“Três Anúncios para um Crime” | Um filme que devia ter ganhado o Oscar

 

Por Laira Arvelos

“Raiva engendra mais raiva”

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“Três Anúncios para um Crime” (“Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”, 2017, Direção: Martin McDonagh)

SINOPSE: Inconformada com a ineficácia da polícia em encontrar o culpado pelo brutal assassinato de sua filha, Mildred Hayes decide chamar atenção para o caso não solucionado alugando três outdoors em uma estrada raramente usada. A inesperada atitude repercute em toda a cidade e suas consequências afetam várias pessoas, especialmente a própria Mildred e o Delegado Willoughby, responsável pela investigação.

Assisti ao filme sem ler sinopse, ver trailer, nem nada do tipo, logo não fazia ideia do que a história tratava. Sem nenhuma expectativa, então, fui me envolvendo em uma história aparentemente simples, mas que vai apresentando aos poucos várias camadas que sobrepostas dão tom e beleza a obra.

Mildred Hayes (Frances McDormand) mora em uma pequena cidade do interior dos Estado Unidos, sua filha é estuprada e assassinada, meses passam e a polícia não encontra nenhum culpado, ela então usa como estratégia afrontar a polícia alugando três outdoors em uma das estradas perto da cidade que expõe a ineficácia da polícia, principalmente a do xerife da cidade, Bill Willoughby (Woody Harrelson).

Os outdoors vermelhos com escritas pretas gritam o descaso e dor da personagem. Mildred movimenta a pacata cidade ao levar o caso à mídia. “Quanto mais você mantém um caso nos olhos do público, maiores são as chances de que ele seja resolvido”, e é a partir daí que o filme se desenrola, se antes não haviam expectativas, agora é uma nova a cada movimentação da história.

Com um roteiro fantástico, Martin McDonagh parte de uma ideia muito original, e consegue pintar e preencher os diversos espaços da narrativa com personagens bem construídos, trazendo a história a partir de várias perspectivas fugindo do que Chimamanda Adichie chama de ‘o perigo da história única’. Quando olhamos uma história apenas por um lado, não é que não encontramos verdade, mas encontramos histórias incompletas. Um filme escrito e produzido para ressaltar e trabalhar os personagens, onde quem assiste se prende por sentir o dilema moral e a imprevisibilidade dos acontecimentos.

A lista de indicações e premiações é extensa, Independent Spirit Awards, Prêmio Bafta de Cinema, Critic´s Choice Awards e Globo de Ouro. Das 7 indicações ao Oscar; destaque para a indicação de melhor filme (que por mais que tenha um carinho muito especial por “A Forma da Água”, era a minha maior torcida), para as indicações de Woody Harrelson e Sam Rockwell (vencedor), para melhor ator coadjuvante, e melhor atriz para a fantástica Frances McDormand (vencedora).

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Embora Lucas Hodges (Robbie), o desperdiçado Peter Dinklage (James), Clarke Peters (Abercombrie) e John Hawkes (Charlie), tem sua importância narrativa, o destaque sem dúvida fica para Bill, Dixon e Mildred.

Sam Rockwell, traz em Dixon um policial caricato, infantil, antiético, um personagem que passa por um tipo de redenção, não é que simplesmente vire outra pessoa e que não aconteça nada pelos seus erros; as coisas por que ele passa mostram que não sai ileso, de um jeito estranho é alguém que você acha um completo nonsense, sente muita raiva, pena, dó. O melhor da história e atuação é a questão de nós conseguirmos simpatizar pelo personagem, mesmo que não concordemos, enxergamos os motivos das suas ações. Dixon é resultado do meio em que vive.

Woody Harrelson, traz em Bill Willoughby, um certo equilíbrio entre os extremos dos personagens, Mas o que faz no filme afeta a continuidade da história e deixa em aberto o quanto a tudo que aconteceu pesou e influenciou suas ações e como até então ele tinha se portado frente a investigação do crime.

Frances McDormand, Mildred Hayes, é a linha condutora do filme com uma atuação impecável, entrega uma mulher de garra, determinação, sem papas na língua, mas que não perde todo o sentimento e fragilidade por traz de todas suas ações. Mildred é mãe, e de forma tocante passa a questão da maternidade, das palavras ditas sem pensar, da revolta frente a injustiça e da coragem.

A dimensão que o filme alcança abarca temas importantes e atuais como violência sexual, domestica, é tão verossímil, ver que Mildred é um furacão, mas quando passa por problemas com violência com o marido, não revida, não vejo que o filme abranda esta questão, mas só mostra uma triste realidade de mulheres que aceitam e não tem força para encarar este tipo de situação por diversos fatores: a desigualdade de gênero, racismo, questões políticas e a conduta da polícia.

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Sam Rockwell, vencedor do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo policial caricato, infantil, antiético, encarnado em Dixon, um personagem resultado do meio em que vive e que passa por um tipo de redenção. 

Embora personagens e situações possam trazer um alívio na seriedade do filme, definitivamente não é um filme pra se rir, as diversas situações servem para formar mais ainda estes personagens caricatos e até mesmo ridicularizar os personagens diante da dureza de Mildred.

Destaques a carta de amor mais estranha que já vi, aos diálogos, e principalmente aos que seriam monólogos de Mildred, porque diversas vezes os personagens e o expectador ficam sem palavras de ante de cada palavra desenhada em seus discursos (o padre que o diga? )

Pensar duas vezes antes de fazer algo, ou aceitar algo irreparável como o passado é o mais racional a se fazer, mas é libertador quando o cinema traz a figura de alguém que revida, que não mede esforços frente a injustiça. “Três anúncios para um crime”, desconstrói nossas concepções tão frágeis do bem e do mal, apresentando uma oscilação de como entendemos e reagimos a cada uma das perspectivas dos personagens.

O final, aparentemente aberto, é humano no sentido de que não é sobre a resolução de um crime e sim sobre o ciclo da raiva, ódio e injustiça. Mildred e Dixon tem a chance de pensar, reproduzir ou terminar com o ciclo em que se encontram, fica a dúvida se existe ou não uma solução.

A curva dos personagens é brilhante e sutilmente faz com que vários questionamentos fiquem dias depois de assistido. Não é conclusivo, mas é esperançoso. “Tudo que pode fazer é tentar”.

 

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