A. Z. Cordenonsi – Resenha de “Le Chevalier e a Exposição Universal”

 

A literatura nacional tem ganhado muito com a chegada de autores que conseguem inserir, de modo brilhante, a tradicional escrita bem formatada da literatura tupiniquim nos gêneros mais populares da literatura mundial.

Como umas das grandes parcelas desta mostra, temos Le Chevalier e a Exposição Universal, de André Zanki Cordenonsi, autor gaúcho finalista do prêmio Argos em 2014, que se dedica à exploração de um gênero em processo de desbravamento no Brasil, o steampunk.

Como subgênero da ficção científica, o steampunk busca uma ambientação paralela da história, onde nossas conquistas tecnológicas se deram em novas bases energéticas e dinâmicas, tendo como alicerce máquinas à vapor e mecanismos pneumáticos dos mais mirabolantes.

Neste contexto, grandes artefatos tecnológicos foram obtidos através de mecanismos de épocas anteriores ao advento da eletricidade, como computadores de madeira, automóveis e robôs (autômatos) à vapor.

Ou seja, tudo com muito aroma de óleo lubricante e alta umidade.

A Z Cordenonsi - Le Chevalier e a Exposição Universal

Completamente alocado neste gênero literário, Cordenonsi nos apresenta uma versão alternativa da história, muito rica em detalhes, mas através de uma narrativa direta, amalgamando, de modo homogêneo, espionagem, thriller e romance.

Antes de detalharmos mais comentários, uma sinopse se mostra pertinente neste momento, sendo que, na contra-capa do livro lemos:

UM ASSASSINATO! UMA CONSPIRAÇÃO INTERNACIONAL! UM ESPIÃO SEM NOME! O ano é o de 1867 e Paris prepara-se para celebrar a Exposição Universal, consolidando-se como a capital do mundo moderno! Impulsionada pela tecnologia a vapor do professeur Verne, Paris se tornou o epicentro de uma renovada Europa. Ferro, fumaça e óleo lubrificam o caminho do Império Francês enquanto drozdes mecânicos saltitam entre a multidão.Mas uma ameaça paira sobre a cabeça de Napoleão! Em uma guerra de apenas sete semanas, a Prússia derrota a Áustria e lança seus olhos cobiçosos sobre a rica e aristocrática França. Dos campos de batalha para os becos sujos da capital, dos jantares nababescos a catacumbas infestadas de ratos, assassinos e chantagistas se espalham no submundo da espionagem internacional.Mergulhado nas trevas, o Bureau convoca o seu melhor homem. Um espião sem passado. Sem nome. A serviço da sua Majestade, ele é conhecido apenas como: Le Chevalier!

A própria sinopse destaca alguns dos elementos mais interessantes e inteligentes do enredo. Primeiro, a referência a Júlio Verne – um dos pais do steampunk -, como o mentor intelectual de toda a tecnologia do universo criado por Cordenonsi, é de uma sagacidade ímpar, sendo ele indiretamente referenciado como um inventor que levara o mundo na direção tecnológica completamente díspar da nossa, inclusive tendo inventado uma espécie de proto-computador.

Como segundo destaque, temos a inserção dos drodzes, autômatos inspirados em animais que estão ligados a seus donos de um modo misterioso, sendo reflexo de suas personalidades e um item altamente íntimo, como expõe a passagem em que o personagem Persa reflete sobre o caráter invasivo de ter outra pessoa mexendo em seu drodze.

Esta relação homem-máquina é abordada desde o início do livro, com uma definição esclarecedora sobre estes autômatos que “substituem” os animais de estimação, numa clara influência advinda dos mangás.

O azeite que faz a narrativa fluir tão bem em sua evolução de movimentos, entre encaixes e desencaixes, é o desprezo aos didatismos desnecessários, como se fizéssemos parte do contexto histórico paralelo, deixando dados técnicos e históricos apenas como rápidos apontamentos  a alguém que deveria se lembrar daqueles fatos das aulas de história ou de ciências.

Deste modo, a versão alternativa da história nos é passada sem rodeios, mas como se fossem segredos que ouvimos de uma conversa alheia.

Outros fatores que contribuem para o sucesso da obra são a linguagem confortável e o ritmo cinematográfico envolvente.

Dentre os eventos históricos alternativos, destaco o Grande Terremoto de 1829, que formou canais que cortavam a arruinada Paris, “formando um vasto sistema de comunicação que unia portos clandestinos, túneis submersos e porões lotados de mercadorias contrabandeadas”.

Fato interessante é que na nossa realidade histórica, houve um grande terremoto na província de Alicante, na Espanha, a aproximadamente mil quilômetros de distância de Paris, em março de 1829, que ficou conhecido como O Terremoto de Torrevieja, fato que talvez tenha inspirado o autor.

Outro delicioso acepipe literário aos mais atentos se encontra na Lei de Yudavich, que versa sobre a equação de conservação de energia para um autômato, que limitava o tamanho dos mesmos ao de uma criança.

Claro que esta lei é exclusiva do universo criado por Cordenonsi, mas em nossa realidade temos um histórico Yudavich, ou melhor, Yudovich!

Todavia, o conhecemos como Isaac Asimov, um dos nomes da trindade sagrada da ficção científica literária, autor das três leis da robótica. Na obra de Cordenonsi, Yudavich é um engenheiro que estabelecera, em 1854, sua lei que seria contrariada (como a própria capa nos conta).

Claro que a ambientação é um detalhe que brilha aos olhos do leitor, iluminada à gás, regada a vinho de beterraba e de criatividade exuberante na descrição das engenhocas pneumáticas, em meio a uma versão suja, fétida e embaçada da charmosa Paris.

Não posso deixar de enaltecer a construção dos personagens que esbanjam, propositadamente, clichês adoráveis, principalmente no bonachão Persa (que na verdade é tunisiano),  falastrão e fiel escudeiro de Le Chevalier, o espião sem nome, por sua vez uma mistura de James Bond, Augustine Dupin e Sherlock Holmes, dotado de habilidades de engenharia.

Além destes personagens principais, a corajosa e talentosa punguista juvenil, Juliette, e a apaixonante e destemida espiã Alexandra, são personagens que merecem uma maior exploração.

Posso finalizar dizendo que o autor é uma das boas surpresas da nova geração literária nacional, mostrando, de modo corajoso, que o Brasil também produz literatura fantástica de qualidade, consequentemente atraindo novos leitores para nosso universo literário, que ainda sofre pela indiferença de grande parte do público que busca literatura de entretenimento e que cai nos braços das propostas requentadas de autores internacionais.

Definitivamente, um nome para se seguir os passos futuros dentro mercado literário.

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