Me lembro como se fosse hoje quando “ganhei” o LP “The Alice Cooper Show”, meu primeiro vinil. E era só vinil mesmo, não tinha capa, já colecionava alguns arranhados e viera dentro de outra capa. Coisas que aconteciam no século passado. O que importa é que aquele disco mudou minha percepção musical aos onze anos.
Afinal, um cantor com nome de mulher, que conseguia ser macabro em “Black Widow”, “Go To Hell” e “I Love The Dead”, mas que também podia ser “romântico” em “I Never Cry”, “Only Woman Bleed” e “You and Me” ainda era inédito em meu universo.
Contei esta passagem, pois além de ser importante para sedimentar meu amor pela música, em especial pelo Rock, justifica o fato de eu não conseguir ser imparcial com qualquer trabalho que a Tia Alice venha a lançar, pois existe uma ligação sentimental com seus discos.
Isso posto, vamos ao que interessa.
“Paranormal” vem coroar as quase cinco décadas de carreira de Vincent Damon Furnier, se contarmos à partir de seu primeiro álbum com o Alice Cooper Group, além da incrível marca de vigésimo sétimo álbum de estúdio de sua carreira.
Confira o lyric video da faixa-título… [youtube https://www.youtube.com/watch?v=NlEcM53kj_I&w=560&h=315]
E longe de nos apresentar discos inócuos que só preenchem lacunas numa discografia saudosista, Alice Cooper ainda consegue trazer relevância a sua forma de Hard Rock, olhando para as raízes roqueiras de sua carreira, mas de modo instigante e cheio de personalidade.
A faixa-título dá cores iniciais ao trabalho, com a participação ilustríssima de Roger Glover (Deep Purple e Rainbow) no baixo, e apresentando a tradicional dramaticidade cinematográfica de Alice Cooper, através de guitarras épicas, e variações de andamentos que remetem à estruturação dos musicais da Broadway.
E esta veia teatral e dramática será repetida nas impecáveis “Paranoiac Personality” (com um clima inicial lembrando os primeiros trabalhos do Alan Parsons Project) e “Holy Water” (aqui onde estes aspectos atingem o ápice, com linhas vocais instigantes, instrumental endiabrado e naipes de metais preciosos), mas neste álbum sua interpretação está diferente, mais despida de maneirismos, além dos arranjos das composições se mostrarem imprevisíveis em sua estrutura.
Neste âmbito estrutural, a participação do baterista Larry Mullen Jr. (U2) foi peça chave, afinal sua lógica musical é diferente do usual ao Hard Rock, dando um sabor mais exótico à proposta de Alice Cooper, sem descaracterizá-la. A dinâmica construída é inteligente e inesperada, mesmo quando guiada por elementos familiares.
Por estas particularidades fica claro que “Paranormal” é um álbum que se torna grandiloquente pela sobreposição de simplicidades, pelo sabor vintage que replica a crueza do Rock setentista, e pela qualidade da produção (cargo que volta a ser de Bob Ezrin), conseguindo redirecionar isso tudo para modernidade, com destreza e naturalidade.
Confira o lyric video para a faixa “Paranoiac Personality”… [youtube https://www.youtube.com/watch?v=nF_w79N418Y&w=560&h=315]
Claro que o apelo Rock N’ Roll pulsa por todo o trabalho, em faixas como “Dead Flies” (uma das melhores do álbum, com uma pegada à lá Rolling Stones e Aerosmith), “Rats” (com três membros do Alice Cooper Group numa festa musical regada a guitarras, alimentada por ritmo pulsante, e adornada por efeitos inteligentes), e “Fallen In Love” (um malicioso Blues Rock, vívido e sinuoso, com versos remetendo a clássicos como “Poison” e “Billion Dollar Babies”, e participação de Billy Gibbons, do ZZ Top).
Nestas composições, principalmente, o ótimo de trabalho de guitarras emerge da sonoridade vibrante e empolgante, com a precisão do Blues, e também conseguindo injetar adrenalina roqueira ou epicismo teatral sem implorar por atenção. Constatação que ganha ainda mais força na faixa “Dynamite Road” (outra das três melhores do álbum), uma genial versão satírico-burlesca-bluegrass do Hard Rock.
É impressionante como Alice conseguiu reunir um conjunto de faixas tão simples, mas ao mesmo tempo ameaçadoras, sedutoras, e que dialogam com sua carreira (como na já citada “Fallen In Love” e em “Fireball”, que lembra sua fase de transição entre os anos oitenta e noventa), sem exageros, explícitos “beijos para a torcida”, ou gritos para se se fazer ouvir.
Na verdade, ele se reciclou, indo além de seu próprio legado musical, com o frescor da modernidade, recriando a estética vintage cativante e cheia de particularidades eficientes. “Private Public Breakdown”, por exemplo, recria a geometria power pop sessentista a seu modo, ato também praticado pelo Ramones em suas irresistíveis baladas.
Porém, a grande obra prima deste álbum que se desenrola em pouco menos de quarenta minutos é, sem dúvidas, “The Sound of A”. Ao mesmo tempo que consigo imaginar essa música num filme do Tarantino, em sua cadencia rasgada por viagens psicodélicas de guitarra, nada me tira a impressão de que Alice e Dennis Dunaway estavam com David Bowie na cabeça quando compuseram esta música, mesmo com todos os detalhes e pormenores que também remetem ao Pink Floyd.
“Paranormal” vem coroar as quase cinco décadas de carreira de Alice Cooper, atingindo a incrível marca de vinte e sete álbuns de estúdio, mostrando relevância além da simples importância histórica de um novo álbum de um grande nome do Rock…
A música de Alice Cooper possui um poderosíssimo aspecto lúdico , desenvolvido de modo inesperado neste “Paranormal, onde vemos personagens normais, cada um com sua paranormalidade, criando, de modo distinto, um conceito inteligente e interessante, fazendo com que as 10 faixas aqui presentes passem rapidamente e clamem por novas audições.
Como poucos de sua geração ainda em atividade, Alice Cooper mostra relevância em um novo trabalho além da simples importância histórica de termos novas composições de sua autoria.
Não poderia terminar essa resenha sem mencionar o impecável digipack duplo que a edição nacional recebeu pela Shinigami Records. Só pelo trabalho gráfico já valeria a aquisição do álbum, mas além do impecável “álbum principal”, ainda temos um CD bônus com as alardeadas duas composições com os membros originais do Alice Cooper Group, “Gennuine America Girl” (a melhor das duas) e “You and All of Your Friends”, numa aura mais setentista e diferente de “Paranormal”, além de seis clássicos em registros ao vivo no ano de 2006.
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