Origens – Resenha de “Pt. 2: Adaptação” (2018)

 

Capa - Origens Adaptação
“Origens: Adaptação” (2018, Independente) NOTA:10

Aos ouvidos atentos, a psicodelia brasileira é um dos mais saborosos movimentos de nossa música. Mesmo com seu auge entre o fim dos anos 1960 e meados da década seguinte, as cores lisérgicas nunca foram apagadas da música brasileira, e em alguns casos se intensificaram, como acontece com o projeto “Origens”, idealizado pelo músico alagoano Alessandro Aru, onde ele desfila toda sua técnica influenciada por nomes clássicos do Rock, como John Paul Jones (Led Zeppelin), John Entwistle (The Who) e Jack Bruce (Cream), e usa toda a sua bagagem dentro do rock psicodélico brasileiro em bandas como Mopho, Cores Astrais, Santo Samba, Cachorro Urubu e Messias Elétrico.

Como herdeiro da psicodélica nordestina, Alessandro nos apresenta o segundo capítulo de sua ousada trilogia de álbuns conceituais que se entrelaçam em verso e música. “Adaptação”, como fora batizada esta segunda parte, continua a proposta de reunir músicos em torno de uma personalidade que mescla hard rock, rock progressivo psicodelia com textura valvulada e aroma orgânico tipicamente brasileiro.

A lista de convidados de  “Adaptação” forma um time de respeito, composto por nomes como Pedro Salvador, Ronaldo Rodrigues, Daniel Gontijo, Daniel Queiroz, Dinho Zampier, Fernando Coelho, Fred Hollanda, Hélio Pisca, Jeff Joseph, João Paulo, Leonardo Luiz, Nardel Guedes, Ney Guedes, Phillipe Hollanda, Railton Sarmento, Renan Carvalho, Ricardo Lopes, e Rogério Cavalcante, que emprestaram ideias e suas personalidades paras as interpretações das cinco composições aqui presentes.

Capa - Origens Adaptação

A belíssima capa de Jonathan Melo mostra que teremos uma continuação da primeira parte no que tange ao traçado musical principal, mas as tonalidades e texturas estarão ainda mais diversificadas e talhadas nos detalhes…

De fato, como a arte de Jonathan Melo nos faz inferir, “Adaptação” é uma continuação musical de “Origens, Pt. 1”, mas agora com a experiência da primeira parte na bagagem, tudo soa ainda mais coeso, liberto, solto e sincero. A faixa de abertura, “Acordar”, por exemplo, consegue te emocionar com menos de trinta segundos de clima orvalhado e gaita “preguiçosa”, até desaguar num hard psicodélico cheio de melodias cativantes e andamentos viajantes.

Por esse início, ficam claros dois pontos. Primeiro que a preocupação com os arranjos contínua a mesma, sendo que cada movimento vem talhado aos detalhes dentro de uma dinâmica viajante que sobrepõe camadas de texturas, sentimentos e estilos, indo das escolas nacionais e estrangeiras com desenvoltura e eficiência.

Outra prova disso está na extasiante “Adaptação Pt. 1”. Pelos deuses, que faixa é essa! Uma opereta psicodélica de mais de onze minutos que funde Jethro Tull e Pink Floyd com psicodelia nordestina e o Clube da Esquina, com melodia, peso, tempero folk, sabor de rock clássico, tudo bem aconchegado numa cama de teclados que ondula pelos arranjos conduzidos com altíssimo nível técnico e muito sentimento. Aquele tipo de composição que retira elogios do coração e emociona a alma!

O segundo ponto reside no fato de que indiscutivelmente a proposta vem mais pesada neste segundo capítulo. A faixa ” O Céu e o Inferno” é um belo exemplo dessa observação, com um riffão encorpado à lá Black Sabbath cortando sua sonoridade típica, dando mais peso e adrenalina, assim como veremos em “Adaptação Pt. 2”, guiada pelos teclados mágicos do mestre Ronaldo Rodrigues, e desenvolvida como se o King Crimson ou o EL&P se misturassem ao Deep Purple. Não é de estranhar que tenhamos as guitarras de Pedro Salvador, da banda Necro, dando o tom destas composições.

Confira o single para a faixa “Acordar”, que virá levemente diferente nesta segunda parte… 

Ao contrário do que acontece com inúmeros discos com esta excelência musical, “Adaptação” não intimida pela complexidade, pois ela é usada como parte de um todo que cativa pela sinceridade de sentimentos que sustenta as composições. Mesmo que elaborados, os arranjos servem ao rock n’ roll, tornando o todo palatável mesmo aos ouvidos não acostumados às peripécias progressivo-psicodélicas.

Isso fica ainda mais evidente em “Éis o que És”, uma faixa intrincada, mas guiada por guitarras incisivas, que chegaram a me lembrar algo do rock setentista argentino, mesclado aos mandamentos do rock clássico. Esse acentuado sabor roqueiro fortalece ainda mais o dèjá vu que toma conta da proposta, mas sem soar monótono em sua sua veia retrô.

Ainda podemos perceber que Alessandro está mais confortável e solto nesta segunda parte da trilogia, ousado em suas linhas de baixo, ampliando ainda mais os horizontes musicais das composições do projeto, pois mesmo que aparente uma direcionamento mais direto dentro do rock, os detalhes estão aqui, desde uma simples voz de criança no abrir do trabalho, até as linhas de violão que antecipam o teclado que o fecha!

Só espero que este trabalho, junto ao primeiro, não tenha que esperar por duas ou três décadas para ser reverenciado dentro da música nacional com aconteceu com muitos dos nomes associados à “primeira turma” de nossa psicodelia, afinal, esse disco é uma obra-prima que precisa ser consumida! Várias vezes, por sinal, pois em cada uma delas seremos atingidos de modos e por motivos diferentes. Aliás, como acontece com verdadeiras obras de arte.

Emocionante!

 

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