Gilberto Gil – Resenha de “Back In Bahia -Ao Vivo [1972]” (2017)

 
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Gilberto Gil: “Back In Bahia – Ao Vivo [1972]” (2017, Discobertas) NOTA:10

O selo Discobertas tem disponibilizado materiais apetitosos para fãs da música brasileira. Agora foi a vez de um box com três shows completos dos primeiros anos de Gilberto Gil após sua volta do autoexílio no final da década de 1960. Um material rico, dividido em três CDs duplos que merece um texto cada um, sendo este “Ao Vivio Back In Bahia [1972]” o primeiro registro cronológico. Um show realizado em 12 de março de 1972, no Teatro João Caetano, na cidade do Rio de Janeiro.

Como parte da turnê “Gilberto Gil em Concerto” que se iniciou nos primeiros dias de março de 1972, este show registrado era apenas o sexto da turnê que já havia passado por Recife e Salvador, e serve como retrato fiel da fase mais experimental e roqueira de Gilberto Gil.

Podendo causar o furor em alguns corações mais apaixonados, confesso que sempre achei que até o fim da década de 1970 Gil foi essência da metamorfose ambulante dentro da música brasileira. Um compositor inquieto, que de modelo intelectualmente engajado no III Festival da Música Popular Brasileira, passando pelo símbolo cerebral do tropicalismo e suas peripécias lisérgicas e extravagantes pós-exílio (do qual esse disco é parte), até a remodelagem de suas raízes musicais africanas pelo reggae e pelos regionalismos brasileiros, quando trabalhou sua música para virar sinônimo de sucesso comercial, produzindo hits acachapantes.

Até por esse desfecho de sua metamorfose artística, muitos esquecem de sua relevância como compositor e intérprete nos anos mais prolíficos de sua carreira. Poucos são aqueles que referenciam ao tropicalista que se libertou das amarras de herói musical da esquerda brasileira quando cantou “Domingo no Parque”, com os Mutantes, ao mesmo compositor que forjou o álbum de 1971 referenciado pelo New York Times como uma obra-prima do Rock daquela geração!

Confira “Expresso 2222” ao violão em 1972… [youtube https://www.youtube.com/watch?v=Ja7yBF5WzOk&w=560&h=315]

“Rock! Como assim?” Podem bradar alguns que nunca ouviram o auto-intitulado álbum em inglês de Gilberto Gil, um dos nomes que marcharam contra  guitarra elétrica e o Rock anos antes. Mas basta uma conferida na formação da banda que trabalhava com Gil desde que desembarcou em janeiro de 1972, para ver que o time tinha um cacoete roqueiro indelével.

Lany Gordin (guitarra e um dos grandes mestres do instrumento no Brasil), Bruce Henri (baixo), Antonio Perna (teclados) e Tutty Moreno (bateria) completavam a banda de Gil nesta turnê, e que também registrariam seu próximo álbum, primeiro após o exílio, o marcante “Expresso 2222”, que chegaria às lojas em julho de 1972, trazendo sete das suas nove músicas neste show histórico, o que também marca o período de lapidação do repertório que seria registrado entre maio e junho daquele mesmo ano.

“Registrado pela história nos tapes que deram origem ao presente álbum ao vivo”, esse show de março de 72 vem dividido em dois momentos distintos, solo ao violão e com banda azeitada, reforçando Gil como um dos grandes nomes de sua geração, compositor capaz de se reeditar e intérprete cujo sentimento vai além das palavras, fazendo de sua voz instrumento percussivo.

As primeiras três composições da apresentação eram as novíssimas (à época), que viriam no álbum de 1972, “Back in Bahia”“O Sonho Acabou” e “Expresso 2222” (que apresenta a banda) dando foco ao violão, e mostrando o grande violonista que Gil fora, esbanjando técnica refinada nos anos de exílio, mesclando técnicas e escolas musicais, tropicais e europeias que influenciam uma geração, representada pelos Novos Baianos.

Confira “Back In Bahia” em 1972… [youtube https://www.youtube.com/watch?v=msknQAdP0DI&w=560&h=315]

À partir da canção “Expresso 2222” Gil mostra uma reconstrução de sua sonoridade como uma banda que flerta com o Hard Rock de início dos anos 1970 ao tocar um jazz rock libertino, com base na música brasileira, bem feito nas orgias instrumentais e experimentas de “Aquele Abraço” e o “Canto da Ema”, ou na envolvente “Madalena (Entra em Beco, Sai em Beco)”. 

Junto com “Sai do Sereno” estas seis composições completam o primeiro CD (exceto por “Madalena” que abre o segundo CD), impressionando pela banda azeitada , de cozinha pulsante e linhas de guitarras que se dividem entre o percussivo sul-americano e as formas europeias do jazz rock.

O registro como um todo é crú, sem lapidações de estúdio, garantindo a fidelidade como retrato de uma das fases mais interessantes de Gilberto Gil, cercado de uma banda vigorosa e de altíssimo nível. O segundo CD abre com “O Bom Jogador”, segue com a já citada “Madalena”, até chegar na ótima “Cultura e Civilização”, dona de um groove desajustado e delicioso, onde Lanny Gordin dá um show nas seis cordas.

“Brand New Dream”, apresentada em “versão bilíngue”, nos dá uma ideia vaga do que Gil preparava para seu segundo álbum em inglês, que viria na sequência de “Expresso 2222” (1972), mas abortado. Pela mescla das características brasilidades de Gilberto Gil com as influências britânicas, podemos perceber que ele estava tentando lavar seu rótulo de tropicalista por vibrações viajantes de baixo-guitarra-e-bateria, e se mostrando um hábil bandleader.


“Back In Bahia – Ao Vivo [1972]” serve como retrato fiel da fase mais experimental e roqueira de Gilberto Gil. 

E quando já estamos saturados das viagens elétricas, “Oriente” “Chiclete com Banana” retomam a intimidade da dupla voz e violão. A primeira se destacando pelas linhas de violão (se és um fã de Nick Drake, ouça detalhadamente as linhas de violão desta música) numa abrasileirada viagem folk psicodélica de letra eloquente, e a segunda, um samba rock irresistível. No clímax que fecha o show a banda volta para um efervesceste medley com “Back In Bahia”, em sua encarnação elétrica e “Atrás do Trio Elétrico”, do amigo Caetano Veloso.

Acredito que os improvisos podem soar exagerados, mas são reflexo daquilo que Gil absorveu em Londres, na cena que viu em fins dos anos 1960 e começo dos anos 1970. Olhando além no curso da história, muito deste experimentalismo, principalmente ao violão, atingiria seu ápice em “Ogum Xangô” (1975), numa esplêndida parceria com Jorge Ben Jor.

Além disso estas divagações instrumentais são evidências de um ser livre em habitat mais confortável, o palco que ele cantaria em verso e música na década seguinte, sendo notória sua felicidade nos poucos momentos de interação com o público durante os intervalos das músicas.

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