José Saramago – “Ensaio Sobre a Cegueira” | Clássico da Literatura

 

“Ensaio sobre a Cegueira” é um romance do escritor português José Saramago, publicado em 1995. A obra se tornou um clássico instantâneo da literatura em língua portuguesa, foi traduzido para diversas línguas e virou filme em 2008.

Hoje, nossa colaboradora Laira Arvelos nos apresenta uma resenha deste clássico da literatura moderna.

José Saramago - Ensaio Sobre a Cegueira

Resenha: José Saramago – “Ensaio Sobre a Cegueira” (1995)

“Estava em um restaurante em Lisboa. Sozinho até, e de repente pensei:
E se fossemos todos nós cegos? E depois praticamente num segundo seguinte, respondi a mim mesmo a pergunta que acabava de fazer:
Mas nós estamos todos nós cegos”

José Saramago.

Espera-se certa impessoalidade do autor de uma resenha, mas tratando de Saramago, a tarefa fica difícil, não dá para ser impessoal quando se cria um monumento para uma pessoa em seu coração.

Quando soube da notícia que Saramago partiu, foi como se me partisse, como se levasse embora um amigo, aquele escritor que me tocou com palavras, que me despertou um leve sorriso e inquietação.

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José Saramago (1922-2010) foi um brilhante escritor português. Destacou-se como romancista, teatrólogo, poeta e contista. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura (1998), o Prêmio Camões (1995), “Doutor Honoris Causa” (1999), pela Universidade de Nottinghan, na Inglaterra, “Doutor Honoris Causa” (2004), pela Universidade de Coimbra, entre outros.

Muitas vezes em minhas divagações e pequenos momentos de delírio, me pego imaginando coisas com a premissa do ‘e se’… E se tivesse asas? E se não houvesse música? E se não existissem cores? Estas suposições nos levam a melhorar nossa empatia, nossa percepção do espaço, do outro e principalmente de nós mesmos, podem gerar algum momento de criatividade e pensamento ou até mesmo desconforto e desespero.

Saramago, este escritor único, consegue trabalhar está temática como ninguém, em alguns momentos de sua obra e em especial no Ensaio sobre a cegueira, ele parte de uma premissa fantástica e tenta retratar como as pessoas reagiriam diante deste fato desconhecido.

Em um dia como um outro qualquer, em um sinal de trânsito, um homem a caminho do trabalho espera o sinal ficar verde. Sua espera é interrompida de forma instantânea por uma nuvem branca que cobre toda a sua visão. Este fato por si só já é desesperador, estamos tão acostumados a luz, a nos comunicar e nos locomover orientados pelo que vemos e se isso repentinamente nos fosse tirado, como faríamos?

Inicialmente muitos não se importam ou entendem, é apenas um infortúnio. Este é o primeiro cego, o primeiro caso da “cegueira branca” que logo se espalhará como um vírus sem controle e sem explicação a consumir a todos provocando desalinho e caos.

Diante da situação o governo coloca as pessoas que ficaram cegas em quarentena, sob condições desumanas a única alternativa é tentar sobreviver em um local obscuro onde são reveladas as mais sombrias faces humanas; a crueldade, o ódio, a indiferença, a ruindade, o preconceito, a injustiça e violência.

Pessoas aproveitam uma das outras por necessidade de exercer poder, roubam comida, maltratam; ‘O homem é o lobo do homem’, o mal está presente, não fora, mas dentro de cada um.

O ‘mar de leite’ alcança mais pessoas fora dali, após um incêndio, os cegos se veem livres da prisão e descobrem todo um mundo cego. A sociedade está em colapso. Quem pode ver este sofrimento, choca com a cena: sangue, lixo, destruição, fezes, urina e corpos.

Agora a necessidade é de luta por viver em um lugar devastado, sem comunicação e sem lei. Uma das personagens não é afetada pela cegueira, ela tenta fornecer ajuda de forma discreta, mas é inundada por uma situação de aflição bem maior.

Se tivéssemos nesta situação como agiríamos? Ficaríamos caladas? Tiraríamos proveito? Ajudaríamos? “De que me serve ver. Servira-lhe para saber do horror mais do que pudera imaginar alguma vez, servira-lhe para ter desejado estar cega, nada senão isso. ”

Saramago tem uma forma ímpar de escrever e rapidamente nos acostumamos com sua forma de subversão das regras de pontuação, para uma boa leitura devemos esquecer os sinais que indicam as falas das pessoas.

Os personagens não possuem nomes o que reforça ainda mais a ideia de uma alegoria que tem seu foco no ser humano, nos seus pensamentos, comportamentos e atitudes, expondo uma crítica social crua que nos mostra lados humanos que julgaríamos não ser possíveis.

Com maestria, Saramago nos apresenta histórias que nos tocam profundamente em suas particularidades. Em Ensaio sobre a cegueira somos apresentados de forma profunda há pessoas, cada uma com suas aflições e almas particulares, ele nos faz perder a visão para que ampliados nossos sentidos possamos observar o outro, o que é singular, o valor das coisas que realmente importam: as pequenas coisas, porque viver em mundo cada vez mais indiferente vai nos desmoronar.

As cenas criadas são vívidas e perturbadoras, de forma pungente somos imersos em um mundo melancólico e nauseante. Ao final da leitura somos tomados pelo pensamento que nos acompanharão em diversas situações de nossas vidas, o quanto vemos? O quanto não vemos? Temos consciência do que não vemos? Se nos é dado a oportunidade de ajudar a ver, ajudamos? O quanto nos acomodamos? Como esta nossa capacidade de questionar?

Um livro sobre a aflição e vulnerabilidade humana, uma obra clássica inquietante, que não dá para ficar indiferente, devendo ser lida e relida sempre, por seu poder de surpreender a cada novo detalhe percebido.

A obra foi adaptada lindamente para as telas do cinema em 2008, Fernando Meireles tem a minha admiração por fazer esta transição com as modificações necessárias, mas sem perder a essência da história, o que é percebido nas próprias palavras de Saramago: “Sinto me tão feliz agora como estava quando acabei de escrever o Ensaio sobre a cegueira”. A cada cena percebemos nosso egoísmo, fragilidade e indiferença.

Há uma linha tão tênue que mantêm nossa civilidade, Ensaio sobre a cegueira nos revela isto, as vezes de forma tão densa outras tão subjetiva, nos mostra toda podridão humana e sim a responsabilidade de quem pode enxergar onde todos estão cegos.

Irônico é que foi preciso uma cegueira generalizada para nos faze enxergar como o mundo é de fato.

“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.
(livro dos conselhos).

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