesma para um fã apenas de quadrinhos, sem a parcela musical com a qual esta atrelada, me deixando dúvidas se ela atingirá um publico alheio ao do Angra. Mas vamos argumentar isso com um pouco mais de calma, pois existe uma outra questão, além destas duas, com relação a esta graphic novel que quero abordar também.

Como um dos discos mais emblemáticos de sua discografia, “Temple of Shadows” é uma espécie de clássico não só do Angra, mas de todo o heavy metal nacional. Muito da força deste seu quinto álbum de estúdio vem da forma com que amarraram o conceito das letras com a moldura instrumental, junto a interpretação dos vocais, e vem impressionando a todos que se dignam a ouvir o material com a atenção devida desde que foi lançado em setembro de 2004.

As letras de “Temple of Shadows”, escritas pelo guitarrista Rafael Bittencourt, narravam a história fictícia de um cavaleiro conhecido como “The Shadow Hunter” (O Caçador da Sombra) que se une ao exército convocado pelo Papa para participar da Primeira Cruzada (1096-1099). Durante sua saga, ele passa por conflitos que o fazem refletir sobre a guerra santa da qual participa e os ideais da Igreja Católica, colocando sua devoção a prova. Após ver tanta matança em nome de Deus durante a “guerra santa” entre a Igreja Católica e os muçulmanos, no século XI, o personagem começa a questionar as estruturas do poder eclesiástico e parte numa jornada de questionamentos, com intuito de dar novo sentido à sua fé.

Ouvindo o disco agora, depois de muito tempo, me veio a ideia de que “Temple of Shadows” é um disco que daria um bom livro de apelo místico-filosófico, nos moldes de um “Zanoni” de Edward Bulwer-Lytton , “o Peregrino” de John Bunyan, ou até mesmo “A Erva do Diabo” de Carlos Castañeda. Longe de mim querer igualar estas obras clássicas ao conceito do disco, mas não deixa de ser uma verdade que existe uma discussão filosófica de cunho hermético sob a superfície da história narrada por Rafael e que poderia ser desenvolvida numa obra com um pouco mais de fôlego, como um livro.

Não que a graphic novel “Templo das Sombras”, que chega dezessete anos depois do lançamento de “Temple of Shadows”, tenha feito isso, mas aqui existe elementos que corroboram minha impressão criada enquanto eu ouvia o disco novamente.

No prefácio, temos uma explicação do que é, de fato, o templo das sombras: “o mundo interior, enorme, solitário, escuro e vazio que a razão é incapaz de decifrar”. Para mim Rafael esta falando sobre o ser humano além da terceira dimensão aqui e quando ele diz que “o mundo anterior é agora o mundo interior” ele me parece sintonizado com um dos mais conhecidos princípios herméticos. A forma com que o dualismo é trabalhado na figura de Lúcifer é outro ponto ponto que me parece algo de quem refletiu sobre conceitos herméticos como gênero, ritmo e polaridade. Além disso, “Deus Le Volt”, ou seja, “Deus está em todo lugar” é uma bela forma de sintetizar o TODO dos hermetistas.

Parece que estou viajando muito, mas esse trabalho gráfico de “Templo das Sombras” trouxe ainda uma quarta dimensão para o disco do Angra, ou seja, vai além de poder visualizar a história. Para mim, um constante estudante das filosofias esotéricas, um buscador das experiências espirituais, o conceito do disco que originou o roteiro desta graphic novel é uma alegoria, até simples na sua primeira camada (isso é fato, mas todas elas sempre são), para a filosofia que frutificou de uma mente questionadora que esta sintonizada com a natureza transcendental do universo; às voltas com questões além desta dimensão material por ter enxergado, através de sugestões externas ou inspiração interna, que tudo está interligado, mesmo aquilo que não podemos explicar.

Para finalizar esta primeira análise mais, digamos, esotérica, além destas observações serem o que realmente me prendeu à graphic novel, não posso deixar de citar a frase “A fé é a vela que ilumina o cominho e o sopro que conduz o barco” presente no prefácio, pois pra mim o simbolismo da vela é muito significativo para aqueles que buscam a evolução espiritual: a vela queima a si mesma como combustível para que a luz surja.

Enfim, nas histórias mais simples vemos símbolos de grandes verdades camufladas e apresentadas aos olhos de quem “sabe ler”. Na época do lançamento eu não conseguia ler esta segunda camada da história, que para cada um aprece diferente pois depende de nossa busca pessoal. Nesse sentido, “Templo das Sombras” é um bem vindo ensinamento esotérico de transformação pessoal pela fé, e aqui é importante ressaltar que não estamos falando de fé religiosa. Ou seja, pode até ser uma história simples, mas está longe de ser rasa.

graphic novel conta exatamente a história narrada no disco num ritmo que permite lê-la enquanto as músicas avançam, terminando juntos quase no mesmo tempo (isso varia de acordo com a velocidade da leitura, consegui sincronizar apenas na terceira vez).

“Templo das Sombras” foi produzida por um trio: o próprio Rafael Bittencourt (autor da história), Felipe Castilho (roteirista e escritor, finalista do prêmio Jabuti por duas vezes), e Ale Santos (ilustrador). O lançamento ocorreu em 2022 pela editora Estética Torta e aqui um elogio ao acabamento em capa dura e papel de extrema qualidade, se tornando uma peça de colecionador para os fãs do Angra, certamente.

Apesar da arte ser de extremo bom gosto, a caracterização dos personagens estar muito bem feita (com movimentos realistas e rostos expressivos), a paleta de cores muito bem escolhida e termos mudanças estéticas para as várias partes da história bem colocadas, tenho sérias dúvidas se a graphic novel funciona por si só e chamará a atenção de fãs de quadrinhos alheios à obra do Angra.

Isso porque a dinâmica é um tanto truncada, o que prejudica o ritmo da narrativa. Porém, é um mal necessário para encaixar na proposta de sincronizar a leitura com o desenvolvimento do que ouvimos no disco. Por ser uma adaptação muito fiel ao disco esta sensação de que ficou tudo meio “corrido” talvez tenha sido um efeito colateral. E por isso eu não acho que o material funcione por si só, ele precisa estar acompanhado do disco para compensar a dinâmica que teria um quadrinho com ritmo mais lento e cadenciado.

Ou seja, se você é fã do Angra pode ir atrás de “Templo das Sombras” sem medo, pois a satisfação é garantida! Caso contrário, aconselho ouvir o disco primeiro. O que é sempre bom!

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