Carlos Melo – Resenha de “Aaron Fischer e a Prova dos Elementos”

 

A literatura nacional tem experimentado um fenômeno salutar no que tange o gênero fantástico/ficção científica: o surgimento anual de novos nomes que começam a solidificar este segmento tão escanteado ao longo de nossa história literária, tão academicista.

O mais recente destaque neste cenário é o pernambucano Carlos Melo, que tem apenas 21 anos, e nos apresenta sua primeira obra: “Aaron Fischer e a prova dos elementos”.

Emoldurada na fantasia, além de reunir os ingredientes costumeiros ao gênero, como magia, batalhas, “deuses” e heróis em desenvolvimento, também traz camadas mais profundas de discussão política e social, em meio ao encaixe bem feito dos clichês utilizados na ousada criação deste universo estruturado numa ditadura segregacionista, que divide comuns e elementais, fortemente atrelada à Igreja.

Carlos Melo - Aaron Fischer e a Prova dos Elementos (2016, Resenha)

Antes de elencarmos nossos apontamentos quanto ao livro, vamos a uma sinopse:

O Império de Taur está prestes a presenciar o recomeço da guerra civil, que chegou a dizimar um terço da população, quinze anos antes. Em um mundo onde elementais – humanos com poderes e habilidades fantásticos – vivem como deuses, apoiados pela Igreja e pelo Exército, os homens comuns, nascidos sem poderes, são escravizados e obrigados a ter uma vida miserável do lado de fora das muralhas das grandiosas Cidades Elementais. Entre esses comuns vive Aaron Fischer, um garoto de quinze anos, inconformado com a vida imposta pelo Exército Imperial. Quando Jonas, seu pai, é assassinado pela Marinha Imperial, poderes desconhecidos despertam no garoto, e ele descobre que é, na verdade, o filho perdido do ex-general Logan Grun, um dos mais cruéis genocidas da história e um dos mais poderosos elementais. Perante as últimas palavras do homem a quem ele chamava de pai, Aaron promete encontrar o nefasto grupo revolucionário conhecido como Exército Negro, libertando os comuns e revelando a verdade por trás do que aconteceu no passado. (FONTE: http://www.gruponovoseculo.com.br/)

Após esta contextualização, um panorama geral da trama pode ser tratado como um amálgama de elementos clássicos da cultura pop moderna. São eles:

  1. Personagens, ação e construção da narrativa muito próximos às técnicas utilizadas nos mangás (ou animés). Temos até mesmo uma técnica de luta lendária e perdida, dominada por poucos;
  2. Um contexto político imperial, amarrado a preceitos religiosos, além da inclusão de uma resistência underground e da tradicional escalada no desenvolvimento do herói , elementos tão bem explorados em Star Wars. Aqui, inclusive temos um elemento sanguíneo que determina o poder de um elemental;
  3. Magia, belas paisagens, seres lendários, mitológicos e folclóricos (inclusive nosso Curupira se faz presente),  e passagens que remetem a obras como Harry Potter e Jogos Vorazes (principalmente pelo leve clima distópico de alguns momentos e no desfecho da obra, quando se desenrola a prova dos elementos).

Neste momento, não pense que Carlos se valeu apenas de uma colcha de retalhos para construir sua narrativa.

Neste seu mundo que se assemelha ao nosso (ou seria o nosso após muitas guerras e eras?), os habitantes assistem ao desabrochar de uma revolução industrial diferente da nossa, onde certos detalhes nos são familiares e uma certa divisão social se faz presente, onde os elementais possuem privilégios e os comuns são instruídos à subserviência, construindo o cenário perfeito para rebeliões e revoltas.

A discussão política e social extrapola o usual, dando um recheio robusto ao livro. Em dado momento, lemos:

“com os poderes dos elementais, todos poderiam desfrutar daquilo que ele estava vendo, porém, por causa de uma crença estúpida e da opressão do Exército Imperial, todos aqueles absurdos e todo aquele ódio existiam.”

É, ou não, uma discussão político-social alegórica inerente aos tradicionalismos do gênero e que se encaixa perfeitamente na desigualdade social dos nosso dias?

Além disso, o ritmo cinematográfico é conferido pelos capítulos curtos, pela ação constante e pelos diálogos bem elaborados, quebrado apenas pela ambientação detalhista, que freiam o ritmo da leitura.

Acredito que alguns detalhes podem ser deixados à cargo da imaginação do leitor.

Longe disso ser um problema quanto a envolvência do livro (já na página 40 você o terá amarrado às mãos e a leitura se tornará mais saborosa com o passar das páginas), ainda mais numa narrativa que precisa apresentar um novo mundo, experimentamos também alguns clichês  do gênero, mas o que seria de uma boa aventura sem alguns clichês?

Muito da oxigenação que dá dinâmica palatável ao livro vem da simplicidade despretensiosa da escrita de Carlos, em assumir o lugar comum da fantasia, mas com muita sagacidade.

Um ótimo exemplo deste fato se mostra na descrição minuciosa do jogo de Fissureball, que se torna um delicioso interlúdio entre as partes do enredo, apresentando de forma muito didática o impacto dos poderes dotados pelos elementais, além de ser uma das passagens mais divertidas da trama.

Neste momento, o didatismo do autor foi brilhante!

Outro fator positivo é a voz muito natural que Carlos dá a cada um de seus personagens, com destaques para o poderosíssimo Balor, o divertido Gent e o  enigmático Nomed (um óbvio arranjo da palavra demon).

Ainda merece uma salva de palmas o desfecho bem construído e inesperado, deixando-nos ansiosos pela sequência, que deve vir em mais de um volume.

A verdade é que este primeiro livro apresentou muito bem o Universos de Carlos, deixando questões a serem respondidas e diversas nuances a serem exploradas, principalmente no que tange ao passado e ao segundo plano da trama!

Um mergulho na história da Guerra dos Deuses Caídos seria muito interessante. Para os próximos volumes, uma maior atenção na revisão é bem vinda para que não passem alguns erros ortográficos e/ou inerentes ao processo de confecção do livro (um deles relativamente grave).

Por fim, a verdade é que mal posso esperar pela sequência desta trama que serve de arauto para um nome promissor desta consolidação da Literatura Fantástica brasileira!

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