Circo Motel – Resenha de “Auê” (2016, Independente)

 

Buscando pelo significado da expressão “auê”, que batiza o primeiro álbum da banda Circo Motel em cinco anos, encontramos pontos de convergência interessantes que justificam o batismo deste inspirado conjunto de músicas!

Como sinônimos imediatos, a cultura popular me forneceu as palavras bagunça, farra, agitação, algazarra e festa sem controle, que se encaixam perfeitamente na adjetivação da sonoridade amadurecida em relação ao primeiro álbum, “Sobre Coiotes e Passáros” (2011).

Duvida?

Acompanhe conosco!

Circo Motel, Auê
Circo Motel, “Auê” (2016, Independente) NOTA:10

Fundindo soul/funk tradicional, com a malemolência das brasilidades musicais e um groove tipicamente tupiniquim, a banda promove uma festa sem controle nos arranjos dinâmicos, que espantam pela sagacidade e inteligência nas estruturas, além das harmonias diversificadas advindas de um multivariado arcabouço musical.

Neste contexto, a farra das simplicidades somadas formatam um grande trabalho, cuja agitação das palhetadas nas guitarras consegue fornecer ritmo, rusticidade e pegada, mesmo em baladas pop como “Vinho e Cigarros”, faixa que tem personalidade baseada no bom gosto!

Como se não bastasse, essa mistura ainda flerta com elementos modernos que são inseridos na manufatura musical da banda de modo fluido  e sem truncamentos, como uma versão sincopada e organizada de uma bagunça nas eras musicais, deitada numa cama feita de teclados onipresentes.

Acha que isso é impossível? Tente explicar melhor a maneira como a faixa “Coração Tropical” consegue dar um requinte moderno ao pop/soul com pé na Jovem Guarda, além dos versos modernos e envolventes…   

Entrando um pouco mais no mérito de algumas faixas, “Terna Bahia” é uma bossa n’ soul envolvente, com linhas vocais esmeradas e de toque psicodélico.

Aliás, esqueci de mencionar que no decorrer das faixas emergem nuvens de psicodelia sessentista, vultos de blues em alguns acordes e banhos abrasivos de soft jazz em meio ao moderno tratamento musical.

Retrato fiel desta observação se faz na faixa “Lombeira”, uma das melhores do trabalho, alicerçada num mezzo blues mezzo soft jazz, de instrumental sensual e teclados sussurrantes que evolui para um samba rock de groove flamejante!

Outra característica interessante da banda é a capacidade de traduzir harmonias tradicionais em idiomas musicais renovados, como na s-e-n-s-a-c-i-o-n-a-l “Samba Derretido”, que dá voz diferente ao verbo do samba por linguagens jazzísticas nas guitarras e num piano de romantismo quase erudito.

Apesar de toda a exploração que promovem neste álbum, a identidade musical brasileira esta marcada aos ouvidos treinados e se mostra mais explícita nas ruralidades misturadas ao blues/folk intimista e acústico da faixa “Coisas Pequenas”, que fecha o álbum com o clima bucólico de uma manhã orvalhada no campo.

Ainda altamente destacáveis, temos  as canções “Cara Normal” (eloquente em seus versos, incisiva em suas guitarras sessentistas e certeira em sua cadência quase hipnótica), “Malícia” (balada carregada de sentimento, guitarra chorosa e versos simples, mas eficientes) e “James Brown” (uma clara homenagem ao rei do soul em melodias que o insere numa caminhada cheia de picardia pelo caleidoscópio musical brasileiro).

É importante louvar o sucesso da fórmula do Circo Motel neste álbum, pois seria muito fácil se perder em meio a tantos elementos, além do que, o pop rock baseado no soul tem dois lados opostos; 1) o fracasso do pastiche piegas e da auto-indulgência musical, ou 2) o sucesso de um groove requintado!

Em “Auê”, temos o segundo caso em larga escala, ainda ecoando texturas musicais multifacetadas, influências multivariadas e personalidade latente que vai de soul/blues à MPB com maestria e desenvoltura!

E olha que os músicos se definem apenas como “Rock Soul Tropical”.

Créditos à importantíssima participação de Cris Scabello, do Bixiga 70, que foi o responsável pela gravação e produção de “Auê”, além de Décio 7 e Maurício Fleury, ambos também do Bixiga.

O naipe de metais, liderado por Lucas Joly (trompete), serve como arauto da algazarra musical (no bom sentido, claro!) concretizada na febril faixa “Feijoada”  que evoca Jorge Ben Jor num retrato emoldurado por um groove confortável e abrasivo.

Um álbum de rachar o assoalho! Músicas de emocionar! De colocar “ad infinitum” no repeat!

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