Wolf Hoffman – Resenha de “Headbanger’s Symphony” (2016)

 

Wolf Hoffmann sempre foi a peça fundamental de toda a força musical do Accept, uma das mais importantes bandas da história do Heavy Metal.

Desde a clássica “Metal Heart”, o guitarrista dava mostras da influência que a música clássica exercia sobre sua forma de compor, traduzindo para o Heavy Metal andamentos da “Marcha Eslava”, de Piotr Ilitch Tchaikovsky, e “Für Elise”, de Ludwig van Beethoven.

Sendo assim, não foi surpresa quando, em 1997, ele lançou o  o brilhante trabalho exploratório “Classical”, onde registrava seus estudos de música erudita na guitarra, adaptando algumas composições clássicas e reinventando outras.

O que poderia ser visto como um verdadeiro sacrilégio musical, se revelou um trabalho de extremo bom gosto, na contra-mão do que fizera o Apocalyptica, no ano anterior, também com muito brilhantismo em seu “Plays Metallica By Four Cellos”, que dava uma voz erudita aos clássicos do Metallica.

Desta forma, “Headbanger’s Symphony” vem continuar, após duas décadas, a tradução em linguagem metálica do rigor erudito, investindo, desta vez, em um ou dois temas mais obscuros dentro de um repertório que reflete o extremo bom gosto de quem conhece a música clássica.

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Wolf Hoffmann – “Headbanger’s Symphony” (2016, Nuclear Blast, Voice Music)

A seleção é vasta dentre os segmentos da música erudita. Dentre as óperas, Hoffmann pinçou “Je Crois Entendre Encore” (de “Os Pescadores de Pérolas”, de Bizet, outrora também interpretada por David Gilmour, com apelo latino e escrita melódia mais equilibrada traspostos para as guitarras límpidas e cheias de emoção), “Meditation” (uma transição da ópera Thais, do compositor francês Massenet, com toque religioso) e “Madame Butterfly” (com a carga emocional forte das tragédias advindas da ópera italiana, bem interpretada na guitarra de Hoffmann).

Ainda pensando no casamento da música erudita a outras artes, a interpretação para “Swan Lake”, um dos temas do balé mais conhecidos da história, virou quase um Doom Metal, de linhas de guitarra arrastada que deu força a todo o lirismo que Tchaikovsky sempre trouxe à sua obra como claro reflexo de sua vida trágica.

Uma das escolas eruditas mais interessantes é a russa, que se resguardava das influências ocidentais, como a ópera italiana, criando uma tradição musical com muita personalidade, aqui representada por “Night On Bald Mountain”, de Modest Mussorgsky (que fazia parte de um grupo de compositores que queria criar uma identidade musical russa) cujas linhas tradicionais e folclóricas se transformaram num Heavy Metal pesado, rápido e sombrio, com riffão malvado e que te farão se perguntar se Mussogosrky e sua trupe não anteciparam as bases musicais teóricas do Thrash Metal.

A virtuose barroca tem seu espaço com “Double Cello Concerto in G Minor”, de Vivaldi (um compositor que morreu à míngua na Áustria, apesar de ser de Veneza, e que cuja obra ficara esquecida até o século XX), uma composição virtuosa e sombria, onde a instrumentação dialoga e te faz crer que Vivaldi era Heavy Metal ao se deparar com os arranjos mortais de Hoffmann, assim como “Adagio” (uma peça neo-barroca, erroneamente creditada a Albinoni, mas composta por um musicólogo italiano do século XX, baseado num andamento de uma sonata de Albinoni), dona de uma beleza desconcertante reescrita em guitarras dilacerantes, sendo interessante mencionar que ela também fora usada pela banda Sigue Sigue Sputnik.

O classicismo de Mozart (melódico e rigoroso, que compôs suas últimas três sinfonias em sete semanas no verão de 1788) e Beethoven (virtuoso, explosivo e classificado por Goethe como uma personalidade indomesticada ) combinou perfeitamente com a força do Heavy Metal, sendo que faixas como “Scherzo” (que ganhou mais poderio em sua montanha russa febril de virtuosismo instrumental, com estrutura racional e arranjos pomposos), “Symphony No. 40” (uma sonata cheia de tradicionalismos clássicos, cuja melodia é uma das mais conhecidas da história, com arranjos explosivos e irônicos) e “Pathétique” (escrita quando Beethoven tinha apenas 28 anos e que trouxe uma abordagem revolucionária para a estrutura da sonata, abrindo as portas para a vanguarda musical) ganharam pujança com as guitarras vigorosas de Hoffman, além da estrutura baixo-bateria extremamente sólida, agradando certamente àqueles que são fãs de Power/Melodic Metal.

Entretanto, a peça mais bela deste álbum é “Air on the G String”, que representa a tentativa de Bach em expressar emoções fortes por meio de figuras harmônicas e melódicas, em detrimento do excesso da força e da pompa, que ganhou ainda mais eficiência na guitarra cheia de feeling de Wolf Hoffman, que se permite alguns improvisos, não somente nesta canção, mas ao longo deste tracklist que se mostra inteligente ao alternar momentos vigorosos e calmos, dando dinâmica às guitarras em constante ao diálogo com os arranjos orquestrados que, por sua vez, não servem apenas como cama para que as guitarras deitem suas linhas principais.

Na verdade, constantemente as guitarras mergulham de modo vertiginoso no caleidoscópio erudito.

A produção é impecável, nos possibilitando detalhar cada andamento e cada instante do desfile técnico que Hoffman se permite, bem como apreciar a dinâmica elegante dos arranjos orquestrados dentro de um álbum que, mesmo trajado ao rigor do classicismo musical, é puro Heavy Metal!

Pesado!

Belíssimo!

E que nos dá mais certeza do alto poder musical quando estes dois estilos caminham juntos.

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