Lobão – “O Rigor e a Misericórdia” (2016) | Resenha

 

Lobão, desde os anos 80, se mostra um dos personagens mais originais, carismáticos, polêmicos e versáteis no rock nacional, sendo este disco “O Rigor e a Misericórdia” um forte candidato a marcar positivamente sua trajetória.

Lobão esteve ao lado de Lulu Santos e Richie na banda Vimana, foi parte de um projeto ao lado de um ex-integrante do grupo inglês Yes que não decolou, batizou a banda Blitz de Evandro Mesquita, onde também tocou bateria, instrumento que conduziu também na banda Gang 90 e, em meados dos anos 80, partiu para uma carreira solo de sucesso, com muita personalidade, forjando uma discografia onde nenhum disco soa igual ao outro.

A busca de novos horizontes musicais sempre foi notória na carreira de Lobão àqueles que se debruçaram sobre sua música e relevaram suas polêmicas.

New Wave, Hard Rock, fusão com bateria da Mangueira e música eletrônica, todos estes elementos desfilam pelos discos do roqueiro João Luiz.

Lobão - O Rigor e a Misericórdia

Pois bem, agora ele se lança num grandioso desafio: compôs todas as faixas do novo álbum, executou todos os instrumentos, cuidou dos detalhes técnicos de todas as fases da produção e conseguiu forjar um manifesto roqueiro sublime que fala à alma daqueles que estão exilados em seu próprio universo, indo muito além de um simples exercício de ego, se mostrando um músico muito à frente de seu tempo.

Algumas vezes, para figurarmos na vanguarda temos que revisitar, remodelar e reajustar o passado.

Neste sentido, “Overture” anuncia que o Grande Lobo retomará suas investigações sentimentais através da música, tendo o papel de introduzir “O Rigor e a Misericórdia”, novo álbum, de modo quase progressivo, com guitarras épicas e camadas de teclados quase sinfônicas.

“Os Vulneráveis” vem na sequência, com o peso das guitarras encorpadas, baixo solto, muito além do simples preenchimento dos espaços, ao lado de linhas poderosas de bateria, com viradas modernas que pulsam junto aos versos pujantes que emociona qualquer um que labutou no Brasil nestes últimos dez anos.

Aqui já percebemos dois fatos importantes: 1) Lobão é um músico melhor hoje do que já foi em qualquer outro momento de sua carreira; e 2) sua habilidade como compositor é impressionante, num modo único de mesclar texturas instrumentais que emocionam das mais diversas formas possíveis!

É impossível não se apaixonar por este trabalho à medida que as faixas evoluem. “A Marcha dos Infames”, reforça a capacidade de Lobão como um intérprete único dentro do Rock nacional, enquanto “Assim Sangra a Mata” se mostra um amálgama de belas instrumentações, num ousado caleidoscópio musical.

Já “Alguma Coisa Qualquer” tem nuances variadas dentro de um apelo febril tipicamente bluesy, em linhas de temperos jazzisticos, construída sobre timbragens de Rock alternativo.

Esta é uma faixa composta para Cássia Eller, que ficou guardada por quase vinte anos, e descrita por Lobão como “um Blues espanholado totalmente ‘from hell’ “.

É perceptível que Lobão é um artista inebriado em sua arte, quiçá em sua melhor forma.

O instrumental é soberbo, com muito feeling advindo da técnica apurada que não se exibe, mas se diverte por entre os arranjos, claramente inspirada pelos espíritos clássicos e destemidos do Rock Setentista.

Claro que Lobão sempre fora uma arranjador único dentro do Rock brasileiro (“Assim Sangra a Mata” “Ação Fantasmagórica à Distância” refletem este fato incontestável) e um músico de sensibilidade latente, que aqui se encontra em sua plena forma criativa, desenvolvendo seu trabalho sem amarras e balizado apenas pelo bom gosto.

Não há como ficar inerte a esta montanha russa de sentimentos traduzidos em linhas melódicas envoltas numa produção brilhante, de timbragens variadas e uma equalização límpida que permite maior detalhamento dos andamentos multivariados e arranjos multifacetados.

O sustentáculo instrumental mais forte vem de uma sólida parceria baixo-bateria e aqui está minha grande surpresa dentro do álbum: que Lobão é um guitarrista muito acima da média (neste álbum ele esboça solos intensos e vertiginosos) e um baterista implacável são pontos pacíficos, mas eu não tinha consciência de sua habilidade e criatividade como baixista.

Ouça “Os Últimos Farrapos da Liberdade” e entenda mais explicitamente o que quero dizer, ou apenas escute o álbum prestando atenção às linhas de baixo (fique tranquilo, a produção lhe permite este exame).

É notório ao longo de todo o álbum que Lobão tenta retomar escalas progressivas que obviamente foram parte de sua história e formação, se manifestando aqui em teclados eloquentes, naturais e bem alocados, ou em exercícios folk belíssimos.

“O Rigor e a Misericórdia”, a faixa, dá acordes finais ao álbum confirmando esta observação e refletindo um compositor amadurecido, em paz com seus fantasmas e em sua melhor forma criativa.

Talvez por isso, eu tenha demorado uma ano para digerir este trabalho cheio de nuances, detalhes e alguns segredos escondidos pelos cantos.

Ainda se destacam “A Posse dos Impostores” (com uma dramaticidade acachapante), “Ação Fantasmagórica à Distância” (primeira composição para o álbum, fruto de uma redenção pessoal, um exorcismo quântico de pegada folk, belo andamento de viola, tom bucólico e confessional, e emoção inerente ao chorinho), “Uma Ilha na Lua” (singela, folk/progressiva e tão graciosa quanto o caminhar de um felino), “Profunda e Deslumbrante Como o Sol” (forte, intensa e impactante, com guitarras limpas e de cacoetes bluesy, numa balada lindíssima) e “A Esperança é a Praia de um Outro Mar” (de guitarras inspiradas).

A confiança no trabalho de Lobão me encorajou a participar pela primeira vez de uma campanha de crowdfunding e em troca ele ofereceu um álbum poético, lírico, pujante, eloquente, inspirador e, por que não, “evangelizador” em seus últimos acordes.

Sobre as letras, melhor que eu poderia, obviamente, o próprio compositor fala no livro irmão deste disco, “Em Busca do Rigor e da Misericórdia”. 

Mais do que isso, Lobão dividiu conosco o fruto de um exorcismo pessoal, que certamente será lembrado como uma de suas maiores obras musicais, canalizado, em parte, por um instrumento musical que reconstruía um passado afetivo, adornado com cordas pompom da marca Canário e de tampo preto.

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2 comentários em “Lobão – “O Rigor e a Misericórdia” (2016) | Resenha”

  1. Claro que curti, sempre quando aparece novidades do lobão acompanho e gostaria de acompanhar muito mais…….Já sou um o fã antigo e já estive com ele algumas vezes no camarim. O lobão é um cara que está sempre surpreendendo a todos com a sua criativida
    de e inovação mesmo para aqueles que os odeia. Lobão desejo a vc e a Regina muita paz e sucesso. Marcelo.

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