“Viva La Vida Tosca”: Resenha da Autobiografia de João Gordo

 
João Gordo capa
João Gordo e André Barcinski: “Viva La Vida Tosca” (2016, Darkside Books)

Este livro também é sobre o João Gordo do Ratos de Porão, um símbolo da cultura pop brasileira, a vitrine do punk na grande mídia, o Bozzo From Hell, o vencedor do Prêmio APCA de Melhor Apresentador. Mas, acima de tudo, “Viva La Vida Tosca” é sobre João Francisco Benedan, um brasileiro descendente de nordestinos e italianos, “filho do Golpe Militar” e da geração televisão.

“Viva La Vida Tosca” poderia ter o subtítulo de “Ou a Biografia Ilustrada de João Gordo”, tamanha a riqueza de fotos que ilustram as passagens contadas pelo próprio João, com uma sinceridade tão característica que cada frase ecoa em nossos ouvidos com sua hiperativa forma de falar.

Talvez por isso, a profecia paterna de que seu fim seria no hospital, na sarjeta, ou na cadeia, proferida em Angatuba, pese tanto a emoção no epílogo, afinal, fica clara a gravidade que a relação com seu pai exerceu em toda a sua vida! Além disso, naquele mesmo epílogo João faz a sua própria “profecia” de uma distópica realidade para a qual estamos caminhando.

Escrito por João Gordo ao lado de André Barcinski, este livro é o registro de um sobrevivente! Um sobrevivente da geração punk, um sobrevivente da geração MTv, um sobrevivente da TV aberta, e, principalmente, um sobrevivente da auto-destruição.

João Gordo 2

“Viva La Vida Tosca”  é uma biografia bem ilustrada com estética de fanzine…

Assim como percebemos com Clemente Nascimento, em “Meninos em Fúria”, a história de João Gordo se desenvolveu junto com o punk brasileiro, mesmo que no nascedouro do movimento nosso personagem passasse seus dias em Angatuba, onde pogou num show de música mexicana. Mas no Natal de 1982, foi passar o fim de semana em São Paulo e nunca mais voltou!

E com um ritmo fluido de narrativa, tomamos contato com histórias impagáveis, como quando foi figurante de novela da Globo, ou quando surrupiou o equipamento do Capital Inicial com outros punks. Ah, ele ainda detalha passagens pitorescas de como comprou discos do Scream das mãos de Dave Ghrol, o passeio revelador com Dee Dee Ramone pela Avenida Paulista, o incidente que fechou o Disco Voador, bem como as tretas com Max Cavalera, Dado Dolabella e Chorão.

E além de divertir e impactar pela alta intensidade, estas loucuras contadas nos deixam perceber como João canalizaria, mais tarde, esta tempestuosidade e inquietude para “o bem”. Como exemplo, pense que ele teve a ousadia de colocar no horário nobre, com patrocínio da Skol, bandas como Krisiun, GBH, Discharge, e Toy Dolls, quando comandava o saudoso “Gordo-a-go-go”, na MTv.

Obviamente, como sua história esta costurada a do punk brasileiro é mais do que esperado que grande parte do livro seja direcionada ao Ratos de Porão, a banda que fez os pontos desta costura. Uma banda cujo primeiro álbum , “Crucificados pelo Sistema”, foi o primeiro de Hardcore na América do Sul.

João Gordo 1

Em “Viva La Vida Tosca” vemos um personagem forte de nossa cultura capaz de demonstrar, sem soar clichê ou piegas, como o amor, em suas mais diversas formas, possui a capacidade de mudar a percepção de vida de uma pessoa...

E dentre estas, tomamos conhecimento de quando recebeu o convite pro vocais do Ratos, e João estava em dúvida entre ser baixista do Cólera ou vocal do Psykóze. Ou de como se deu a composição de  “Não Me Importo” com Clemente Nascimento; o show em Salvador no início da banda; o lançamento de “Descanse em Paz” e o estigma de traidores do movimento; e a sua saída do Ratos e os tempos de Metal Punk com o Ruídos Absurdos, em 1984. Tudo está aqui, contado com a naturalidade e honestidade de uma conversa entre amigos na mesa de algum bar.

Neste contexto, muitas páginas aqui funcionam como registro histórico de quem esteve in loco num período ímpar do Rock nacional, sendo que os depoimentos de pessoas envolvidas na trajetória de João Gordo conferem um sabor à lá “Please Kill Me”, de Legs McNeil e Gillian McCain.

Duvida? Então dê uma conferida na história sobre Luisão “Toiço”, guitarrista do Psykóze e sua potencial influência na criação do Grindcore, na página 112. Ainda somos presenteados com registros de excertos do fanzine “Lixo Cultural” e um texto escrito à mão por João Gordo sobre os squats”. 

Sobre cantar com Luan Santana no Legendários: “Só bêbado pra fazer uma coisa daquelas. Mas ainda acho que é melhor que acordar às 5 da manhã e ir trabalhar numa fábrica”... [youtube https://www.youtube.com/watch?v=fZ8n7QVXqy4&w=560&h=315]

No meio disso tudo, João mostra uma mente muita aberta para o cenário punk de sua época, e depois da primeira visita à Europa as incongruências de postura , ideologia e conceito da cena ganharam ainda mais contraste aos seus olhos. Mas João era incontrolável e sua postura, principalmente, rotulou a banda toda como junkie, retirando as oportunidades de crescimento dentro de nosso país.

Uma biografia tão peculiar e intensa quanto seu personagem principal, impressa numa estética gráfica de fanzine, e dona de narrativa cativante, que envolve pela linguagem simples, nos prendendo até a última página. E durante o percurso vemos um personagem forte de nossa cultura, despido de suas armas e capaz de demonstrar, sem soar clichê ou piegas, como o amor, em suas mais diversas formas, possui a capacidade de mudar a percepção de vida de uma pessoa.

Essa biografia vai muito além de um documento histórico, e merece um lugar ao lado de “Meninos em Fúria”, de Clemente Nascimento e Marcelo Rubens Paiva na estante!

Confira o Ratos de Porão no programa Boca Livre do saudoso Kid Vinil… [youtube https://www.youtube.com/watch?v=yY3ey74hnZY&w=560&h=315]


 

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3 comentários em ““Viva La Vida Tosca”: Resenha da Autobiografia de João Gordo”

  1. Valeu Diego! O problema é que a editora que lançou esse livro tem um trabalho todo especial com as edições físicas, inclusive ela mudou o padrão de publicação dos livros no Brasil com edições caprichadas, dignas de coleção, mesmo! Confesso que não sei como anda as publicações digitais deles… Abraços!

  2. Cara, queria muito ler esse livro (e também o do Clemente), mas as editoras brasileiras são TERRÍVEIS para a distribuição digital. Procurei em todo o lugar para comprar uma edição epub ou algo do gênero e nem no Google Play eles estão disponíveis. Como eu não moro no Brasil fica inviável comprar o livro físico. Depois reclaman de pirataria, fica difícil não recorrer à pirataria quando os canais oficial falham…

    Bom, de qualquer forma, bela resenha do livro, Marcelo 🙂

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