UGANGA | Entrevista com Manu “Joker” Henriques

 

A banda Uganga é uma genuína representante do Metal no triângulo mineiro, com uma discografia concisa, dinâmica e diferenciada, fruto de persistência, honestidade e paixão ao longo de mais de duas décadas.

Sendo assim, temos o orgulho de apresentar uma entrevista com Manu “Joker” Henriques, vocalista da banda, que se mostrou extremamente solicito e sincero, ao abordar os momentos que circundaram o show registrado no DVD “Manifesto Cerrado”, além de refletir sobre certas peculiaridades da cena atual.

Uganga - Manifesto Cerrado Entrevista com Manu Joker Henriques

Gaveta de Bagunças: Antes de iniciarmos as perguntas, peço que faça uma pequena apresentação da banda.

Manu “Joker”Henriques: Salve, somos o Uganga de Minas Gerais, uma banda que faz rock pesado cantado em português. Estamos na estrada desde 1993 e desde então já lançamos cinco trabalhos, sendo quatro de estúdio e um ao vivo gravado na Alemanha. Também fizemos duas tours europeias e temos alguns de nossos trabalhos lançados por lá. Estamos prestes a soltar nosso primeiro DVD, “Manifesto Cerrado”, via Sapólio Rádio (gravadora/produtora aqui de MG) e também estamos em pleno processo de composição do novo álbum que deveremos gravar no segundo semestre. Antes disso, porém, além do DVD, sai uma faixa nossa no tributo brasileiro oficial aos mestres Motorhead. Estamos numa correria legal!

Gaveta de Bagunças: Na abertura da primeira parte do DVD “Manifesto Cerrado”, já disponível no Youtube, a banda explica, através de um texto, o período conturbado pelo qual passou em 2014. Poderia detalhar um pouco mais sobre os eventos deste período, enfatizando aqueles que antecederam a apresentação registrada no DVD e o processo de composição do álbum “Opressor” (2014)? Vocês chegaram a cogitar o fim da banda em algum momento?

Manu “Joker”HenriquesAcho que, se não todos, ao menos alguns de nós chegaram a pensar nisso… É complicado, pois o Uganga é uma parte muito importante de nossas vidas, creio que falo por todos aqui, e algo que fazemos com muito amor e dedicação. Mas passamos sim por alguns momentos realmente tensos e de dúvidas. Vínhamos de duas tours bastante longas, emendando um projeto no outro e se você faz isso no underground, como uma banda brasileira de rock pesado, com certeza o caminho não é fácil. Como disse, são mais de 20 anos de estrada e com essa formação. Com exceção do Murcego, já estávamos juntos há mais de 10 anos tocando e criando sem parar. Isso gera tensões internas, você envelhece, filhos nascem, novas prioridades aparecem, histórias começam e acabam e é preciso ter muito a cabeça no lugar pra não colocar tudo a perder. Por volta de 2014, além de tudo isso, tivemos um momento onde a questão de saúde também foi um agravante, tendo o clímax com o tratamento do Christian. Hoje vejo esse como o momento exato da nossa virada. Na verdade mais uma virada entre várias outras dadas pelo Uganga nesse tempo todo. Acho que o DVD mostra bem isso e tudo está muito bem explicado no documentário que sairá em breve e que, junto a primeira parte do material, já lançada na net, forma o nosso “Manifesto Cerrado”. O Eddie Shumway (diretor) teve uma sensibilidade foda ao passar isso para a tela.

GdB: Conheço muito a cidade de Araguari, e sempre achei incrível a energia que a Estação Stevenson transmitia. Quem teve a ideia do show na Estação Stevenson? E principalmente, qual o significado para a banda, naquele momento, de realizar um show neste local, com participações mais do que especiais, e cercados por amigos, família e pessoas próximas, com os integrantes formando um círculo?

Manu – Sinceramente não me recordo de quem foi a ideia… Sei que tínhamos algumas opções e a Estação Stevenson acabou sendo nossa escolha por vários fatores como logística, espaço, localidade e, com certeza, história. Queríamos fazer algo na zona rural e num lugar que tivesse um simbolismo para nossa região, que remetesse as nossas raízes. Tocar daquela maneira, em círculo e cercados por pessoas que conhecem muito bem o Uganga, pessoas que fazem parte da história da banda, foi muito forte. Com certeza uma noite memorável e que ficará guardada nos nossos corações para sempre. Outro fator que pesou ao optarmos por este formato é que poderíamos fazer algo profissional sem depender de uma megaestrutura.

GdB: O show precede o lançamento do álbum “Opressor”, e suas músicas são tocadas na energética apresentação, ficando claro que a banda, naquele momento, já estava em adiantado processo de renovação. Podemos dizer que estas novas composições foram uma espécie de exorcismo das emoções conflitantes do período que passaram? Como o título do DVD se conecta com este momento importante de vocês e como o projeto “Uganga – Oficinas Musicais” se encaixa nesta nova fase da banda?

Manu – Como letrista sempre procuro dar vazão às emoções ao escrever. Falo da realidade, em alguns casos de maneira mais abrangente em outros de forma mais pessoal. O título do DVD representa nossa afirmação como banda. É tipo: “Sim, somos o Uganga de Minas Gerais, fazemos música nessa porra de mundo louco e seguiremos assim! Que se foda!” (risos). O DVD encerra esse período e inaugura outro onde estamos mirando no próximo álbum, na próxima tour e com certeza as Oficinas são parte dessa nova etapa da banda.

GdB: A performance da faixa “Couro Crú” em Manifesto Cerrado, com uma roupagem mais atual do que a original registrada no primeiro álbum, mostra uma clara evolução sonora da banda. Como vocês enxergam esta evolução? O quanto as turnês na Europa contribuíram para este processo e quais os pontos positivos e negativos que vocês tiraram dessas turnês? Vocês aconselham bandas que estão começando a fazer o mesmo caminho?

Manu – Acho natural evoluirmos, somos uma banda que está sempre olhando pra frente ao invés de ficar requentando o que já fez. Tem muita banda fazendo isso por ai pra quem possa interessar (risos). No caso de “Couro Cru” ainda pesa o fato dela ter sido composta em parte por músicos que não fazem mais parte da banda. Mesmo no “Atitude Lotus”( 2002), onde ela saiu primeiro em cd, já era tocada diferente da maneira original. Essa é realmente uma música mutante porém sempre carregando sua essência, desde as gravações demo ainda na década de 90. Acho que como tocamos no DVD ficou foda mas creio que a versão definitiva desse som será registrada no próximo álbum do Uganga. Ai a gente termina o Frankenstein (risos)!

GdB: A versão física do DVD Manifesto Cerrado está programada ainda para o primeiro semestre, e existe uma questão neste sentido que acho altamente pertinente nos tempos de hoje, onde as pessoas não estão mais consumindo a música como antigamente, naquele pacote que envolvia uma exploração de quatro dos nossos sentidos. Vivemos uma das épocas onde mais se consome música e menos se vendem discos, reflexo da relação do ouvinte com a música, que se tornou menos íntima e palpável, nos dando vantagens e desvantagens. Vocês acham que a música, mesmo num estilo historicamente mais apegado ao formato físico como o Heavy Metal, atingiu um maior caráter abstrato dentro da era digital? Ou seja, qual o papel do formato físico no contexto do Heavy Metal hoje?

Manu – Acho que, de maneira geral, a música é sim vista de forma mais abstrata do que antes. Ao menos por uma grande parcela da população, assim como para a grande mídia. A impressão que tenho é que ninguém mais consegue ler mais do que algumas linhas de um texto, ninguém mais consegue ouvir um álbum até o fim ou assistir mais de 15 minutos de um vídeo. É um imediatismo para imbecilizar mesmo, e creio que seja conveniente aos gestores do mundo moderno que essa geração seja assim tão bunda mole. Que se foda, não fazemos parte dessa estatística! Mesmo dentro do público metal/hardcore isso está aumentando. Tá cheio de moleque baixando discografias completas mas sem realmente conhecer, sem absorver o que tem em seu HD lotado de pastas zipadas. E falando como se tivesse conhecimento de causa, julgando, julgando, julgando… E não é só a molecada não, tem muito marmanjo agindo assim também e ai fica ainda mais feio. Muito professor e poucos querendo aprender… Enfim, se estamos no jogo temos que trabalhar certo e usando as regras ao nosso favor. Para aqueles, como eu, que ainda pareciam o trabalho completo, música, arte, vídeo, o conjunto da obra, lançaremos o formato físico com 500 cópias numeradas a mão, embalagem luxuosa, pôster etc… E o principal, com preço justo! Pra quem quer só conhecer um pouco mais sobre a banda, os links estarão no nosso canal do Youtube também. Cada um cada um.

GdB: Tenho percebido uma condição muito prejudicial dentre os fãs de Rock/Heavy Metal no Brasil. Eles se contentam em recolher as migalhas que os grandes dinossauros do rock/metal lhes dão, enaltecendo reuniões amputadas, composições requentadas, cegos pelo fanatismo e, muita das vezes, surda para uma performance ultrapassada, manjada e vexatória. Em contrapartida, são incapazes de apoiar novas bandas, ou bandas nacionais que trabalham arduamente há anos, com honestidade e relevância. Qual a sua visão sobre este panorama e da cena atual de um modo geral?

Manu – Tem muito disso sim e minha visão é que ciclos vem e vão. A humanidade está sempre errando e acertando e cabe a nós, como banda, fazermos a nossa parte com verdade e sermos fortes para passar pelas tormentas. É cômodo ficar atrás de um computador falando merda como se isso fosse importante para alguém (risos). Será que é? Tá cheio disso, é mais fácil requentar discursos do que pensar. Ainda tem o fato de como as pessoas hoje em dia precisam odiar algo, ser contra algo, uma cultura do ódio nojenta, covarde… Não se busca o melhor, mas se fala muito do pior…É um mundo focado no material, no ego, não na espiritualidade (que é bem diferente de religião, fé cega etc..).Como disse, isso não me interessa, a maioria das coisas do mundo moderno não me interessa e, enquanto eu puder seguir em frente, tiver saúde para isso e acreditar, continuarei sendo mais um nadando contra a corrente.

Manu “Joker” Indica:

5 Álbuns que todos deveriam ouvir:

– Black Sabbath “Vol. 4” (Meu disco preferido, para sempre! Gosta de metal? Está tudo alí!)
-Motorhead “Ace Of Spades” (A pedra fundamental para o que viria ser a junção entre metal e hardcore/punk. O álbum mais perigoso de todos os tempos!)
– The Beatles “Revolver” (Black Sabbath, Motorhead e todas as bandas clássicas que amamos. Todo mundo deve a esses caras! Disco perfeito e a frente do seu tempo até nos dias de hoje.)
– Faith No More “The Real Thing” (Poderia citar além desse alguns outros trabalhos de bandas que fundiram estilos como Helmet, Biohazard, Anthrax etc… Mas esse ainda é meu preferido, masterpiece!)
-Jorge Bem “1969” ( Tem muita coisa fora do metal/hc/punk e até mesmo fora do rock que eu curto. Poderia citar algo do Tim Maia ou Bob Marley, mas acho esse disco do mestre Jorge uma pedra preciosa do começo ao fim!)

2 Livros indispensáveis:

“Ascenção e Quedra do Terceiro Reich” (William L. Shirer – 1960) – Como sou fanático por tudo que envolve a Segunda Guerra, poderia citar inúmeros livros, porém sempre pensarei nesse antes de qualquer outro
“Grande Sertão Veredas” (Guimarães Rosa – 1959)– Com uma linguagem única que funde a alta erudição com a maneira como os jagunços e moradores dos rincões do Brasil falavam, o mestre João Guimarães Rosa forjou um dos clássicos eternos da literatura Luso/Brasileira, para não dizer mundial. Obra de arte!

2 Filmes indispensáveis:

“BladeRunner” (Direção :Ridley Scott – 1982) – Esse filme teve uma influência enorme na minha vida, na pessoa que eu viria a ser e na minha maneira de ver o mundo. Um clássico do cinema mundial e a pedra fundamental do cyberpunk? Matrix? Para com isso!
“Em Nome do Pai” (Direção: Jim Sheridan – 1994) – Um filme lindo sobre o amor entre pai e filho. Sempre me emociono assistindo. Trata também de como hipócrita é nossa sociedade, seja ela inglesa, brasileira ou de onde for.

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