RESENHA | “Quem Fim Levou Juliana Klein?”, de Marcos Peres

 
A história é finita e cíclica“. Essa frase proferida pela personagem principal talvez seja a chave para entender muito do que está exposto por Marcos Peres em sua nova obra, Que Fim Levou Juliana Klein?.

Poucas linhas após a apaixonante Juliana desferir estas palavras ao incauto Irineu Freitas, somos sutilmente lembrados de Legião, a turba de demônios que Jesus Cristo enviou a uma vara de porcos.

Por qual razão isto chamou tanto a minha atenção? Em uma encarnação cinematográfica de Legião, ele fora André Linoge, um antagonista criado por Stephen King que entoava constantemente um de seus lemas: “…o inferno é a repetição”!

Esta visão do inferno cai como uma luva na trajetória dos Klein, que podiam não conhecê-la, mas, ainda assim, carregavam o aforismo do inferno de Dante em sua porta de entrada, como uma equação matemática equivalente à de Linoge, que modelava a maldição que abraça todo um clã.

Marcos Peres - Que Fim Levou Juliana Klein (2015)

Achou tudo muito insólito?

Bem vindo ao mundo literário de Marcos Peres, onde as curvas sinuosas da montanha russa de informações é construída por complexos pensamentos filosóficos, clima policial noir, alto teor conspiratório, doses homeopáticas de sexualidade, devoção acadêmica, ou seja, um amálgama que nos leva à perdição em um emaranhado de acontecimentos.

Bem vindo às páginas de Marcos Peres, que nos guiarão por perigosas transmutações dos clichês literários e arranjos narrativos cercados pelo precipício do ridículo, que irão convergir de modo magistral para uma obra que só vem oxigenar a literatura nacional moderna.

Eu já mencionei que Marcos Peres possui a destreza de poucos com as palavras? Creio que em textos pregressos sim!

Ao longo do tempo, a literatura nacional se especializou em enaltecer autores que eram dotados de uma técnica literária apurada, fazendo com que os leitores que buscam o prazer na leitura apenas como entretenimento se dedicasse aos autores internacionais.

Neste ambiente, a literatura nacional se estigmatizou como enfadonha disciplina para vestibulares e/ou dedicada a intelectuais e literatos.

A verdade é que da mesma forma que um ser humano não nasce correndo, um jovem leitor não sentirá prazer algum nas complexas linhas de Macunaíma, ou na carga emocional de Dom Casmurro.

Como um sinal de novos tempos vemos surgir uma nova geração de escritores que podem mudar este panorama, extrapolando paradigmas arcaicos da nossa literatura e aproximando uma parcela jovem de leitores para os livros.

Dentro desta rica geração, Marcos Peres se destaca como um dos poucos que consegue se valer de elementos atratores para leitores em busca de entretenimento, tanto quanto aos que se comprazem da alta literatura.

Afinal, permear Bob Esponja em alta reflexão das idéias de Nietzsche e aclimatar tudo em uma áurea de filme policial americano oitentista não é para qualquer um.

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Juliana Klein é sedutora, tanto em suas atitudes, quanto pelo seu poder retórico hipnotizante, e sua quase religiosa devoção acadêmica.

Voltando ao livro, é importante uma sinopse antes de prosseguir. Em algum lugar da rede mundial de computadores encontramos as seguintes palavras:

A morte de uma professora de filosofia revela a rivalidade – a princípio, filosófica – entre duas famílias proeminentes nas duas principais universidades do Paraná. A história é narrada por um psicólogo que conversa com uma misteriosa paciente, alocada no quarto 206 de uma clínica psiquiátrica. Seria possível que o assassinato tivesse como causa desavenças acadêmicas entre os Koch e os Klein, ambos clãs que migraram da Alemanha para o Sul do Brasil? Ou teria algo a ver com um segredo enterrado no passado? Em meio a discussões sobre Nietzsche e Santo Agostinho, somos conduzidos pelos meandros desse mistério por um dos escritores mais promissores da nova geração.

Seria minimizador encarar a contenda entre as famílias Koch e Klein como uma versão brasileira da rixa entre Montéquios e Capuletos, ou  da violência entre McCoys e Hatfields, apesar de Juliana Klein nos dizer, em uma quase epifania de sua condição como personagem literária, que “somos arquétipos intemporais”, e associar a história de seu clã com a ficção shakespeariana.

Nestes momentos, de total lucidez e profundidade em discussões intrincadas, os clichês se viram do avesso, juntando-se a tangibilidade dos elementos relativos à cultura pop (como um simples jogo de futebol), formatando um ambiente abrasivo para o desenrolar do quebra-cabeças que não segue uma linha temporal contínua em sua narrativa.

A criação dos personagens tem sido uma arte de extremo domínio do autor desde sua indefectível obra anterior.

Juliana Klein é sedutora, tanto em suas atitudes, quanto pelo seu poder retórico hipnotizante, enquanto Irineu Freitas se mostra pro-ativo, passional e, em certa medida, inconsequente. Em oposição diametral a Juliana, ele nos assemelha aos policiais anti-heróis de filmes americanos, vividos por Dunstin Hoffman ou Stallone.

Já Gabriela Klein é um mosaico de emoções que guarda a chave do enigma, enquanto Salvador, marido de Juliana, é um homem moldado pelas vicissitudes e obediência à sua sina.

Talvez a maior habilidade de Marcos Peres nesta nova obra seja conseguir nos colocar dentro do mistério, fornecendo o desvelar sugestionado de segredos, em meio a toda não-linearidade temporal, que nos faz indagar nosso real entendimento do que se passa.

O labirinto que é apresentado a Irineu é o mesmo que percorremos e não temos nenhuma informação privilegiada dentro das paredes que nos cercam recheadas de pensamentos filosóficos do mais alto grau, até o momento em que somos atingidos de modo inesperado, num momento onde uma luz se acende em meio a este escuro labirinto, nos causando um primeiro susto, mas em seguida ajudando-nos a andar mais firmemente.

Esta forma de desenvolver o jogo de gato e rato dentro da narrativa nos prende a cada momento em que conseguimos desatar cada pequenino nó.

Nossas conclusões vão se tornando tão absurdas que somos levados a descrer em nosso método analítico e deixar simplesmente o rio seguir seu fluxo contínuo de eventos, dando corpo a um acontecimento de grande impacto.

E, neste momento, as palavras de Irineu Freitas caem como chuva em terra árida: “desculpe-me, é absurdo demais”. Todavia, isto não é um problema, pois o autor tem se tornado especialista em manusear o absurdo e fazer dele plausível.

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Irineu Freitas se mostra pro-ativo, passional e, em certa medida, inconsequente. Em oposição diametral a Juliana Klein, ele nos assemelha aos policiais anti-heróis de filmes americanos.

Mesmo com toda esta destreza e habilidade literária, nada é mais genial quanto o final da obra.

No prefácio já somos requisitados a desconsiderar o epílogo, cujas conclusões seriam “mero juízo de valor e, portanto, desnecessárias.

Em outras palavras, já somos devidamente alertados para as incertezas da conclusão e instruídos a sermos mais atentos ao caminho e menos afoitos pelo desfecho, pois a viagem será mais importante do que a chegada.

Isso, de fato, é uma verdade, pois mesmo sendo, em essência, uma obra policial, este é um livro sobre pensamentos, ideias e como uma pessoa atinge a imortalidade pela perpetuação de seus pensamentos, além do modo como estes pensamentos impactam aqueles que estão ao seu redor.

Mas voltando ao desfecho que deveria ser ignorado, creio que ele é a cereja do bolo nesta obra.

Considero-o como uma versão literária para uma pintura tríptica impressionista, onde, apesar das três versões para o desfecho, a pergunta que intitula a obra é respondida aos olhos mais atentos, sendo que o fim de Juliana Klein é o mesmo em qualquer uma delas.

Aos meus olhos, a terceira versão é mais confortável de aceitar por ser a única que incluiria a necessidade de certas cartas destinadas a Gabriela Klein, que ganha notoriedade com o avançar das páginas, e perpetuaria o ciclo de tragédias pré-estabelecidas. Mas isso é puro achismo meu!

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Gabriela Klein é um mosaico de emoções, moldada pelo pensamento filosófico e o ambiente trágico, ela guarda a chave do enigma!

Informações dão conta de uma possível volta de Gabriela às paginas excepcionalmente ajambradas por Marcos Peres, que manteve a fluidez de sua narrativa, guiou o leitor pelos caminhos que quis, para o bem ou para o mal.

Nesta segunda empreitada deu um pouco mais de apelo aos momentos carregados de emoção, tirando um pouco a linearidade presente na primeira obra, dando mais pontos de inflexão nos momentos críticos, sabendo ser misterioso quando necessário, ou imprimir sensualidade latente quando se espera por isso.

Concedeu mais dinâmica na narrativa e a descrição dos ambientes também é esmerada, nos permitindo assistir a um filme enquanto lemos as frases, com direito a efeitos de luz e cortes precisos, se mostrando um exímio e versátil escritor.

Com esta obra, Marcos Peres passa no teste do segundo livro com louvores, sendo elencado como um dos meus três autores nacionais favoritos na atualidade.

Obviamente, Que Fim Levou Juliana Klein? é um dos melhores livros de 2015.

Resenha ilustrada com obras do mestre 
da Pop Art, Roy Lichtenstein.

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0 comentário em “RESENHA | “Quem Fim Levou Juliana Klein?”, de Marcos Peres”

  1. Marcelo, concordo com a Cilene. Sua análise despertou o meu interesse, mesmo não conhecendo o trabalho do autor. Gostei do enredo muito bem descrito no post. Vou incluir em minha lista de leituras.
    Valeu!
    Abcs!

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